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Entenda o contexto global com novas lentes

Duas das economistas mais ouvidas do momento, Minouche Shafik e Dambisa Moyo, ostentam muito em comum: ambas são mulheres, têm origem não ocidental, fizeram doutorado em Oxford e veem disfunções importantes em como a economia global tem operado

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Quem quer liderar a si mesmo para se destacar profissionalmente precisa cada vez mais de conhecimento. Ninguém questiona essa afirmação, embora concordar não signifique necessariamente executar. O que poucos ainda entendem é a importância da inteligência contextual para que a aquisição de conhecimento de fato impacte positivamente o desempenho e a vida das pessoas.

“O pensamento contextual não garante a aquisição de conhecimento, mas a ausência de pensamento contextual pode anular, na prática, a maioria das aquisições do conhecimento”, já escreveu certa vez o especialista em educação Robert J. Marzano, autor de vários livros e papers. No aprendizado, o pensamento contextual diz respeito a entender afeto, atitude, foco e significado em torno de cada fato ou informação {confira o quadro abaixo}.

O pensamento contextual ajuda a entender
E também a aprender, como explica o educador Robert Marzano

Muitos dos fatores essenciais para o sucesso do aprendizado são, ao menos em parte, e talvez fortemente, controlados pelo contexto. Esse é uma soma do momento afetivo do aprendiz; suas atitudes em relação ao objeto do aprendizado (se ela presta atenção ao calor do dia, ao tom de voz de quem fala etc.); até que ponto tem um foco real naquilo; e o significado que gera a partir daquele conhecimento associando-o a outras ideias. Segundo o educador Robert Marzano, “o fraco pensamento contextual por parte de quem aprende – e, eventualmente, por quem ensina também – seria uma das principais razões para o colapso de muitas experiências de aprendizado”.

__HSM Management__ traz a você as principais ideias de duas das economistas mais ouvidas atualmente, ambas com olhares bem menos lineares do que o usual: Minouche Shafik, a primeira mulher reitora na história de mais de 250 anos da Columbia University, ex-diretora da London School of Economics and Political Science (LSE) e autora do livro *Cuidar Uns dos Outros: Um novo contrato social*, e a baronesa Nambisa Moyo, que hoje integra a Câmara dos Lordes do Parlamento inglês e é membro do board de empresas como a petroleira Chevron, além de autora do best-seller *O Vencedor Leva Tudo*. Elas não apenas podem fornecer foco e significado para nossos próximos aprendizados, como, ao conhecermos suas histórias pessoais, nos ensinam a incluir seu afeto e suas atitudes em nossas interpretações daqui por diante.

## Minouche Shafik e o contrato social
A tecnologia nos trouxe tantas mudanças desde o fim do século 20, assim como os abismos sociais e os conflitos que obrigam pessoas a tornar-se refugiadas, que a sociedade precisa repactuar seu contrato social. Essa é a tese básica defendida por Minouche Shafik, lembrando que contrato social é o nome dado por sociólogos e filósofos ao acordo que é estabelecido entre a sociedade e o Estado, no qual os indivíduos abrem mão de certas liberdades em prol de uma vida comum.

A experiência de vida de Shafik talvez a tenha feito enxergar isso mais facilmente do que a média dos economistas: é filha de egípcios que migraram para os Estados Unidos quando ela ainda era criança. A instituição que Shafik lidera também favorece isso. Ao contrário de muitas universidades ocidentais que afastam a economia da política, a LSE traz, até no nome, essa conexão indissociável. Seus economistas sempre tendem a enxergar as implicações sociais das decisões macroeconômicas.

O que um novo contrato social precisa abranger? Mudanças nas formas como fazemos as coisas mais básicas, como ensino, trabalho e cuidado, o que inclui as políticas de saúde e seguridade social de forma objetiva, e a compreensão do que seja cuidado de maneira intangível. O desafio é especialmente difícil para países extremamente excludentes, nos quais as elites políticas capturam as instituições e dominam o sistema político, acredita a economista. Países com instituições fracas têm mais dificuldade de repactuar seu contrato social – o que é o caso, segundo ela, de países com regimes políticos presidencialistas, cujos contratos sociais são mais frouxos do que os parlamentaristas – e aí o Brasil está incluído.

