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Entre um extremo e o outro, fique com o melhor dos dois

Entenda como aplicar o avançado pensamento integrativo com o caso dos filmes da marca e de Jorgen Knudstorp, CEO do Lego Group.
Roger Martin é professor titular de produtividade e competitividade na Rotman School of Management, de onde foi reitor de 1998 a 2013. Jennifer Riel é professoraadjunta da Rotman e diretora do projeto Knowledge Infrastructure do Martin Prosperity Institute, que inclui a supervisão da Rotman I-Think, escola de ensino fundamental e médio baseada em pensamento integrativo e design thinking. Juntos escreveram Creating great choices: a leader’s guide to integrative thinking.

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Em _The LEGO_ _Movie_, há uma piada que sempre faz Jorgen Vig Knudstorp rir. O herói do filme, uma figurinha chamada Emmett, está admirando o incrível avião do Batman. “Você pode fazer um desses em laranja?”, pergunta Emmett. “Só trabalhamos com preto”, resmunga de volta Batman. “E às vezes com cinza bem, bem escuro.”

Todo fã de quadrinhos sabe que Batman tem uma queda pelo preto. Logo, o diálogo é engraçado para essa audiência. Mas, na verdade, é uma piada interna. “Quando me tornei CEO, era um jovem ex-consultor da McKinsey – o Sr. Homem de Negócios, sabe?”, diz. Knudstorp foi a primeira pessoa fora da família a administrar a empresa de brinquedos dinamarquesa em seus 80 anos de história, com o desafio de recuperar uma lenda que estava perdendo dinheiro. 

Ele começou demitindo gente e racionalizando a linha de produtos da empresa. “Tínhamos 13 mil variações de cores e formas”, lembra. “Então, nunca tínhamos estoque.” Uma das cores condenadas ao corte era Old Grey (cinza antigo), um cinza muito, muito escuro, que parecia redundante, já que a empresa vendia peças pretas e cinzas mais claras. 

Os fãs da marca, que se reúnem em grupos online, ficaram furiosos. É que esses construtores adultos fanáticos usavam o Old Grey para criar sombras quando construíam castelos, estátuas e arranha-céus. Knudstorp passou um bom tempo na internet defendendo sua decisão, mas por fim acabou mesmo foi entendendo a cabeça dos fãs mais apaixonados de Lego. Para Knudstorp, hoje, a piada interna do filme demonstra que os realizadores conseguiram captar de verdade a essência da marca Lego. 

O negócio principal do Lego Group são seus pequenos tijolos plásticos encaixáveis, como todo mundo sabe. Mas desde 1999 também há um negócio de licenciamento altamente lucrativo. De início, eram acordos que permitiam ao grupo fazer kits e personagens baseados em franquias amadas como as séries de filmes _Guerra nas Estrelas_ e _Harry Potter_. Mas a empresa logo começou a estender essas parcerias para entretenimento original, associando-se a produtoras de filmes, espetáculos de TV e videogames. Em 2005, alguns curtas-metragens, como _Lego Star Wars: Revenge of the Brick_, tornaram-se um sucesso. 

No fim, a ideia de um longa-metragem original da Lego conquistou o conselho da empresa. Knudstorp lembra: “Acho que todos nós pensamos: ‘Isso é meio doido. Por que alguém faria isso?’”. Apesar de tudo, o grupo deu seu OK para a exploração da ideia e assinou um acordo de opção com um estúdio de Hollywood.

Mas os membros do conselho permaneceram cautelosos. A empresa tinha tido muito sucesso com entretenimento de marca, mas sua própria iniciativa inicial em filmes de longa-metragem – o filme _Lego: The Adventures of Clutch Powers_, feito para DVD em 2010, foi uma decepção. “Era totalmente fiel à marca”, explica Knudstorp. “Mas, na verdade, era chato; não tinha pegada.”

**A HISTÓRIA DO  LEGO MOVIE**

Dessa experiência, Knudstorp aprendeu que o Lego Group talvez não estivesse na melhor posição para contar sua própria história. Na adaptação de um livro para filme, por exemplo, o autor está próximo demais – muito amarrado a suas próprias palavras e visão para efetivamente adaptar o livro a um novo contexto.

O problema, então, era como fazer um ótimo filme baseado na marca Lego. Havia muitos modelos possíveis de parceria, mas aqui vamos considerar dois extremos. De um lado, o Lego Group poderia manter o controle criativo total, contratando roteiristas e diretores para produzir o filme que a empresa quisesse. Apesar de assegurar que a marca Lego estaria protegida, essa abordagem também significaria que nenhum talento de primeira linha se interessaria pelo projeto, já que não teriam liberdade para brincar. Além do mais, foi essa a estratégia que resultou no medíocre filme _Cluth Powers_.

De outro lado, o Lego Group poderia ceder os direitos autorais sobre personagens e história para os realizadores, garantindo-lhes um bom negócio e liberdade criativa. Essa abordagem poderia atrair grandes talentos e gerar um filme bem-sucedido; mas também poderia colocar a marca em risco. 

