Não é de hoje que há atritos entre gerações nas empresas. Mas, para quem trabalha com recrutamento e seleção (R&S), a geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) se mostra um desafio extra.
De um lado, recrutadores e líderes acham difícil administrar esse jovem devido ao alto nível de exigências que fazem e também à alta rotatividade deles no trabalho. Estudo de 2021, feito pela empresa de análise americana Veris Insights, indicou que quase 33% dos profissionais de recrutamento relataram enfrentar estresse extremo, semanalmente, por conta dos jovens.
Para entender as causas, a *Bloomberg* americana entrevistou recrutadores de diferentes setores que descreveram pedidos que parecem um universo paralelo do processo seletivo. Motivo: exigências totalmente fora do padrão, como candidatos entre 20 e 30 anos pedindo remunerações e benefícios (muito) incompatíveis com sua experiência. A disposição dos jovens profissionais de mudarem de ideia e desistirem da vaga ou tentar renegociar condições, aumentando o turnover, é outra tensão.
Mas o que dizem os jovens candidatos? Em busca de respostas, __HSM Management__ conversou com Carolina Utimura, que além de especialista no tema é role model da geração Z. Aos 27 anos, a CEO da Eureca, empresa especializada em recrutamento e seleção de jovens para programas de estágio e trainees, galgou vários degraus na carreira e é referência em várias listas de jovens lideranças {veja quadro abaixo}.
Geração Z na máxima potência
Carreira de Carolina Utimura mostra o potencial da geração Z
Formada em Relações Públicas pela Unesp, Carolina Utimura demonstra, na prática, várias das qualidades e dos comportamentos que ela elencou ao longo de sua entrevista: protagonismo, pensamento crítico e a escolha de carreira orientada por valores. Hoje, aos 27 anos, é CEO da Eureca, foi destaque na lista Forbes Under 30 de 2021 e foi escolhida a “jovem liderança de destaque” do prêmio Executivo de Valor de 2022, promovido pelo jornal Valor Econômico. Uma série de conquistas para quem começou sua carreira há menos de dez anos, no movimento de empresas juniores.
Aos 20 anos, na Brasil Júnior, Utimura liderou sua primeira equipe e diversos projetos. Progrediu na estrutura ao longo de quatro anos, até assumir a presidência, em meados de 2017. Ingressou na Eureca em 2018 como executiva de contas. Seis meses depois, assumiu o comando comercial e, na metade de 2020, o papel de CEO. Em paralelo, mantém suas causas e lidera uma agenda forte de ativismo com foco na juventude. Cofundou o Pacto pela Juventude pelos ODS’s (objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU), pelo qual lançou o Atlas da Juventude, e representou o Brasil no Youth 20.
Começamos a entrevista justamente pela reclamação de estresse dos recrutadores. Utimura fez um contraponto ao questionar o perfil dos candidatos que participam dos processos. “Para dar dor de cabeça, quem esses recrutadores com burnout estão selecionando enquanto temos a maior porcentagem de jovens desempregados desde 2012?” Esse senso crítico deve ser ainda maior no Brasil, onde há um “nível de desigualdade socioeconômica tão grande que não tem como colocar todo mundo na mesma ‘raspa do tacho’”.
Para ela, a juventude está entre as populações mais afetadas negativamente pela pandemia. Houve grande perda de renda, evasões escolar e universitária, pois muitos jovens deixaram de estudar para buscar um trabalho informal e complementar a renda da família. Sem contar aspectos de saúde mental. “Eles {os recrutadores} falam assim: ‘Mas hoje a geração Z só quer trabalhar com propósito, só quer qualidade de vida e tudo mais’. Mas, quem é essa pessoa? Qual é o CEP dela? Eu acho que isso veio como uma grande provocação para que as empresas repensem o que é talento”, afirma, categórica.
## E como reter esse talento?
Outro desafio apontado pelos recrutadores é como manter os jovens na empresa. Na visão de Utimura, isso passa por mudar o mindset de empresas e lideranças. Organizações mais tradicionais ainda procuram um candidato que sempre estudou em escolas e faculdades de elite, tem nível avançado a fluente em diferentes idiomas e se encaixa em padrões intelectuais e até físicos da diretoria da empresa. Mas, na prática, buscar esse alto padrão de qualificação faz diferença real no desempenho?
Para responder, ela cita dados divulgados pela *Harvard Business Review* que indicaram que a “grande diferença” de performance entre pessoas que estudaram em faculdades de elite e as que não estudaram é de apenas 1,9%. O que reforça a questão de mudança do mindset. “É um baita chamado para as empresas repensarem o que realmente é talento. Muitas vezes a gente está fechando as portas para talentos excelentes, abrindo mão de outras competências que são muito difíceis de desenvolver internamente: resiliência, persistência, vontade de trabalhar e aprender”, questiona Utimura.
Ao revisar o significado de talento e os critérios para recrutamento, seleção e até engajamento da “Gen Z”, vale levar em conta as diferenças de comportamento dessa geração para as que estão há mais tempo no mercado de trabalho. Pesquisa da McKinsey com a consultoria brasileira Box1824, feito em 2018, apontou algumas dessas características comportamentais {veja os detalhes abaixo}. A tônica principal é a busca pela verdade, seja de si mesmos, seja na relação com a sociedade.
Uma geração em busca da verdade
São quatro os aspectos que expressam essa necessidade da geração Z
Se, como recomenda Carolina Utimura, é preciso repensar o mindset de recrutamento e seleção para a geração Z, vale antes entender como pensam e se comportam esses candidatos. O estudo* Generation Z and its Implication for Companies*, realizado com jovens brasileiros em 2018 pela McKinsey e pela consultoria brasileira Box1824, constatou que essa é uma geração ancorada na busca pela verdade. O que, no campo comportamental, gera comportamentos que podem ser agrupados em quatro aspectos diferentes.