Uma notícia relativamente boa é que momentos de crise costumam ser propícios para a discussão de novas bases de convivência social, segundo a economista de origem egípcia. Foi exatamente durante a crise trazida pela Segunda Guerra que se pactuou o bem-estar social atual. E hoje não faltam crises: além da ambiental, vivemos as consequências da pandemia, a guerra na Ucrânia e a ascensão de movimentos sociais de minorias (como #BlackLivesMatter, #MeToo) que, associados a uma profunda transformação tecnológica, muda o mercado de trabalho.

Assim, até para dar esperança às novas gerações temos de redefinir como pensamos a educação, o trabalho e o cuidado e adotar políticas compensatórias onde isso é necessário. Uma das principais propostas práticas de Shafik é a adoção de sistemas de bem-estar que levem em conta a flexibilidade que o trabalho impõe hoje. De modo geral, explica, o setor formal costuma ser regulamentado demais, enquanto o informal não oferece qualquer proteção. “Chegar a um meio termo entre esses dois polos será fundamental novo contrato social”, costuma dizer ela.

Isso pode ser feito com programas de distribuição de renda para populações específicas e por tempo determinado, como o Bolsa Família. Mas Shafik questiona a ideia de programas de renda básica que pretendem garantir um mínimo para toda a população. Segundo ela, é uma premissa do atual contrato social – que deve ser mantida – a ideia de que adultos contribuem para o desenvolvimento geral e crianças e idosos recebem cuidados.

Outra sugestão dela é a de um novo sistema educacional. “O modelo tradicional nunca foi bom, mas se tornou ainda pior agora que acumular conteúdos não basta e é preciso saber resolver problemas.” Ensinar as pessoas a trabalhar juntas, a aprender a aprender, é a chave. “Devemos ensinar o lifelong learning, e com uma nova lógica de cuidado envolvida.” Ela traduz isso na criação de um fundo de financiamento da educação para toda a vida, que garanta não só a formação de nível técnico ou universitário após o ensino básico, mas também bolsas de estudos para qualquer outra formação, cursos livres e técnicos, e futuras recapacitações ao longo da vida.

De acordo com Shafik, não faltam pesquisas comprovando que investimentos em educação trazem altas taxas de retorno para a economia de um país. E, em países como o Brasil, onde a ascensão dos níveis mais baixos da pirâmide para a classe média pode levar nove gerações, esse tipo de política pública é ainda mais fundamental. O problema? Exige visão de longo prazo.

Shafik apoia em especial a criação de uma nova lógica do cuidado. A ideia, explica, é equalizar as chances de o jovem ir ou não para a universidade. No Reino Unido há algumas experiências em andamento, que preveem inclusive que o aluno devolva parte do investimento se chegar a determinado nível de renda. A revisão do que se entende como cuidado, seja no âmbito público ou no privado, perpassa todo o novo contrato. Em vez de continuar a caber à mulher a maior parte do trabalho não remunerado de cuidado de jovens e idosos (que já foi garantia de prosperidade econômica no passado, diga-se), deve-se entender o cuidado como responsabilidade de todos e principalmente do Estado (diferentemente de antes, a sobrecarga da mulher afeta a economia como um todo ao afastar do mercado de trabalho uma legião de pessoas capacitadas).

Em termos macropolíticos, as mudanças passam por um novo pensar sobre a tributação. Uma taxação sobre o carbono, como compensação ambiental, é urgente, assim como o é parar de subsidiar combustíveis fósseis. É uma bobagem sem qualquer justificativa.”

Comparar os contextos do pós-guerra e os de hoje pode nos dar uma ideia de quão fácil será implantar o novo contrato social? Para a pesquisadora, a grande guerra reforçou as semelhanças e uma sociedade mais igualitária, porque diferentes pessoas lutaram lado a lado, enquanto a pandemia escancarou as diferenças e reduziu a interação social, ainda que tenha trazido a consciência de que ninguém está a salvo. Tanto que as elites, sem verem benefício para si e talvez sem entenderem que a emergência climática afetará a todos, vão resistir a um novo contrato social. Imprensa e academia terão de ser ativistas.

