O fascínio ao dominar novas ferramentas e processos produtivos sempre inspirou os seres humanos. Uma espécie de prazer intrínseco ao se resolver desafios com menos recursos faz algumas pessoas perderem longas noites de sono. Esses inovadores incansáveis, por sua vez, criam novas realidades que demandam adaptações dos demais. De repente, aquilo que estávamos acostumados a fazer simplesmente não é mais a maneira usual.
Na era exponencial, encontramos desafios interessantes como criar carros voadores autônomos, missões de mineração de asteroides e até turismo espacial. Sem dúvida atividades que criarão novas ferramentas que serão utilizadas em diversos setores, ampliando mais uma vez as possibilidades de evolução. No entanto, ainda necessitamos de muitas soluções em áreas emergenciais: a fome ainda não foi erradicada e o desperdício de alimentos é enorme; enquanto uns possuem conforto no lar, outros não possuem acesso à água potável e tratamento de esgoto; além da emergência de evolução das nossas soluções para o combate às pandemias que destroem vidas e tudo o que foi conquistado de valor para e pela sociedade.
Mas e quando não é possível encontrar pessoas digitalmente alfabetizadas (do inglês, digital literacy) para resolver os problemas da humanidade? Para explicar melhor este desafio, permitam-me contar uma pequena história sobre oferta e demanda.
“A disponibilidade de trigo varia de acordo com a oferta e a demanda do mercado. Se a safra foi ruim, o preço dele sobe. Você até encontra trigo, mas é de qualidade baixa, porque o de qualidade alta já foi vendido. Sua padaria precisa fazer pão amanhã, como você lida com isso? Você continua procurando trigo e fica melhor nisso. Seu time de compras fica maior e mais estratégico. Você encontra trigo com preços nunca antes vistos, você acaba não pagando. No dia seguinte, a mesma história, ou mais caro, aí você acaba pagando para poder fazer seu pão. De repente o time de compras começa a te chatear. Dinheiro não compra mais trigo, porque simplesmente não tem! Esse problema se torna tão grande que você decide fazer alguma coisa. Se aproxima dos produtores, eventualmente resolve plantar trigo no fundo da sua padaria. Só que você nunca plantou trigo, então não consegue resolver a qualidade que você quer nem a quantidade. Só que o trigo, em sua grande parte, é importado, então sua cotação é em dólar. O dólar sobe, o preço do trigo sobe ainda mais. Parece que sua padaria, antes rentável, agora enfrenta um grande risco que parece não ter solução.”
Se trocarmos a palavra trigo por pessoas, conheceremos melhor o contexto que estamos vivendo.
## Do caos para a ordem
A Grande Peste foi a pior catástrofe já vivida pela humanidade, dizimou 60% da população europeia e não havia ninguém para plantar ou colher, a sociedade entrou em colapso. Na falta de remanescentes para desempenhar as atividades diárias, alguns salários foram triplicados ou mais. Será que estamos vivendo a história novamente?
De acordo com o [ManpowerGroup](https://go.manpowergroup.com/hubfs/Talent%20Shortage%202021/MPG_2021_Outlook_Survey-Global.pdf), atingimos o recorde dos últimos 15 anos de déficit de talentos. Dos 19.046 entrevistados de 42 países, 69% reportaram dificuldades no preenchimento de vagas. Já o [relatório “The Global Talent Crunch”](https://www.kornferry.com/content/dam/kornferry/docs/pdfs/KF-Future-of-Work-Talent-Crunch-Report.pdf), realizado pelo Korn Ferry Institute antes da pandemia covid-19, afirma que em 2030 o Brasil terá um déficit de quase 800.000 talentos em tecnologia, mídia e telecomunicações, o que pode representar uma perda de valor de 28 bilhões de dólares para nossa economia.
