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DOSSIÊ HSM – PROPÓSITO & LUCRO

Pesquisa mostra que o propósito, crucial para o engajamento dos funcionários, é compatível com o lucro se forem seguidos seis princípios | por Julian Birkinshaw, Nicolai J. Foss e Siegwart Lindenberg

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JULIAN BIRKINSHAW (na foto ao lado) é professor de estratégia e empreendedorismo da London Business School, no Reino Unido

“Propósito é um call to action espiritual e moral.” Essa definição, do CEO aposentado do Tata Group, Ratan Tata, sintetiza a ideia quase consensual de que as empresas precisam ter um propósito claro para conseguir engajar e motivar seus colaboradores, não é?

No entanto, também não resta muita dúvida entre os gestores de que existe uma tensão permanente entre propósito e busca de lucros. Não à toa, uma pergunta cada vez mais importante a que todas as organizações tentam responder é: como lidar com a tensão entre propósito e resultados?

Conduzimos ao longo de cinco anos uma pesquisa sobre essa tensão e acreditamos ter descoberto um caminho que possibilita às empresas manter seus propósitos ao longo do tempo e ser financeiramente sustentáveis.

Depois de entrevistar mais de 80 executivos de 15 importantes companhias, como Whole Foods Market, W. L. Gore, Roche, Ikea, Rio Tinto, Guardian News & Media, Lego Group, Seventh Generation, Svenska Handelsbanken, HCL Technologies e Tata Group, concluímos que seis princípios ancoram essa abordagem. Partimos da teoria da configuração de objetivos, segundo a qual as pessoas são motivadas pelos tipos de objetivos perseguidos [veja quadro na próxima página], e o tipo “social” é capaz de gerar a base motivacional mais forte, por envolver causas que vão além do ganho financeiro ou da liderança de mercado.

O desafio, então, é saber como fazer com que esses objetivos comuns a toda a empresa se tornem mais percebidos pelos funcionários e mais significativos para eles.

Em linhas gerais, trata-se de comunicar muito bem o propósito da organização ao conjunto dos colaboradores, de maneira que eles entendam como seus esforços se encaixam com os dos demais para alcançar algo maior. A comunicação da empresa deve priorizar os objetivos sociais em vez das metas financeiras. Por exemplo: se uma fabricante de produtos médicos busca “colocar os pacientes em primeiro lugar”, esse posicionamento precisa ser o foco, por excelência, de seus canais de comunicação internos e externos.

Além disso, as metas financeiras, que certamente existirão, têm de ser abordadas sobretudo de maneira indireta, para que sejam vistas como consequência natural do esforço pelos objetivos sociais, e não como uma finalidade em si mesmas.

Os objetivos sociais têm uma fragilidade que faz com que comunicação formal não baste. É preciso reforçar e apoiar os objetivos sociais por meio de conversas informais, pela gestão de símbolos com o que chamamos de estrutura de contrapesos e por sistemas de incentivo e recompensa, geralmente relacionados com outros tipos de objetivos, como nos ensina a teoria da configuração de objetivos.

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**SAIBA MAIS SOBRE A TEORIA DA CONFIGURAÇÃO DE OBJETIVOS**

O ponto de partida da teoria da configuração de objetivos é a ideia de que as pessoas sempre possuem prioridades que as levam a se concentrar em alguns aspectos específicos de seu trabalho, em detrimento de outros.

Se o profissional está preocupado em se sentir bem, por exemplo, vai buscar o que há de divertido em seu trabalho, as atividades que o estimulam, tendendo, também, a negligenciar tudo o que acha aborrecido. Possui, portanto, objetivos hedonistas.

Quando a preocupação central são os ganhos financeiros ou a carreira, o profissional focará as oportunidades de conseguir mais dinheiro ou ser promovido, deixando de lado outros aspectos do trabalho. Seus objetivos são essencialmente materialistas.

No entanto, quando a atenção está voltada para alcançar uma meta compartilhada com outras pessoas, como lançar um novo produto ou participar de uma campanha de levantamento de recursos, o profissional tenderá a colocar em segundo plano a diversão ou a vontade de ganhar mais. Nesse caso, ele possui objetivos sociais.

A essência dos objetivos sociais pode ser traduzida em perguntas como “O que posso fazer para que todos nós sejamos bem-sucedidos?”, em vez de “O que posso fazer para me destacar?”.

