É possível que você nunca tenha ouvido falar da Duas Rodas, mas é quase certo que já experimentou um de seus produtos. Com sede em Jaraguá do Sul, no nordeste de Santa Catarina, trata-se de uma das mais competitivas fabricantes de matérias-primas alimentícias da América Latina. De suas linhas fabris saem cerca de 3 mil produtos com a função de determinar o sabor, o aroma, a cor e até a textura de diversos tipos de alimentos, de balas e refrigerantes a molhos e recheios. São aromatizantes, flavorizantes, aditivos, condimentos e outros insumos usados por mais de 10 mil indústrias em 25 países, o que gerou um faturamento bruto em 2015 estimado em R$ 656 milhões, 11% acima de 2014. No entanto, quem conhece o dia a dia da empresa, fundada por um casal de alemães em 1925, sabe claramente que os ingredientes mais importantes dessa receita de sucesso não têm gosto nem cheiro definidos; são gerenciais.
**INTERNACIONALIZAÇÃO**
O primeiro desses ingredientes é a internacionalização. Com quatro das oito fábricas e mais laboratórios posicionados na Argentina, no Chile, na Colômbia, no Peru e no México, cerca de 20% do faturamento da empresa vem do exterior, e os planos são que essa participação suba para 30%. “Nosso foco sempre foi muito além do mercado interno”, diz Leonardo Zipf, diretor-superintendente da empresa. Apenas dez anos depois de abrir as portas, em 1935, a Duas Rodas já exportava para o Uruguai e a Europa.
A diversificação de mercados não só abre oportunidades de negócios, como também ajuda a reduzir o risco de caixa: quando um mercado vai mal, o outro compensa. Foi na década de 1990 que a companhia acentuou a estratégia de internacionalização. “Começamos a sentir o reflexo de políticas que nem sempre favoreciam a indústria [brasileira] e partimos para isso”, lembra Zipf.
A diversificação de mercados gerou vantagens competitivas para a Duas Rodas, mas impôs alguns desafios, entre eles entender como as diferenças culturais afetavam as rotinas produtivas e comerciais de cada unidade. “Todas as empresas que se internacionalizaram tiveram alguma dificuldade no início, e conosco não foi diferente”, comenta Zipf. As primeiras aquisições, de menor porte, serviram como ensaio para a empresa crescer de modo mais robusto lá fora.
“Aprendemos a ter um retorno sobre o capital investido de forma muito mais rápida. A experimentação inicial foi um passo importante para isso; foi um exercício para que pudéssemos aperfeiçoar o processo.”
> **Por que “DUAS RODAS”?**
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> Se lhe pedissem para adivinhar o que faz uma empresa chamada Duas Rodas, qual seria seu palpite? Uma loja de motos? Uma fábrica de bicicletas? Ou, quem sabe, uma distribuidora de autopeças? A origem do nome, inusitado para uma fabricante de matérias-primas alimentícias, remonta à história dos fundadores, o casal de imigrantes alemães Rudolph e Hildegard Hufenüssler.
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> Formado pela Escola Superior de Química de Stuttgart, Rudolph chegou ao Brasil poucos anos depois da Primeira Guerra Mundial com o objetivo de fabricar extratos e essências naturais de frutas. Foi por isso que ele criou a Indústria Reunidas Jaraguá. Desde o início, a empresa adotou como logotipo o brasão da cidade de origem dos fundadores, Mainz, com dois lemes unidos que remetem a uma tradicional rota de navegação europeia. Em Jaraguá do Sul, porém, os moradores viram no símbolo algo bem mais simplório: duas rodas. A referência se tornou tão popular que, em 1992, a empresa decidiu adotá-la como nome oficial.
> Expansão na AMÉRICA LATINA
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> A matriz, em Jaraguá do Sul, tem dois centros de pesquisa. Há, ainda, um centro de desenvolvimento e aplicação de produtos em Campinas (SP) e outros cinco distribuídos por Chile, Argentina, Peru, Colômbia e México
**PESQUISA E INOVAÇÃO**
Outro ingrediente essencial na trajetória da Duas Rodas é a inovação. Como as preferências alimentares mudam de uma região para outra, a Duas Rodas precisou desenvolver cedo uma alta capacidade de adaptação.
