Dossiê HSM

Empresas tech inovam de modos diferentes

A área de pesquisa e desenvolvimento tradicional é um silo. Isola-se de prioridades corporativas e novidades do mercado, e não tem a mesma velocidade dos negócios. Isso está mudando, sobretudo nas organizações que se posicionam como tecnológicas
Sandra Regina da Silva e Ariadne Gatolini são colaboradoras da HSM Management.

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O futuro previsto por alguns não aconteceu – ao menos, ainda não –, o futuro em que o departamento de inovação será desativado porque a empresa inteira, em cada uma de suas células, tem a prática de inovar. Mas o velho departamento de pesquisa e desenvolvimento, o P&D, já não é o mesmo nas empresas de alma tecnológica. Há áreas de venture (building, capital etc.), há equipes de projeto sob o signo da agilidade, há o princípio da inovação aberta com clientes e parceiros. Continua a haver estruturas dedicadas a inovar, mas elas deixam de ser modelos de tamanho único.

__HSM Management__ traz o P&D de duas empresas bem distintas, a Veloe, conhecida por suas tags de mobilidade, e a NTT Data Brasil, que atua como consultoria estratégica e de soluções digitais.

## Case VELOE: Garagem para “destruir”; Operações responde ao free flow

por Sandra Regina da Silva

Em 1975, o engenheiro Steven Sasson, da Kodak, produziu a primeira câmera fotográfica digital. Mas a empresa fez pouco caso, porque a novidade não conversava com o negócio principal, e o resultado todos conhecemos. Foi isso que fez a Veloe ser ambidestra em inovação, com duas estruturas diferentes para essa finalidade. De um lado, um time tem como meta principal destruir seu próprio negócio (e não cair na armadilha em que a Kodak caiu). De outro, a área de operações dedicada a inovar.

A Veloe ainda costuma ser vista como uma empresa de tags, os tradicionais chips instalados em veículos para pagamento automático de pedágios e estacionamentos. Idealizada em 2018 por Alelo, Banco do Brasil e Bradesco, ela não é a pioneira nesse mercado, mas ele é seu core hoje e vem ganhando terreno rapidamente aí: já tem 100% das 76 concessionárias de rodovias, 498 estacionamentos automatizados e 861 estacionamentos informatizados. Porém, cada vez mais, a Veloe já se define de modo diferente: é um negócio de mobilidade, de acesso “e, indo além, de tirar as barreiras das pessoas no ir e vir e das empresas no transporte de mercadorias”, como diz André Turquetto, diretor-geral da empresa.

O olhar mais amplo apresentado por Turquetto não aconteceu por acaso. Com seu time de liderança, ele frequentemente vinha começando as reuniões propondo a imaginação de cenários futuros possíveis, independentemente de indústria. E, em 2021, lançou o Garagem Veloe, para acelerar o desenvolvimento de ideias fora da caixa para diferentes cenários, seguindo a linha do economista austríaco Joseph Schumpeter e sua teoria de destruição criativa.

“O Garagem nos dá a capacidade de matar o nosso negócio por dentro do negócio. Porque, muito provavelmente, se não o fizermos, alguém de fora vai fazer”, diz o CEO. “A ideia-chave é que todos os dias as pessoas deem ideias que podem mudar a história do mundo, sobretudo em mobilidade, mas não necessariamente. Isso gera um modelo mental que torna as pessoas criativas”.

E o que se espera que saia dali? Qualquer coisa. Podem ser processos inovadores, novas linguagens, novos algoritmos… Em mobilidade (as personas trabalhadas são relacionadas com isso, conforme o quadro abaixo) ou não. Testam-se desde hipóteses de tecnologias até modelos mentais, incluindo algumas que nada têm a ver com tags. Em outras palavras, enquanto a Veloe fala sobretudo em tags, o Garagem pode falar de uso de tag para fazer check-in em um lugar inusitado como um hotel, sim, mas fala também de conexão veicular, de veículo hiperconectado.

“O Garagem possui um time enxuto, de quatro pessoas rebeldes e provocadoras, sem compromisso com o core e sem aceitação do status quo”, explica o executivo. Por exemplo, a tecnologia chamada CV2X faz com que o carro fale a mesma língua, em tempo real e sem fio, com tudo o que está em volta. Ele se comunica com outros carros, com o mobiliário urbano e com pedestres, explica Turquetto. “Embute também autorização de pagamento, sim, mas é mais amplo. O carro hiperconectado matará, provavelmente, o conceito da própria tag”, prevê.