Vale ressaltar que, na configuração dos objetivos pessoais, as características individuais pesam, mas os estímulos externos têm influência muito forte. Se tudo o que alguém ouve na organização diz respeito ao bônus anual, o objetivo materialista passa a ser dominante. Da mesma forma, se a empresa deixa claro que deseja que seus funcionários contribuam para o alcance de objetivos comuns a toda a organização, isso faz toda a diferença a favor do propósito. 

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**MODELOS QUE FUNCIONAM**

Ao longo de nossa pesquisa, encontramos três tipos dominantes de empresas. Muitas delas possuíam um claro senso de propósito – geralmente traduzido em um conjunto de objetivos sociais, como colocar os colaboradores em primeiro lugar e investir nas comunidades locais –, mas não conseguiam gerar um impacto perceptível no comportamento dos funcionários. 

Em outro grupo de organizações, os propósitos sociais não iam além de um punhado de palavras, uma espécie de verniz sobre as metas fi nanceiras e de liderança de mercado. Esse tipo de objetivo provavelmente foi genuíno em algum momento da história da companhia, porém, ao longo do tempo, perdeu importância diante de outras prioridades.

Encontramos ainda um terceiro e pequeno número de empresas altamente bem-sucedidas e com propósitos sociais genuínos. Nelas, nossas conversas com funcionários de diversos níveis hierárquicos, assim como a observação do comportamento deles e dos aspectos do trabalho que valorizam, evidenciam o impacto dos objetivos sociais sobre a motivação dos colaboradores. 

Nesse terceiro grupo, três cases se destacaram: o banco sueco Svenska Handelsbanken, o Tata Group, um dos maiores conglomerados da Índia, e a também in diana HCL Technologies.

O propósito social do Tata Group é “melhorar a qualidade de vida das comunidades” servidas pelas empresas do grupo, o que se materializa em investimentos diretos no desenvolvimento dessas comunidades e no lançamento de produtos capazes de fazer diferença para elas, como o purifi cador de água de baixo custo Swach. No caso do Handelsbanken, o propósito é o foco no cliente, e, no da HCL, os colaboradores em primeiro lugar.

**OS 6 PRINCÍPIOS**

O que podemos aprender com essas empresas que alcançaram o sucesso mantendo, ao longo de sua trajetória, sólidos propósitos sociais?

A premissa fundamental, vale repetir, é a de que o que motiva seus funcionários a alcançar os objetivos sociais também faz sentido para elas do ponto de vista econômico. Além disso, porém, observam-se alguns princípios em comum, que podem ser aplicados em diferentes organizações.

**1. Objetivos sociais não precisam ser elaborados ou inovadores**

 Há um número relativamente limitado de objetivos sociais que a empresa pode eleger como alvo. Alguns exemplos: a satisfação dos consumidores acima de qualquer coisa (como o Handelsbanken), o desenvolvimento das comunidades locais (como o Tata Group), o bem-estar e a segurança dos funcionários (como a HCL) e a conservação ambiental.

Não há evidências de que o sucesso esteja relacionado com objetivos sociais únicos ou altamente inovadores. Em vez disso, o que parece fazer diferença é a capacidade de traduzir os propósitos, ainda que simples, em ações consistentes e que contem com o compromisso de todos.

**2. Objetivos sociais requerem sistemas de apoio**

Os sistemas de apoio contribuem para colocar em prática os objetivos sociais em diferentes níveis da empresa e, desse modo, garantir que “grudem” em todas as atividades que permeiam a companhia.

Esses sistemas podem ser formais, por meio de programas instituídos, ou informais, refl etidos nas iniciativas e pronunciamentos da organização, por exemplo. No Handelsbanken e no Tata Group, particularmente, os sistemas de apoio são marcados pela consistência ao longo do tempo, o que também ajuda a reforçar seu valor, sinalizando a todos que a direção da empresa é sincera em seu propósito.

**3. Os sistemas de apoio devem reforçar os objetivos**

Uma importante forma de apoio reside em incorporar manifestações concretas dos objetivos sociais ao trabalho do dia a dia.

A IBM, por exemplo, envia futuros gestores para atuar em ONGs em projetos de desenvolvimento na Nigéria, em Gana, na Tanzânia e nas Filipinas. A ideia é dar substância aos programas sociais da empresa. Também temos informações de instituições de saúde que levam os pacientes ao escritório para que falem sobre como os serviços da organização os ajudaram.