Por exemplo, no Sul do Brasil, o sabor do abacaxi é diferente daquele apreciado no Nordeste. Já os chilenos preferem pêssegos mais ácidos do que os brasileiros. “Tivemos de aprender a produzir o sabor pomelo na Argentina, já que não somos consumidores da fruta no Brasil. Na época, foi bastante difícil”, conta Zipf. “O sabor é algo muito mais intangível. Às vezes é preciso reformular tudo.”
No entanto, o aprendizado da Duas Rodas tornou o processo mais simples. Hoje, a estrutura de desenvolvimento de produtos está distribuída pela América Latina. “É muito importante que o pessoal de P&D conheça bem as peculiaridades de cada país. Assim, a empresa pode definir com mais segurança o portfólio que será vendido em cada região”, afirma Zipf.
Ao todo, a Duas Rodas investe entre 6% e 7% de seu faturamento anual no desenvolvimento ou aperfeiçoamento de produtos. Um dos frutos desse aporte é o Innovation Center, criado há dois anos com o objetivo de inserir a empresa em duas frentes de inovação: a disruptiva, de produtos inéditos no mercado, e a incremental, constituída de remodelações de produtos já existentes. “Também abrimos espaço para inovações adjacentes fazendo parcerias com universidades para o desenvolvimento de produtos; e os colaboradores e clientes têm acesso a ferramentas para participar desse processo”, diz Zipf.
**ESTRATÉGIA DE LONGO PRAZO**
Gerenciar o presente e o futuro pode ser descrito como o terceiro ingrediente da Duas Rodas. Assim, o aumento pretendido no grau de internacionalização no futuro conta com investimentos no presente. Por exemplo, a empresa deve investir US$ 7 milhões na construção de uma nova fábrica no Chile e também prevê expandir as unidades fabris da Argentina, da Colômbia e do México, além de projetar uma nova aquisição no mercado latino-americano, cujos detalhes são mantidos em segredo. “Temos reais perspectivas de estender nossa liderança do Brasil para a América Latina no curto prazo”, garante Zipf.
De fato, o planejamento feito no passado está dando resultados agora. A Duas Rodas apostou na retomada do crescimento da economia argentina e em agosto de 2015 inaugurou novas instalações na Grande Buenos Aires; em agosto mesmo, o faturamento da empresa lá cresceu 116% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Para Zipf, é um indício de que a estratégia foi acertada.
> COMO SE CRESCE 12% ANO ANO
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> Na última década, a Duas Rodas apresentou um crescimento médio de 12% ao ano, oito pontos percentuais acima da média de seu setor. Como conseguiu esse feito? Planejando-se para crescer. Parece simples, mas não é.
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> No Brasil, o modelo do planejamento estratégico ainda costuma ser governado pela lógica da melhoria de produtividade, da redução de custos e da otimização dos ativos, não pela do crescimento. E é mais desafiadora essa opção de fato: há novos entrantes, ágeis e agressivos, vindos de outras economias emergentes e que jogam por regras diferentes.
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> Não à toa, três em quatro iniciativas de crescimento não atingem os objetivos propostos. Para uma estratégia de crescimento, costumo recomendar quatro vetores: incremento de vendas em novos mercados, criação de novos produtos e serviços, crescimento inorgânico e ocupação de espaços vazios com novo modelo de negócio fundamentado em habilidades superiores.
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> A empresa de Leonardo Zipf vem, especialmente desde 2010, combinando movimentos de crescimento em três desses quatro vetores: busca de novos mercados (internacionalização e novos segmentos), entradas em novos produtos (chocolate, confeitaria, ração animal – com uma dose forte de inovação) e pequenas aquisições. Hoje, quando vejo a estratégia que vem sendo conduzida com disciplina pela Duas Rodas, sei que ainda teremos muitas notícias boas sobre a empresa.
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> **por Luis Augusto Lobão Mendes**, diretor da HSM Educação Executiva e especialista em estratégia
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**DIVERSIFICAÇÃO**
Como último ingrediente, a Duas Rodas vem apostando na diversificação de segmentos de produtos. Em agosto de 2015, estreou no mercado de nutrição animal lançando a marca Statera, de ingredientes para rações. Antes, em abril, anunciou a aquisição da Mix Produtos Alimentícios, de São Bernardo do Campo (SP), focada em confeitaria e chocolataria. “A Mix mantém existência e direção próprias, com canal de distribuição distinto do da Duas Rodas, mas reforça nossa presença nos mercados”, esclarece Zipf. Pelo que se vê, o sabor amargo da crise não parece fazer parte do portfólio da Duas Rodas.