Turquetto conta que um time de destruição não é algo fácil de fazer e manter. Primeiro, porque o Garagem cria, realiza testes e experimentos e, ao apresentar para a empresa, pode receber sinal amarelo, no caso de esbarrar em questões jurídicas, comportamentais ou regulamentares. Segundo, porque é difícil desafiar o próprio modelo, quando o negócio está dando certo. “É como ir lá para quebrar a espinha dorsal; essa é a lógica do Garagem”, diz o CEO. É preciso haver um forte pacto com a liderança, com a governança e até com o conselho para que dê certo, avisa Turquetto.

As personas da inovação do garagem veloe
O fato de buscar “destruir” o negócio não significa eliminar práticas como a de inovar pensando nos clientes potenciais. Essa empresa tem cinco:

1. Indivíduos proprietários de veículo, incluindo de carros hiperconectados, os quais funcionam como uma carteira.

2. Colaboradores de empresas, no ir e vir do trabalho, que não têm um padrão de locomoção – empresas dão benefício de custeio de transporte para uso livre.

3. Empresas, cujo core não é mobilidade, mas querem oferecer para seus clientes um serviço do tipo.

4. Pessoas jurídicas, que atuam com transporte de mercadorias e serviços – para as quais há a unidade de negócios VeloeGo, com uma série de serviços, como gestão de frotas, otimização de rotas, gestão de abastecimento etc.

5. Transportadores autônomos, como caminhoneiros. (SRS)

O trabalho da equipe é realizado no conceito de horizontes de inovação, que vai do H0 ao H3, em que os números aumentam conforme a proposta se distancia do centro do negócio –, quanto mais “fora da caixa”, arriscado ou com potencial de gerar algo realmente novo, mais alto o número.

Como um exemplo de caso H0, Turquetto cita o simulador de realidade aumentada que indica para o usuário o melhor local e a posição para ele colar a tag no carro. Muitas vezes, isso era um desafio para o atendente do call center e podia até exigir a visita ao cliente para ajudá-lo. “O simulador teve impacto na experiência do cliente, no custo e na efetividade”, diz Turquetto.

Outra ideia de H0 já aprovada será conhecida em breve no mercado: a tag chegará já ativada para os clientes. Até então, eles devem desbloqueá-la, em um processo que leva alguns dias, porque cada estabelecimento tem sua tecnologia. Após vários testes, os riscos que a novidade apresenta foram considerados aceitáveis.

Um exemplo de conceito H2 ou até de H3 está relacionado ao DTE, a digitalização dos documentos de porte obrigatório para o transporte de mercadorias. “Com emissão e controle digital desses documentos, não precisamos mais do embarreiramento físico. Todo posto de checagem é eletrônico. É mais arrecadação para o governo federal e os estados, com custo e fricção muito menor”, afirma Turquetto.

É difícil dar número ao H dos carros hiperconectados. Mas o Garagem vem acompanhando os muitos testes sendo feitos, por montadoras e por empresas de mobilidade. Turquetto avisa que há vários desdobramentos nisso, mas não de imediato. E suas ideias mirabolantes são guardadas a sete chaves. (Turquetto menciona en passant o que talvez seja uma mirabolante solução para usuários de metrô, ônibus e trem no País.)

Os problemas potencialmente gerados pela inovação já são antecipados e pré-resolvidos pelo Garagem. Isso fica claro no exemplo da tag desbloqueada do H0, que pode aumentar os casos de contestação, em que o cliente alega que não reconhece determinada cobrança. Atualmente, reclamações desse tipo são o que mais toma tempo da central de atendimento. Por isso, o Garagem tem um protótipo de autoatendimento em teste desde julho de 2023. Ele funciona por meio de inteligência artificial generativa, que tem modelos preditivos que avaliam automaticamente se a contestação faz sentido ou não e já dá uma resposta para o cliente.

Importante: nem tudo dá certo. Nem precisa dar. Entre os protótipos que deram errado, está a ToneTag, uma tag em que a transmissão de dados se dá por meio do som, em uma frequência inaudível para humanos. A tecnologia se mostrava promissora por ser barata e escalável. A ideia era realizar pagamentos com esse som, emitido pelo celular do cliente. Só que, por causa da proteção acústica dos veículos, a ToneTag não funcionou quando os vidros estavam fechados, o que só foi descoberto nos testes.

O Garagem é jovem, mas seu modus operandi vem evoluindo permanentemente. Nasceu e continua dentro da área de tecnologia da informação (TI), mas já está agindo de maneira distinta. “No passado, o Garagem ia até um certo ponto de um teste ou análise e, então, passava a bola para a área de negócios ou a de produtos implantar. Aprendemos que esse não é o melhor caminho. Principalmente onde há disrupção, o Garagem é, não só o orquestrador, mas também o implementador.”

