Dossiê HSM

Dragão sob medida

O novo paradigma do “project tailoring” permite incluir no processo até metodologias radicais, como dragon dreaming e autogestão

Katia Simões

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Vivemos a era da mudança, com o ser humano ficando insatisfeito com muita rapidez, segundo Felipe Iotti, head de RH do Gi Group Brasil. “É preciso que as empresas se reinventem porque os anseios mudam. As pessoas querem sentir orgulho de seu local de trabalho”, afirma o executivo da multinacional italiana de recursos humanos. “Cada vez mais é preciso criar ambientes abertos para a colaboração, que gerem confiança, que enxerguem o que cada um é capaz de agregar à entrega e não a hierarquia, que facilitem a prática da liderança por influência e o engajamento do time.”

Esse seria um excelente pitch para o gerenciamento de projetos proposto pelo novo PMBOK, nº 7, que dá muito mais ênfase a práticas adaptativas e colaborativas – as ágeis – do que antes. Porém, se o ambiente de colaboração e autonomia no gerenciamento de projetos deve se instalar com rapidez, metodologias mais radicais do que as ágeis podem ser bem-vindas. Na nova lógica formalizada no PMBOK nº 7, que recomenda ao líder de projeto combinar tantas abordagens quanto forem necessárias em cada caso, em vez de adotar uma única abordagem, até essas metodologias colaborativas radicais começam a entrar nos escritórios de projetos. (Para serem misturadas com conceitos tradicionais e ágeis, é claro.)

O que são essas abordagens colaborativas ousadas? Elas são encontradas no terceiro setor, onde imperam tecnologias sociais como o dragon dreaming, e também nos vários modelos de autogestão, como os que Frederic Laloux expôs no livro Reinventando as organizações, de 2014. Além dessas abordagens gerenciais, entram em cena metodologias diferentes para o design do projetos, como a própria dragon dreaming e o design thinking, e para a facilitação, como a comunicação não violenta, as estruturas libertadoras e o game storming. Por enquanto, essas abordagens são observadas sobretudo em organizações que prestam serviços de consultoria e que têm porte relativamente pequeno. Mas já há experimentos em empresas maiores.

## Incluindo a autogestão

A Knowledge 21 (K21), multinacional brasileira fundada em 2013 para oferecer treinamento e consultoria em agilidade ao mercado corporativo nacional, resolveu radicalizar a própria gestão colaborativa antes de ajudar seus clientes corporativos em seus projetos ágeis. “O ágil exige quebra de paradigma de design organizacional e cultural para reforçar tanto a autonomia como o trabalho coletivo”, justifica Luiz Phelipe Rodrigues, consultor da K21. “Se você tem as ferramentas ágeis, mas a cultura predominante é a individualista, o gerenciamento de projeto ágil não avança.”

A consultoria K21 conseguiu incorporar os conceitos de autonomia e colaboração na gestão quando seu time ainda era pequeno. Porém, à medida que o número de colaboradores foi crescendo, os problemas apareceram. Com 30 pessoas trabalhando juntas, ser criativo e inovador sem uma estrutura organizada ficou mais difícil, e era necessário buscar uma solução de autonomia e colaboração mais extrema. “Em 2018, decidimos ir em busca de quem estava na vanguarda do movimento de gestão colaborativa”, explica Rodrigues.

O primeiro conceito adotado foi o da autogestão como holacracia, que prega a autoridade distribuída por equipes auto-organizadas e não por uma hierarquia estruturada. Não funcionou como imaginavam. “Para nós, a holacracia se mostrou um método frio, baseado em coisas tangíveis, com foco na disciplina, deixando de lado o aspecto humano do trabalho; também não nos permitia adotar as ferramentas separadamente”, diz o consultor.

Lições aprendidas, a K21 partiu para a autogestão como sociocracia, que oferece um sistema de governança de baixo para cima, por meio de uma estrutura circular. Também não deu muito certo. Nesse caso, segundo Rodrigues, o problema estava no excesso de abertura e na imensa dependência do engajamento das pessoas com o propósito da companhia para que as coisas funcionassem.

Por fim, a K21 optou pela autogestão no modelo das organizações orgânicas (O2), que equilibra os princípios da holacracia e da sociocracia, entre outros. A empresa a considerou uma proposta de autogestão passível de adoção por todas as áreas. “Ainda é um exercício, mas acreditamos que se trata de um caminho sem volta”, diz Rodrigues.