## Dambisa Moyo, pela globalização
Independentemente da ideia de um novo contrato social, a economista Dambisa Moyo tem duas grandes preocupações com os tempos que estamos vivendo: a desglobalização e o baixo crescimento crônico. Nascida na Zâmbia, ela é uma beneficiária direta da globalização; recebeu bolsa de estudos para completar sua graduação em química nos Estados Unidos, onde fez MBA em finanças e mestrado na escola de administração pública de Harvard. Trabalhou no Goldman Sachs e no Banco Mundial, e integra conselhos de administração de grandes empresas, para os quais o crescimento econômico é um mantra. Em novembro de 2022, recebeu o título de baronesa do governo britânico.

Para Moyo, a globalização tem sido uma força deflacionária, reduzindo os custos trabalhistas e de produção, e o contrário deve acontecer conforme recue. Há evidências suficientes de que os cinco pilares da globalização estão sendo ameaçados pelo crescente protecionismo dos países, disse ela à Rotman Management: o comércio de bens e serviços; os fluxos de capital que impulsionam, financiam e alimentam investimentos diretos estrangeiros (IDE); a imigração; o compromisso de todos com regras e padrões globais; e a estatura das instituições multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

Apenas para nos determos ao comércio global de bens e serviços, por exemplo, Moyo comenta que a Organização Mundial do Comércio culpou parcialmente a desaceleração do crescimento (desde 2018) a novas tarifas e medidas de retaliação, observando que o crescimento do comércio global já vinha estabilizado na última década em cerca de 3% anuais. E ela complementa que os tratados comerciais globais estão caminhando para mais negociações bilaterais ou regionais e menos multilateralismo: o Reino Unido tem negociações independentes com os Estados Unidos e o Japão, e o Transpacífico; os BRICS estão conversando entre si; o Brasil negocia diretamente com a União Europeia. Aos investidores, Moyo recomenda retirar apostas de mercados emergentes – embora abra uma exceção para os BRICS.

Quanto ao baixo crescimento, em que pesem todas as vozes a favor do decrescimento por conta da crise climática, Moyo diz: “(Ainda) necessitamos de crescimento econômico, por três razões. Primeiro, sem ele, veremos um colapso na humanidade e no progresso, e uma perda de melhorias no padrão de vida. Segundo, há pesquisas consideráveis mostrando que, sem crescimento, não é possível sustentar uma classe média e, sem uma classe média, os direitos políticos são afetados negativamente e a democracia sofre.

O terceiro aspecto é que, sem crescimento econômico, nos encontramos em um mundo sem inovação, o que significa que os governos teriam de confiar muito mais na redistribuição de riqueza do que em gerar riqueza nova. Um mundo sem crescimento seria incrivelmente desafiador para os principais pilares da nossa sociedade: cuidados com saúde, educação e meio ambiente, o que é grave num mundo onde “já tantas pessoas vivem precariamente e são desafiadas em termos de oportunidades de progresso”.

Na visão de Moyo, os líderes mundiais, sejam políticos ou de negócios, deveriam centrar-se em três motores principais do crescimento econômico. O primeiro deles é investimento em infraestrutura. Como exemplo, ela cita versões antiquadas de estradas, portos, aeroportos e digitalização nos EUA apontadas pela Sociedade Americana de Engenheiros Civis – e atualizá-las poderia impulsionar o crescimento econômico. (Imagine no Brasil…) Atualizar inclui uma promissora transição energética e o combate à mudança climática.

A economista zambiana aponta como segundo motor de crescimento a produtividade, que ainda é cerca de 60% da razão pela qual um país cresce e outro não. Nos últimos dez anos, houve declínio da produtividade em muitas economias desenvolvidas, quando, numa era de tecnologia avançada, deveria ter acontecido o contrário.

Por fim, para Moyo, investir em capital humano, em termos de qualidade e de quantidade de força de trabalho, seria um impulsionador do crescimento. “Sem investimentos em educação, continuaremos a ver um obstáculo no crescimento”, comenta ela. No fim das contas, as visões de Dambisa Moyo e Minouche Shafik coincidem, não?

Artigo publicado na HSM Management nº 159.

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