__O esforço do presente.__ Enquanto o Garagem vislumbra o que está fora da caixa, quem cuida de inovar perto do core atual do negócio Veloe? As inovações de hoje estão principalmente em função do modelo de cobrança de pedágio free flow, aprovado em uma alteração do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em 2021 e que começou a ser testado este ano na rodovia Rio-Santos. No free flow, não há barreira física para cobrança de pedágio nas estradas e sim pórticos com câmeras, sensores e antenas que fazem a leitura de tags e placas por tecnologias como a de identificação por radiofrequência (RFID, na sigla em inglês), e os proprietários pagam por quilômetro rodado. É um modelo já utilizado em vários países e – novidade – dispensa tags. E acaba com o receio de perder tempo em filas intermináveis nos pedágios.

Isso vai exigir inovações incrementais da Veloe – bem como de suas concorrentes – para a operacionalização e também para a fidelização dos clientes. Na Veloe, esses trabalhos são liderados, prioritariamente, pelo departamento de operações, que é responsável por toda a infraestrutura operacional do meio de pagamento, e pelo departamento jurídico. O time Garagem até contribui com o esforço, mas pouco – analisando as novidades do free flow.

Um dos desafios do novo modelo que pedem solução inovadora, por exemplo, é a potencial inadimplência entre os motoristas sem tag, que devem fazer autopagamento depois do evento. “Entre os que usam nossa tag, a inadimplência é muito pequena”, comenta o diretor-geral da Veloe. Isso abre espaço para novas parcerias com concessionárias de rodovias – e a parceria pode ser, ou basear-se, em uma inovação.

Outro potencial de inovação está na operacionalização. A proposta é que cada concessionária, em tese, tenha seu próprio processo de cobrança, seja por meio de um aplicativo ou de um site. Mas há vários senões aí em termos de experiência do cliente (CX). “O que acontece quando uma viagem envolve estradas sob o controle de cinco concessionárias e não apenas uma? O motorista teria de entrar em diferentes ambientes para realizar pagamentos, o que seria uma péssima experiência”, avalia Turquetto.

Nesse caso pode entrar como inovação uma solução que seja conveniente para os usuários e não só para concessionárias, como um modelo tecnológico de cobrança do veículo do tipo wallet. É aí que empresas como a Veloe podem ganhar vida nova no modelo de free flow por oferecerem boa experiência de cliente.

## Case NTT DATA: inovando continuamente para terceiros

por Ariadne Gatolini

Em plena transição tecnológica, fluir é o verbo-chave para a inovação, o que significa testar constantemente soluções que se sobrepõem uma a outra em tempo recorde, assim como significa antever o potencial da tecnologia que ainda engatinha e tem data de validade. Essa roda infinita de conhecimento e aplicabilidade tem um nó principal a desatar: a resposta para a inovação, qualquer que seja, está no aqui e agora. A razão? É no aqui e agora que as soluções são testadas, que os protótipos são lançados.

Essa é a visão da empresa de serviços de consultoria estratégica, tecnologias, aplicações, infraestruturas e BPOs NTT Data para inovação. Para eles, quem sair à frente no uso da tecnologia, com adoção rápida inclusive de aplicações que ainda estão sendo descobertas – como a inteligência artificial generativa (IAG) ou a web 3.0 –, terá mais chances de garantir experiência única e transformadora a seus clientes.

IA generativa ganha espaço dedicado
Hiperpersonalização move o mercado, em alta desde que o ChatGPT chegou

O hype da inteligência artificial generativa está impactando as próprias estruturas de empresas que vendem inovação. É o que está acontecendo na NTT Data Brasil, por exemplo, que, além de ter um laboratório de inovação, criou um hub específico para a IA generativa. Mais que o hype em si, o hub vem atender ao zeitgeist da hiperpersonalização de produtos e serviços, já que uma das maiores demandas que as empresas recebem hoje é para que hiperpersonalizem suas ofertas para os clientes. E os LLMs ampliam as possibilidades de hiperpersonalização à medida que ampliam a comunicação e a solução dos problemas de cada cliente. (LLM é a sigla em inglês para os modelos largos de linguagem, que são a base da IA generativa.)

Um projeto desenvolvido pelo hub recentemente foi a implantação de IA para call centers. “O atendente coloca a dúvida do cliente no sistema e em segundos tem a resposta. Isso traz rapidez e solidez ao processo, com o uso da IA disponível, que reconhece a linguagem humana e responde neste mesmo padrão.”, conta Evandro Armelin, head de data & analytics Americas na NTT Data Europe & Latam.

