Saúde Mental

É saudável estar bem adaptado a um modo de trabalho doente?

Não pode ser um sinal de saúde mental estar habituado a um ambiente adoecido. O RH tem uma missão de olhar atentamente para os colaboradores e as condições de trabalho
Pedro Martins é psicólogo pela Universidade Federal de Uberlândia, mestre e doutor em psicologia pela Universidade de São Paulo. Jacqueline Resch é psicóloga pela PUC Rio, especialista em psicologia clínica pelo IPUB/UFRJ, MBA COPPEAD. Fundadora da RESCH Recursos Humanos, consultora organizacional, coach, designer de conversas e facilitadora de diálogos.

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O título deste texto é uma adaptação da célebre frase do filósofo indiano Jiddu Krishnamurti. O original diz: “não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente”.

O que isso significa para o contexto das organizações e quais as implicações deste entendimento para o trabalho do RH? Queremos propor essa reflexão, começando por uma história que vivemos há pouco tempo.

Recentemente, uma edição do COMversas com RH, espaço de troca entre profissionais da área, trouxe a temática “RHs à beira de um ataque de nervos”. Ele foi anunciado como um momento para pensarmos juntos formas de cuidar da saúde mental dos RHs, aqueles que cuidam da saúde mental das pessoas nas organizações, já que pesquisas recentes apontaram a área como a que mais sofria de burnout. A estrutura do nosso encontro tinha como base que os RHs pudessem pensar os desafios que têm vivido nos seus contextos de trabalho e refletir sobre seus recursos para lidar com esses desafios.

Depois do encontro, fomos surpreendidos com comentários de alguns participantes, que nos disseram, de suas próprias maneiras, que o encontro havia sido muito interessante, mas que não tínhamos abordado o tema da saúde mental. Isso nos gerou grande estranhamento, pois, de onde víamos, nos parecia muito claro que o encontro tinha sido inteiro sobre isso!

Assim, ficamos com uma pergunta para contemplar entre nós: o que seria falar de saúde mental?

Parece-nos que talvez a resposta mais óbvia (e que provavelmente tenha embasado o comentário das pessoas depois do encontro) seria que falar sobre saúde mental teria a ver com falar sobre questões psíquicas individuais. De um lado mais positivo, por assim dizer, seria endereçar coisas como bem-estar, felicidade e realização pessoal. Em termos de psicopatologia, conceitos como depressão, ansiedade e burnout possivelmente estariam na pauta.

Mas será essa a única concepção de saúde mental possível? Já há muitos anos, diferentes áreas do conhecimento – tais como saúde coletiva, pública e do trabalhador – cuidam do conceito de saúde não apenas de forma individual, mas como um produto da participação das pessoas em sociedade. Em termos de saúde mental, a produção do conhecimento segue na mesma linha, tratando-a como um fenômeno que extrapola o mundo intrapsíquico, localizado nos indivíduos isolados. Saúde mental é estudada e pesquisada também como um fenômeno social, produto das formas com que nos organizamos em comunidades e dos modos de vida possíveis dentro dos quais os indivíduos circulam.

Para nós, portanto, parecia inicialmente óbvio algo que, depois compreendemos, não é tão ordinário assim: ao falar sobre os modos de vida proporcionados pelas organizações, ou seja, ao colocar as pessoas para pensarem como elas têm vivido seus contextos de trabalho, bem como sobre os efeitos desse trabalho em suas vidas, estávamos sim falando de saúde mental.

Mas, essa não parece ser a ideia mais difundida nas organizações.

Neste imbróglio, nos pegamos pensando como essa diferença de concepções sobre saúde mental talvez esteja no centro de muitos dilemas que as organizações têm vivido. Quando se fala de cuidar das pessoas, o mais típico neste contexto é vermos ações focadas em conceitos individuais: como você se cuida? Quais são os sinais e sintomas que devem te deixar em alerta? Como você pode fazer algo diferente por uma vida melhor? Você. Você. Você.

De uma concepção mais ampliada de saúde mental no trabalho, nossas alternativas de cuidado também se ampliam: será que nosso trabalho mais importante não estaria em olhar para as circunstâncias de trabalho das pessoas? Não deveríamos nós, profissionais de cuidado, levar em consideração como elas são cobradas e tratadas? Quão interessante seria poder discutir que tipos de condições materiais lhes são oferecidas para executar seus trabalhos? Que caminhos poderíamos abrir ao rever os tipos de relacionamentos criados em seus cotidianos?

Talvez esteja aí, em uma concepção individualista e limitada de saúde mental, um dos problemas que o RH precisa enfrentar hoje. Se as condições de vida importam em como as pessoas se sentem, é preciso também olhar para elas e transformá-las, se queremos de fato produzir ambientes saudáveis. Afinal, não pode ser sinal de saúde mental estar bem adaptado a um modo de trabalho adoecido.

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