Ao observarmos a procura por cursos de ciência da computação, algo inusitado acontece: mesmo com a grande quantidade de vagas abertas, os jovens de hoje não procuram a carreira. Infelizmente computação não está entre os 15 cursos mais concorridos na Fuvest 2019 e em muitas outras universidades, que viram seus cursos relacionados serem cancelados por falta de interesse. O índice de desistência também é alarmante, em torno de 72% para a Universidade Federal de Uberlândia em 2019. Quando fatores de diversidade são avaliados, o cenário continua caótico: somente 13% dos estudantes de ensino superior relacionados à tecnologia são mulheres (INEP/MEC).
O setor de software é campeão em rotatividade no mundo [de acordo com o LinkedIn](https://business.linkedin.com/talent-solutions/recruiting-tips/global-talent-trends-2020), mas no Brasil esta taxa é ainda maior: 35%, de acordo com a pesquisa feita em 2019 pela SinSalarial. Algumas consultorias de tecnologia já relataram taxas alarmantes de 56% na cidade de São Paulo!
Enquanto alguns já se adaptaram a contratos de trabalho mais flexíveis (do inglês, gig economy), a maioria das pessoas se desdobra para acompanhar estas mudanças e se veem excluídas, incapazes de liderar suas carreiras para uma maior relevância. Dror Gurevich, CEO da Velocity Career Labs, afirma: “O mercado de trabalho moderno é fragmentado, ultra especializado, repleto de todos os tipos de arranjos de trabalho alternativos ou empregos-gig”.
Frente a desafios desta magnitude, precisamos olhar para as oportunidades. Não se trata da busca pela redução dos salários, mas especificamente de guiar carreiras para a execução de atividades que produzam maior valor, que permitam maior liberdade e independência dos trabalhadores. As carreiras tecnológicas precisam ser melhor divulgadas, há um desconhecimento das oportunidades por grande parte da população e não há muitos casos de sucesso próximos em que pessoas possam se inspirar.
Empresas necessitam aplicar técnicas mais modernas para “dar match” entre carreiras, pessoas e tecnologias. O debate da sustentabilidade de ecossistemas locais e globais passa a fazer parte da agenda de negócios, e a urgência pela inclusão digital se faz presente no nosso cotidiano: é preciso incluir pessoas e promover a diversidade com a criação de programas completos, em que todos os interessados possam ganhar.
## O essencial, muito bem feito
O mundo mudou, a economia mundial cresceu e a utilização de tecnologias aumentou de maneira vertiginosa e transversal. O ambiente empresarial se tornou mais volátil e incerto, pressionado pela crescente demanda por competências técnicas e comportamentais: a rotatividade aumentou, os salários atingiram novos recordes e a competição por talentos agora é internacional e em dólar, trazendo um risco muito alto para os negócios, que são impactados consideravelmente quando rodadas recorde de investimento são realizadas. É preciso calcular a probabilidade e o impacto de atingirmos o momento em que o dinheiro não compra mais o crescimento empresarial. Será que já rompemos esta barreira?
Talentos e inovação, sem dúvida, são o maior desafio da humanidade, pois precisamos de pessoas trabalhando nos problemas corretos, utilizando com propriedade as novas tecnologias que surgem com uma velocidade cada vez maior, para assim contribuírem de forma mais efetiva com os grandes desafios que ainda enfrentaremos.
Se todas as empresas agora querem se tornar empresas de tecnologia, precisam entender como uma empresa dessas funciona e quais fatores permeiam seu dia a dia. Hoje o principal motivo que impede a expansão dos negócios é o fator humano. Empresas de sucesso em tecnologia são, em essência, empresas especialistas em recrutamento e seleção. Resta entender como estas podem partir de uma atuação com foco em tomar recursos de outras, para atuarem como criadoras de talentos. Todo mundo ganha.
Este é o primeiro artigo da série “O maior desafio da humanidade”. Nas próximas discussões abordaremos os temas recrutamento, seleção, capacitação e outros fatores correlacionados.