Outro projeto ultrapassou fronteiras. O chatbot personalizado da L’Oréal no Chile foi desenvolvido pelo hub da IA generativa da NTT Data Brasil, a partir da plataforma de IA conversacional da empresa, a Eva.bot. O cliente L’Oréal pode perguntar ao bot como deve se maquiar para ir a uma festa de Halloween e quais produtos usar, por exemplo.

O hub dedicado a IA generativa da NTT Data tem capacidade para resolver de oito a dez problemas ao mesmo tempo. Oito pessoas trabalham nele e o perfil é mais experiente, na faixa etária de 30 a 40 anos, com formação variando de engenharia de software a estatística e ciência da computação. (AG)

O tempo curto como característica determinante pode ser mais bem compreendido no laboratório de inovação da NTT Data Brasil. Ele está longe de ser uma área de pesquisa e desenvolvimento clássica, porque ali não se conjuga o verbo criar, e sim cocriar. A NTT Data cocria com clientes soluções novas.

Um exemplo de cocriação? Os óculos com uso de realidade aumentada que permitem mostrar apartamentos à venda, por meio de visitas virtuais apenas com a leitura de uma placa simples de vende-se, foram cocriados por NTT Data e Bradesco. Com eles, além da visita 3D, o comprador virtual pode simular o financiamento e encontrar opções de marketplace para mobiliar o imóvel – quem sabe escolher o modelo de tapete para a sala. Também pode contratar a apólice de seguro, o paisagista, o decorador etc.

O protótipo foi elaborado pela equipe do head de inovação da NTT Data, Roberto Celestino, consultor e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pesquisador da Fapesp para ecossistema de inovação. Formada por 15 pessoas (11 homens e 4 mulheres), a maioria jovens de 30 anos, a equipe contém a mistura típica de um squad ágil multidisciplinar: há engenheiros de software, modeladores 3D, arquitetos de blockchain e cloud, gamers etc.

Esse squad reúne algumas das características mais associadas aos nativos digitais, como o gosto por projetos desafiadores no curto prazo – em coerência com a característica do tempo curto. Os projetos têm duração de dez semanas a três meses, até comprovarem a hipótese sugerida pelo cliente.

O laboratório não nasceu baseado em cocriação, oito anos atrás. Seu objetivo inicial era desenvolvimento de tecnologia e ponto. A intenção era blindar uma área para a visão estratégica, sem a preocupação de atender o dia a dia. Com o amadurecimento, o time percebeu que era necessária a participação do cliente, em compartilhamento de ideias e projetos.

Para funcionar bem, o laboratório tem um modus operandi próprio:

__Pessoas garantidas desde cedo.__ Em um universo em mutação permanente, assim como é o da tecnologia emergente, não há um exército de colaboradores disponível no mercado. Então, a NTT Data recruta jovens logo no início da formação universitária, visando formar desde cedo um ambiente colaborativo que fomente novas ideias.

__Uma cultura jovem.__ O laboratório opera em formato híbrido, condizente com a expectativa dos jovens. A etapa de planejamento e cocriação é feita em encontros presenciais, enquanto o design e a execução dos projetos são realizados em home office, com rotinas auditadas por daily plannings.

Também se respeita o princípio de autenticidade nos relacionamentos, ainda relativamente raro nas empresas convencionais. “Eles dizem o que pensam e sentem, e não se inibem em ser verdadeiros nas avaliações, mesmo que isso não agrade muito o receptor da mensagem”, como conta o head do laboratório.

__Fronteiras flexíveis.__ “Embora tenhamos um time dedicado, não deixamos de usar os talentos de outras áreas da NTT Data, temos parceria com o Insper, Intelli e podemos contratar startups, se entendermos que há necessidade para atender aquela demanda”, afirma Celestino.

O relacionamento com fabricantes também faz parte da jornada de construção de tecnologias emergentes para clientes. “Testamos tecnologias que acabam de sair como o Vision Pro, da Apple, e estamos ampliando nosso relacionamento com a empresa”, diz Celestino.

__Desapego em relação a propriedade.__ O modelo de inovação da NTT Data, em cocriação, segue uma visão diferente de propriedade intelectual. O conhecimento gerado é da equipe, mas a solução, sempre personalizada, é do cliente.

O fato de as decisões de tecnologia não poderem mais ser lentas nem unilaterais de certa forma define a inovação na NTT Data. Na era da criação conjunta de novos modelos, precisamos cuidar do fluxo contínuo do conhecimento. Como diz Celestino, “isso é um cacoete, uma cultura e uma filosofia sem as quais fica muito difícil enveredar por novos caminhos”.

__Leia também: [O avanço silencioso da impressão 3D](https://www.revistahsm.com.br/post/o-avanco-silencioso-da-impressao-3d)__

Artigo publicado na HSM Management nº 158.

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