Entidades internacionais apontam o setor agropecuário como um dos maiores responsáveis pela crise climática, não só pelo desmatamento florestal que provoca, como também pelas emissões de gases efeito estufa da pecuária.
Teresa Cristina Vendramini garante que, ao menos no Brasil, o setor não está de braços cruzados quanto a isso. Ela é a primeira mulher a presidir a centenária Sociedade Rural Brasileira (SRB), cargo que ocupa desde 2020, ano em que também assumiu a presidência da Federação das Associações Rurais do Mercosul. E uma de suas atividades é circular pelo Brasil para estar próxima dos produtores rurais. Lida diretamente com o tema também por participar dos conselhos consultivos da Amazônia (criado por Itaú, Bradesco e Santander em prol do desenvolvimento sustentável da região), do Fundo JBS pela Amazônia e da Embrapa Recursos Genéticos, entre outros.
Paulista de Adamantina, socióloga por formação, ela é pecuarista por herança familiar – “minha família é de produtores rurais há mais de 80 anos e chegou uma hora em que foi preciso eu assumir esse legado”, conta ela. Vendramini conversou com __HSM Management__ sobre o agronegócio, os jovens, a questão climática, a carne sintética, sementes geneticamente modificadas e o futuro do trabalho no setor rural.
## Os brasileiros estão descobrindo o problema da nossa dependência de fertilizantes importados com a Guerra da Ucrânia. Esse é o tipo do assunto com que a Sociedade Rural Brasileira lida? O que a SRB faz?
A Sociedade é um espaço propositivo, que busca soluções para assegurar a valorização, a eficiência e a competitividade do agronegócio brasileiro. Defendemos pautas relativas a direito de propriedade, regularização fundiária, livre iniciativa, Código Florestal e segurança jurídica.
Somos integrantes do Instituto Pensar Agro (IPA), que apoia a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), além de participar de várias comissões setoriais. No âmbito internacional, integramos a FARM [Federación de Asociaciones Rurales del Mercosur] e participamos de discussões na OMC [Organização Mundial do Comércio] e na ONU.
Ao longo de seus 102 anos de existência, a Sociedade participou das mais importantes pautas do agronegócio no cenário nacional.
## Uma preocupação tem sido os boicotes a nossos produtos em outros países. Como a SRB está abordando a questão?
Temos comitês setoriais de sustentabilidade, relações internacionais, jurídico e tributário, por meio dos quais mantemos um diálogo constante com embaixadas e lideranças.
## Muitos veem a SRB como conservadora e representante dos grandes produtores. Mas ao menos um avanço ela fez, que foi ter uma mulher no comando – você é a primeira em cem anos. O que marca sua gestão?
É um desafio continuar e honrar esse legado. Eu tenho, por exemplo, incentivado muito a aproximação entre os jovens, a entidade e o agro de modo geral. Dentro da SRB temos o departamento Rural Jovem, inclusive, e é muito bom ver a juventude frequentando as reuniões de uma entidade tradicional como a SRB. Os jovens estão levando a inovação, a gestão e um olhar empresarial para dentro da fazenda e, ao proporcionar a soma entre experiência e tecnologia, têm incentivado a sucessão familiar no setor – o que é um desafio para muitos produtores.
Além disso, apesar da pandemia, tenho rodado o Brasil conversando com produtores rurais, especialmente os pequenos. Escuto suas demandas e também aprendo muito com eles. Faço o papel de mediar esse diálogo e unir todos os elos, porque acredito em uma ação conjunta: governo, entidade e setor privado. Pessoalmente não acredito em ações isoladas, sem que todas as partes sejam envolvidas.
## A sra. disse que os jovens levam gestão para as fazendas dos pais. Como evolui a gestão do setor?
Temos um custo de produção muito alto; os insumos, a energia e a logística pesam muito no bolso do produtor rural. Por isso, a gestão é cada vez mais imprescindível para manter a competitividade e para se manter na atividade, e a consciência disso é cada vez maior.
## A dependência das exportações do Brasil em relação às comodities, embora não só agrícolas, quase dobra de 2001 até 2021. Nossos produtores não poderiam estar verticalizando agregando valor aos produtos?
Concordo com você que agregar valor às commodities é, sim, o caminho para tornar o agro mais forte e rentável. Mas devo dizer que o agronegócio só trouxe desenvolvimento para este País, abrindo novas perspectivas para ele no mundo.
## Como estamos em comparação aos empresários estrangeiros do agro?
Dentro da porteira, estamos bem nessa comparação. Vemos produtividade, ciência e empreendedorismo em nossos produtores rurais. Mas fora da porteira ainda temos um caminho longo para crescer em competitividade, que é o conhecido “custo Brasil”. Especificamente, temos pontos em que avançar na área tributária, em conectividade e em infraestrutura logística.
## Em nível global, a agricultura emprega cada vez menos pessoas, e a tendência é de por volta de 2030 abrigar só 5% da população no mundo. Isso preocupa o setor?
Na verdade, no Brasil, números do Caged mostram que o agronegócio abriu 150 mil vagas de trabalho em 2021. Agora, uma pesquisa realizada pela Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ – Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit GmbH), em parceria com o Senai e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), aponta oito novas carreiras ligadas ao agronegócio, que devem gerar 178,8 mil oportunidades de trabalho nos próximos anos. Não há como o setor que mais cresce no Brasil e representa quase 30% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deixar de gerar emprego e renda.
## Especificamente sobre pecuária, estamos vendo a ascensão do vegetarianismo e da carne sintética. Alguns pesquisadores creem que ela poderá ser mais rentável que a carne natural um dia. Temos plano B?
Em nossa visão, há espaço para todos os cenários, o da carne sintética e o da carne natural. Dados da Food and Agriculture Organization (FAO) mostram que até 2050 a produção de alimentos precisará aumentar 61% para atender ao número crescente da população mundial. Como o Brasil é estratégico para a segurança alimentar do planeta, não creio que nos faltará mercado.
## Pecuária e agricultura são envolvidas em muitas polêmicas e polarizacões, sobre provocarem aquecimento global, sobre sementes geneticamente modificadas reduzirem biodiversidade e concentrarem renda etc. Qual é sua visão desses temas?
Existe muita desinformação sobre esse tema. Temos a mais rigorosa legislação ambiental do mundo, que é o Código Florestal. Nenhum outro país possui uma legislação como essa. Cada produtor rural brasileiro preserva 20% da vegetação nativa da propriedade. Além disso, a pecuária brasileira cresce em produtividade, em eficiência e na adoção de práticas cada vez mais sustentáveis: no Brasil a produção de carne avança 3% ao ano, enquanto o rebanho aumenta somente 0,87%. A mudança na dieta dos animais, o uso de tecnologias, o manejo adequado de pastagens e o melhoramento genético são nossos aliados na redução de gases causadores do efeito estufa. Outro exemplo de prática sustentável é a adoção de sistemas como a Integração Lavoura, Pecuária, Floresta (ILPF).
Quanto às sementes geneticamente modificadas, acredito que a tecnologia e a ciência são os caminhos para um agronegócio mais sustentável e competitivo. Tem sido assim ao longo da história. O Brasil é o maior produtor mundial de grãos usando apenas 7,8% do território brasileiro graças à pesquisa e à ciência, que possibilitaram produzir mais usando a mesma área.
O fato é que existe espaço para todos os produtores rurais, dos pequenos aos grandes. Só é preciso um ambiente de negócio amistoso, que mantenha o produto brasileiro competitivo tanto no mercado interno como externo.