Outra importante forma de apoio é encontrar parâmetros de mensuração dos progressos das ações para alcançar os objetivos sociais e divulgar os resultados. Para as companhias que têm o foco no cliente como razão de ser, a métrica NPS vem se tornando bastante popular. No caso das iniciativas que colocam os funcionários em primeiro lugar, os níveis de engajamento costumam ser utilizados.

Ainda não existem parâmetros bem-estabelecidos para acompanhar os objetivos sociais que envolvem comunidades e o meio ambiente, apesar do avanço de relatórios de sustentabilidade anuais.

O mais importante é que a informação seja compartilhada de maneira transparente e consistente com todos os stakeholders. A iniciativa da HCL de compartilhar o feedback sobre como os gestores estão se saindo em promover o bem-estar dos colaboradores é um bom exemplo de transparência.

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/1b1d4c64-319a-46fe-9d8c-1bbee07dc420.jpeg)**4. Objetivos sociais precisam de “contrapesos”**

Como já vimos, há sempre a possibilidade de que os propósitos sociais sejam deixados de lado em favor das metas financeiras de curto prazo ou dos objetivos hedonistas. Por isso, um fator crucial para que os propósitos sociais sejam duradouros é a existência de “contrapesos”, ou seja, mecanismos institucionais que propiciem um foco continuado em metas não financeiras. 

Um exemplo é o adotado pelo Handelsbanken. As metas do banco estão vinculadas a um sistema que combina participação nos lucros e distribuição de ações aos funcionários, chamado Oktogonen. Assim, os lucros são distribuídos de modo equânime pela organização, e não individualmente.

**5. O alinhamento é oblíquo, não linear**

Na maioria das empresas, há a crença de que todas as atividades devem estar alinhadas de maneira linear e lógica – de um destino claramente definido até o ponto de partida. No entanto, como a teoria da configuração de objetivos explica, as organizações mais bem-sucedidas pesquisadas apresentam um equilíbrio entre múltiplos objetivos, que não estão, necessariamente, alinhados. Deve-se ter em mente, portanto, que os lucros de longo prazo são com frequência alcançados de forma oblíqua ou indireta.

**6. A implementação deve acontecer em todos os níveis**

Quem é responsável pela agenda social da empresa? Se as unidades de negócios ou divisões são as escolhidas, fi ca claro que suas lideranças são as encarregadas de colocar em prática as estruturas e ações descritas anteriormente. Contudo, os níveis hierárquicos inferiores, mais operacionais, não podem ficar largados – é tentador as pessoas pensarem que se trata de um “problema dos outros”. A média gerência pode – e deve – fazer diferença por conta própria, com base nos princípios destacados aqui. A pesquisa mostrou que os gestores conseguem fazer isso, e rápido.

**PROPÓSITO VERDADEIRO**

Ficou famoso um artigo da revista Time sobre a reação do ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush a um conselho sobre pensar cuidadosamente em suas iniciativas: “Ah, lá vem a coisa da visão!”. Muitos CEOs reagem da mesma forma. Eles sabem que devem ter visão e propósito, mas, no fundo, acham que essas palavras são apenas retórica. Com presidentes assim, não demora para que os funcionários e até mesmo observadores externos cheguem à mesma conclusão.

O que buscamos mostrar aqui é que os objetivos da organização, incluindo os financeiros, podem ser mais facilmente alcançados se houver um propósito compartilhado por todos – e bem-trabalhado.

**CRISE CAPITAL E CONSCIÊNCIA**

Há quatro anos, um grupo de empreendedores e pesquisadores trouxe para o Brasil o movimento do capitalismo consciente, convencido de que construir um mundo melhor também é responsabilidade das empresas e, mais, que lucro e propósito são compatíveis.

Hoje o Instituto Capitalismo Consciente prepara-se para aumentar sua influência. Rony Meisler, que assumiu sua presidência este ano, crê que a crise vivida pelo Brasil aumentará muito o interesse das organizações pelo novo posicionamento. “A podridão moral do País elevou nosso nível de consciência. A crise vai nos deixar um legado: reconstruiremos um Brasil muitíssimo melhor”, prevê Meisler. **Alice Sosnowski**

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