A primeira é a identidade indefinida. Pode ser traduzida como um “nomadismo de identidade”, devido à busca de expressar diferentes formas de viver e de moldar sua individualidade ao longo do tempo. Reflete-se na identidade de gênero, mas não só. O segundo aspecto é o que foi chamado de “communaholic”, que reforça a importância para esse grupo de fluir e valorizar comunidades e atuar em causas, potencializada pelo alto nível de conexão e de mobilização proporcionado pela tecnologia.
O terceiro comportamento é a valorização do diálogo, de compreender diferentes verdades além da sua, o que leva à necessidade de mais tolerância e de aprender a ouvir e aceitar (e ter aceitas) as diferenças de opinião. Essa crença no diálogo leva à rejeição de estereótipos e a um grau considerável de pragmatismo. O que nos leva ao último aspecto, o realismo: a geração Z é prática, analítica e objetiva com suas decisões do que as gerações anteriores.
Conclusões em sintonia com o *Randstad Workmonitor 2022*, que ouviu 35 mil trabalhadores em 34 países para avaliar os impactos dos anos pandêmicos na força de trabalho. Segundo o estudo, passou a vigorar em todas as faixas de idade um senso de autodeterminação, de elevado senso de propósito, especialmente entre os profissionais abaixo dos 35 anos. Para os candidatos, é uma prioridade encontrar a felicidade no trabalho e seus valores refletidos em missão e visão da empresa e nas lideranças. Também esperam flexibilidade e acesso a recursos de desenvolvimento.
Quando as empresas não percebem essa relação, sentem o impacto direto na seleção e na retenção dos talentos. Muitos dos funcionários mais jovens ouvidos pela Randstad deixam de aceitar um emprego que não atenda às suas expectativas e estão dispostos a se afastar de um emprego se ele interferir na forma que querem levar suas vidas. Sinal de alerta: 47% dos jovens da América Latina assumem esse comportamento, versus 29% na América do Norte.
Frente a tudo isso, a permanência do jovem na empresa passa, para Utimura, por uma grande virada de chave em R&S. “Ao invés de a gente eliminar pelo que {a pessoa} não tem, vamos selecionar pelo que {ela} tem”, sugere, referindo-se à lista de requisitos a serem avaliados. “Isso vai exigir que a pessoa {o recrutador} realmente deixe de lado a preguiça, gaste um pouco mais de tempo, mas conheça profundamente o talento. Até porque é muito caro recrutar errado. Vale a pena se aprofundar.”
Utimura, inclusive, não acredita em retenção que, para ela, é a consequência de outros elementos da oferta de trabalho além do job description. “Se a empresa traz uma boa remuneração, se o propósito é legal, se as lideranças são boas, se essa pessoa {o jovem talento} pode crescer, ela vai ficar. Se ela achar que não é aquele lugar, deixa ela ir.”
Para ela, a liderança é um fator importante para o jovem profissional continuar na empresa. A postura ao orientar o jovem é o principal meio de se liderar um talento da geração Z – e, conseguir mantê-lo na organização. A liderança deve ser capaz de reforçar positivamente o que é esperado da pessoa, seus bons comportamentos e boas entregas, e ser transparente nos feedbacks com foco em desenvolvimento.
Por fim, ela toca em um ponto crucial, o da experiência. É importante lembrar que um estagiário, trainee ou jovem aprendiz possivelmente nunca teve contato com uma cultura organizacional antes. Ele está ali para aprender e o líder está ali para ensinar e guiá-lo no seu desenvolvimento profissional. “É o seu exemplo e o que você traz, o que você reforça e o que deixa de reforçar que vão impactar muito essa pessoa.”
Ainda sobre a alta rotatividade, Utimura questiona os jovens sobre se faz sentido mudar constantemente de trabalho em um cenário econômico como o do Brasil. “Se você está aprendendo, sente que tem qualidade de vida, que é ouvido, que é respeitado: fica. Vai querer trocar por quê? Qual é o motivo? Eu acho que tem um momento de se perceber que é muito menos {perseguir} essa receita de sucesso do LinkedIn e muito mais o que faz sentido para a gente.”
## Paciência, a habilidade essencial
Para lidar com um jovem imediatista e multitarefas, Carolina Utimura recomenda uma boa dose de paciência para os líderes. “É natural {o jovem} ficar ansioso; queremos evoluir, queremos ver as coisas acontecerem, mas nem sempre o tempo da empresa vai ser o nosso tempo. Então, tenha paciência.”
Para os jovens, ela recomenda duas habilidades: escuta e protagonismo. O jovem deve ter abertura para ouvir a liderança e entender como melhorar na sua função. E lembra que encontrar e trabalhar de acordo com o seu propósito não significa trabalhar menos. Pelo contrário. “A gente também tem que desmistificar e abrir a cabeça para ver que as coisas não são tão lindas assim.”
O protagonismo surge ao se assumir as rédeas da carreira, o que significa uma boa dose de pensamento crítico. “Traz menos sofrimento olhar as coisas com realismo e adotar um certo protagonismo”, diz. “A faculdade não vai dar tudo que você precisa, seus pais não vão dar todas as orientações que você precisa, a sua liderança não vai dizer exatamente tudo que você precisa aprender. E o RH não vai criar o programa perfeito de desenvolvimento. Eles podem até tentar ao máximo trazer as informações e as ferramentas, mas grande parte é sua responsabilidade”, conclui.
Artigo publicado na HSM Management nº 154
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