A Pousada do Conde, localizada em Campos do Jordão, no interior paulista, recentemente começou a adotar alguns conceitos de autogestão da metodologia O2. Um modelo de gestão colaborativa já tinha sido adotado há quatro anos, quando uma das filhas do casal fundador decidiu aplicar no negócio da família um novo modelo de gestão com base nos conceitos da fluxonomia 4D, da futurista Lala Deheinzelin. “O projeto de mudança implicou olhar a pousada como um todo e dar voz e ouvido aos colaboradores, fornecedores e stakeholders”, conta Daniela Gonçalves, diretora comercial. “Semanalmente, nos reunimos por uma hora para que cada um dos colaboradores fale sobre suas ideias e os desafios de seus papéis na empresa. Juntos traçamos os projetos a serem colocados em prática.” Segundo ela, todos passaram a se sentir responsáveis pela pousada, por entregar a satisfação do hóspede e pelo entorno. “Diminuímos a produção de lixo e passamos a intensificar o consumo de produtores da região”, diz Gonçalves.

Não é fácil incorporar metodologias mais radicais no tailoring do gerenciamento de projetos. O caminho de erros e acertos trilhado pela consultoria K21 na busca da autogestão revela o tamanho do desafio em fazer isso. Até os quatro anos que a Pousada do Conde levou para dar o próximo passo são uma pista. Na visão de Ravi Resck, pesquisador de metodologias colaborativas, há dificuldades, mas não estão no planejamento do projeto de mudança, e sim em sua execução.

“O grande dilema é fazer a transição de uma organização centralizada para uma mais colaborativa”, alerta ele, pensando em organização como empresa, área, time etc. “É difícil aceitar que não há metas a serem batidas, que a liderança será exercida de maneira indireta, que todos devem ter a visão do todo e que, para tanto, a comunicação tem de ser clara e ampla”, diz Resck, que também é designer organizacional.“É difícil fazer as pessoas entenderem que cada um passa a ser responsável por 100% do trabalho.”

Tanya Stergiou, sócia da consultoria Target Teal, faz mais um alerta: não basta seguir a onda da autogestão como um modismo; é preciso criar realmente um ambiente de transparência e distribuir a autoridade a fim de que a autogestão aconteça, ou os projetos não serão entregues dentro das expectativas. “É necessário mudar o comportamento e a linguagem”, diz.

## Incluindo tecnologias sociais

Tecnologia social é toda técnica ou metodologia transformadora que representa soluções para a inclusão social e melhora das condições de vida de uma população. Uma das mais famosas tecnologias sociais, ao lado da comunicação não violenta, o dragon dreaming é o conjunto de ferramentas que apostam na sabedoria coletiva para construir projetos. Foi criada pelo australiano John Croft. “Na origem, o dragon dreaming não foi concebido para o universo dos negócios, mas, com o tempo, algumas de suas práticas passaram a ajudar as corporações a se transformarem”, diz Tanya Stergiou, que também é especialista em dragon dreaming e designer organizacional.

O dragon dreaming tem quatro fases, assim como o tradicional PDCA. Saem os verbos “planejar, fazer, checar e agir” e entram “sonhar, planejar, realizar e celebrar”. Não é comum aplicar o dragon dreaming sozinho em contextos empresariais, porque o processo pode ficar muito lento. Stergiou conta que costuma aplicar a metodologia com empresas em projetos pontuais, para tratar de problemas específicos – principalmente, a etapa do sonho –, e combinada com outras propostas.

O dragon dreaming vai bem não apenas onde é preciso promover maior colaboração e um senso de comunidade, mas também quando o crescimento pessoal dos participantes é importante. Com a maior relevância dos stakeholders apontada pelo PMBOK nº 7, o dragon dreaming ganha muitos pontos, porque uma de suas fortalezas é trabalhar as relações com os diversos stakeholders para que sejam ganha-ganha.

O CollabDesign, coletivo que trabalha com tecnologias sociais em projetos socioambientais, combina a autogestão com dragon dreaming e alguns princípios de O2. Tem uma rede que atua em variados projetos, como agricultura orgânica à construção de navios.

“A principal lição que o CollabDesign nos deixa é que não se deve focar em uma única metodologia”, diz Resck, que é fundador do coletivo. “Não estamos aqui para seguir métodos, mas para servir pessoas. A caixa com diversas ferramentas está à disposição e, sempre que necessário, misturamos metodologias para atender às necessidades daquele ambiente.” Assim, mesmo nas empresas conhecidas por seus tradicionais PMOs (escritórios de gerenciamento de projeto, na sigla em inglês), já se veem algumas áreas combinarem metodologias.

Aos poucos, os gestores de projetos das companhias migram da monotonia para a diversidade metodológica. E, aos poucos, incluem a autogestão ou uma tecnologia social no leque de possibilidades, especialmente em projetos que focam também os stakeholders envolvidos – como os que querem promover a colaboração mais rapidamente e as iniciativas de impacto e de governança ambiental, social e corporativa (ESG).

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