A chave para um ótimo filme são ótimos talentos, então ceder o controle criativo era essencial. “Demos ao produtor e aos roteiristas da Warner Bros. liberdade total para a criação do roteiro. Tivemos toda oportunidade de ler e comentar, mas não tínhamos direitos sobre o filme.” Mas como garantir que criativos forasteiros tratassem a marca com amor e irreverência na medida certa? O jeito foi transformar os outsiders em insiders, mas de uma maneira que não comprometesse a qualidade do trabalho.  

Para isso, Knudstorp insistiu que Phil Lord e Christopher Miller, da equipe de criação, passassem um tempo com superfãs de Lego – crianças, sim, mas também os adultos que tinham dado tanto trabalho a ele por causa do Old Grey. Ao conectar Lord e Miller com os clientes reais da Lego, Knudstorp ajudou-os não só a entender a marca, mas a se apaixonar por ela também. Melhor ainda, as histórias dos clientes ajudaram os roteiristas a ter ideias para a trama. Eles aprenderam, por exemplo, que “uma das coisas mais importantes para a comunidade de fãs é que nunca se deve usar cola”, porque a essência dos produtos Lego é a capacidade de construir e reconstruir, imaginar e fazer de novo. 

Resultado: _The LEGO Movie_ foi um sucesso avassalador. Arrecadou mais de US$ 450 milhões de bilheteria no mundo e impulsionou as vendas do grupo em dois dígitos com a força das mercadorias baseadas no tema, inclusive fi gurinhas de Emmett e Batman.

**O PENSAMENTO INTEGRATIVO ENTRA EM CENA**

O sucesso de _The Lego Movie_ exigia outro tipo de processo de solução de problemas, focado em ideias e oportunidades opostas em vez de respostas certas e escolhas difíceis. Como Knudstorp contou à CNN em 2014, “Quando você é CEO, precisa o tempo todo ter uma resposta imediata. [Mas] em vez de reduzir tudo a uma única hipótese, pode tomar uma decisão muito mais sábia se partir de várias hipóteses, analisando os trade-offs e as oportunidades.” A ideia é dar a si mesmo a chance de usar hipóteses conflitantes e criar uma resposta melhor.

Esse é o coração do pensamento integrativo, uma ideia que Roger Martin explorou primeiro em seu livro _Integração de ideias_. Nele, Martin descreve o pensamento integrativo como uma forma de pensar que permite a criação de novas respostas para nossos problemas mais difíceis – um processo que usa a tensão entre ideias opostas para ajudar a criar respostas novas e transformadoras.

No caso de Knudstorp, ele usou a tensão entre escolhas opostas para criar uma resposta que resolvesse seu problema de forma muito mais efetiva do que as alternativas iniciais. As opções em tensão eram tais que, de um lado, ele poderia insistir no controle criativo para proteger a marca Lego, reduzindo a probabilidade de que artistas sérios se dispusessem a participar; e de outro poderia ceder todo o controle do filme para garantir que teria o talento necessário para torná-lo um sucesso criativamente – sem colocar a reputação da empresa em risco. 

Muitos líderes veriam isso como um problema de otimização: em que medida abro mão do controle para atrair talentos que façam um bom filme? Knudstorp rejeitou essa forma de pensar. Ele queria um filme incrível, e que não só apoiasse mas que fizesse a marca crescer. Ele estruturou esse desafio como de integração e não de otimização. A resposta tinha de trazer o melhor dos dois mundos, em vez de uma acomodação fraca entre os dois. Em outras palavras, enxergou como seu trabalho criaria uma resposta nova, superior, em vez de escolher entre duas opções mais ou menos.

**ROGER MARTIN É O PENSADOR MAIS INFLUENTE DO MUNDO EM GESTÃO**

Em 2017, Roger Martin, da Rotman School of Management, ligada à University of Toronto, do Canadá, foi considerado o pensador mais influente do mundo, chegando ao topo do ranking Thinkers 50 , criado em 2001 pelos jornalistas especializados em gestão do _Financial Times Stuart Crainer_ e Des Dearlove e atualizado a cada dois anos. O ranking _Thinkers 50_ se baseia em três premissas centrais:

1. Ideias têm o poder de mudar o mundo;

2. Gestão é essencial para os problemas humanos;

3. Novos pensamentos podem criar um futuro melhor. Desde 2011, Roger Martin integra o ranking, graças a suas ideias sobre o pensamento integrador – ou integrativo.

**QUE TAL PROPOR OPÇÕES EM VEZ DE ACEITAR OPÇÕES?**

Com que frequência você propõe opções a escolher? Você realmente as propõe? Ou com que frequência você propõe em vez de aceitar uma das opções que lhe é oferecida? A maior parte de nós aceita, na maioria das vezes. Quando estamos diante de uma decisão difícil, escolhemos uma das opções à frente, em vez de criar uma nova resposta que resolva o problema de forma mais bem-sucedida. Tipicamente, olhamos para as opções dadas, avaliamos seus prós e contras, e escolhemos aquela que parece melhor na análise.

É natural aceitar trade-offs. Combina com nossa compreensão do mundo e com as ferramentas de tomada de decisão que derivam dessa compreensão. Somos ensinados bem cedo que a vida é dura. Nas palavras imortais dos Rolling Stones, _you can’t always get what you want_ (nem sempre conseguimos o que queremos). Então, aprendemos a escolher um ou outro. Desenvolvemos ferramentas de tomada de decisão que são avaliativas em vez de criativas.

Às vezes, se temos sorte, há uma resposta certa óbvia – uma solução que resolve o problema e com a qual todos concordam. Mas com frequência não há uma resposta certa óbvia nem uma solução individual que agrade todo mundo. Talvez as opções disponíveis resolvam apenas parte do problema, abordando os sintomas e não as causas; ou talvez as pessoas discordem quanto à melhor solução, gerando facções que apoiem soluções opostas. Ou, possivelmente, há muitas respostas boas, mas escolher uma delas significa abrir mão de tudo que é valioso nas demais. Nesses casos, frequentemente nos vemos fazendo acomodações infelizes, discutindo com nossos pares, lutando para decidir – e retardando a ação significativa.

No Lego Group, a escolha entre ter um ótimo filme ou um filme que reforçasse a marca Lego era inaceitável. Knudstorp precisava dos dois a fim de seguir adiante. Ele precisava propor uma resposta que resultasse no melhor dos dois mundos. E foi o que fez. Em vez de se acomodar, propor contratos complexos e supervisionar reuniões, ele alavancou os maiores fãs – cujo amor contagioso quanto a tudo que é relativo à Lego inevitavelmente seria transferido para os realizadores, tornando-os fãs também. 

Modelo mental é a chave dessa abordagem. Knudstorp e outros pensadores integrativos têm um “jeito de ser” no mundo – uma forma de avaliar suas escolhas mais difíceis – que contrasta com a forma como a maioria de nós pensa e decide. Na maioria dos casos, nosso pensamento é implícito e é raro vê-lo explicitamente questionado. Nossos modelos de mundo podem ser influenciados por forças das quais não temos consciência – e uma vez que vemos o mundo de certa maneira, tende ser difícil vê-lo de qualquer outra. Consequentemente, tendemos a buscar a única resposta certa para um problema dado, proposto por modelos simplistas do mundo, e confiar na heurística básica para seguir adiante. 

Essas limitações facilmente produzem abordagens estreitas e falhas. Tendem a criar uma mentalidade insular que exclui outras pessoas e seus pontos de vista alternativos. E costumam gerar decisões ruins. Mas o pensamento integrativo – explorar a tensão de modelos opostos – pode ajudar a mitigar essas limitações e melhorar nossas decisões.

Em geral, faltam três componentes que, quando presentes, ajudam a superar as limitações dos atuais processos de tomada de decisão e produzir melhores resultados:

**•  METACOGNIÇÃO:** é a capacidade de refletir sobre nossa maneira de pensar e compreendê-la. Para tomarmos decisões mais eficazes, devemos ser claros conosco e com os outros quanto ao nosso próprio pensamento e o que está por trás das escolhas que fazemos.

**•  EMPATIA:** é a capacidade de entender e apreciar o ponto de vista alheio. Outras pessoas veem o que não vemos e, portanto, são cruciais para nossa capacidade de melhorar nossa compreensão do mundo. A fim de superar os limites de nossas abordagens de decisão, também precisamos aprender a questionar profunda, genuína e respeitosamente as outras pessoas sobre o que pensam e por que pensam assim.

**•  CRIATIVIDADE:** a tomada de decisão eficaz exige liberar a criatividade em passos pequenos e replicáveis. Para nós, isso significa gerar e prototipar muitas ideias diferentes. Essa abordagem tira a criatividade do reino do místico – algo apenas para artistas geniais e empreendedores –, convertendo-a em uma habilidade que pode ser aprendida com a prática.

Com esses três componentes como ingredientes-base de uma abordagem de tomada de decisão eficaz, você pode estabelecer as bases para uma nova forma de pensar e superar problemas difíceis – de quase qualquer tipo.

A abordagem do Lego Group, resumida deste texto, coincide com os padrões que temos visto nas maneiras como pensadores integrativos geram suas soluções. 

 O Lego Group, é claro, tinha um desafio específico e um contexto particular. Knudstorp era o CEO, e uma pessoa brilhante. Sua situação, seu problema e sua solução provavelmente têm pouca semelhança com os desafios do dia a dia que você enfrenta no trabalho. Mas a maneira como pensamos sobre o problema – seu modelo mental e sua metodologia – pode ser aplicada muito além da sede do Lego Group na Dinamarca.

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