Contagem regressiva

Equity traz liberdade

O cofundador e CEO da Bossanova Investimentos fala sobre seu novo livro, explica por que todo executivo deveria ser investidor anjo e avalia o Marco das Startups que foi aprovado
Diretora-editorial na Qura Editora

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### 10 – Você acaba de lançar o livro O poder do equity, que é um convite para executivos se tornarem investidores anjo. Todo mundo tem o faro e a tolerância ao fracasso que são necessários?

É justamente o executivo quem tem uma grande vantagem em se tornar investidor anjo. Quem passou a vida toda fazendo sua carreira chega a um momento em que merece transformar sua inteligência financeira em liberdade financeira.
O executivo aprende a investir. Eu acredito que todo mundo aprende a ser tudo na vida. Eu, por exemplo, fui puramente empreendedor até 2009, quando fui aprender a investir. E, agora, virei executivo – virei CEO da Bossanova e me reporto a um conselho de administração – e estou aprendendo. Executivos são boa parte dos nossos grupos de investimento na Bossa. E investir é bom para a própria carreira do executivo.

### Por que é bom?

O nível de consciência faz “bum” ao passar da consciência de executivo para a de investidor. Numa empresa organizada com métodos, processos e estrutura, os problemas em geral são os mesmos e o que o executivo faz é diminuir riscos de eles ocorrerem. Já o empreendedor faz exatamente o contrário: trabalha com riscos e busca o tempo todo problemas novos para resolver. O investidor é o meio termo disso.
Um executivo com consciência de investidor começa a ver dentro da própria unidade em que ele atua oportunidades que não enxergava antes. E melhora sua performance.

### Então, o executivo passa por uma aceleração… Mas, atuando em grupo, ele não perde um pouco desse aprendizado?

Não. Vejo só vantagens no grupo. A primeira é que, para um investidor anjo conseguir distribuir seu investimento por dez negócios [como se recomenda fazer para minimizar risco], ele precisa ter R$ 1 milhão para investir. Já em grupo ele precisa de R$ 100 mil, pondo R$ 10 mil em cada negócio.
Em segundo lugar, o importante para haver aprendizado é ter a postura de investidor, e isso é possível no grupo. O sócio é mais parecido com ser executivo; espera dividendos, pró-labore, reduz riscos trabalhistas e tributários etc. Já o investidor entra para construir o valor futuro daquela empresa e, nessa construção, entra com seus conhecimentos. Também aí é bom estar em grupo, porque, para atender à necessidade de uma startup, ele soma sua competência com a de colegas, de modo complementar. Na Bossanova, isso ocorre no comitê que seleciona startups para investir e nos programas de mentoria; estes não são de participação obrigatória, mas é ruim para o próprio executivo não estar lá.
Hoje a Bossanova tem 30 grupos de investimento em startups de um mínimo de 15 cotistas, em que executivos, empresários, fazendeiros e profissionais liberais se complementam em investimento e expertise. Os grupos se dividem por segmentos – fintechs, edtechs, agro, health etc. –, de startups do Brasil e dos Estados Unidos. Nosso portfólio tem 720 empresas investidas. E buscamos a inteligência dos executivos. Em nosso grupo que investe na área de saúde, por exemplo, temos executivos e donos de hospitais e de planos de saúde e médicos.
Eu já era anjo, investindo sozinho, desde 2009, mas investir ficou muito melhor quando arrumei companhia, de 2014 em diante. Foi quando reencontrei o Pierre Schurmann, trocamos nossas melhores práticas e criamos uma empresa de venture capital nossa em 2015. A Bossa nasceu para investir no estágio pré-seed, com investimento em torno de R$ 400 mil e R$ 500 mil, um nicho inexplorado. Copiamos o modelo de investimento em série da SV Angel, criamos nossa tese das mil startups até o fim de 2020 [são 720]. Em 2016, a pedido de amigos, abrimos o primeiro grupo de investidores; a Bossa virou administradora.

### Mas, depois do sócio pessoa física, você ganhou um sócio banco, o BMG. Foi bom? Como a Bossa administradora evoluiu?

Com o grupo, vimos o potencial de abrir um fundo de R$ 100 milhões. Registramos um Fipe na CVM [Comissão de Valores Mobiliários] e fui bater na porta das famílias para captar dinheiro. Quando bati na porta da família Guimarães, do BMG, eles disser disseram: “Não, queremos ser sócios do VC, não só aportar num grupo”. Ficamos com medo de virar empregados de empresa grande, mas limitamos a cota deles a 20% da
Bossa e eles aceitaram, nos dando estrutura – de mesa e cadeira aos serviços financeiro, jurídico, contábil. Pierre e eu fazíamos isso de forma amadora, então foi muito benéfica a parceria. Mas eu não sosseguei até ter uma meia dúzia de membros no conselho, para não haver ninguém podendo mandar sozinho na empresa. Trouxe o Thiago Oliveira e o Thiago Nigro, que é o “primo rico”, que eu conhecia de antes da fama. Um tem experiência brilhante como empreendedor, o outro veio impulsionar a distribuição dos produtos e a imagem da Bossa.
O Pierre resolveu sair da presidência, por discordar de algumas coisas e para se concentrar na sua startup Nuvini, que está em estágio bem avançado, e vendeu parte de suas ações ao Janguiê Diniz [controlador da Ser Educacional]. Uma pessoa indicada pelo BMG assumiu, mas não deu certo, e eu virei o CEO. Aí é que tive de aprender a fazer gestão.
Voltando à sua pergunta, a parceria com o BMG foi e está sendo boa. O BMG hoje é muito mais arrojado do que era e eu também sou muito mais estruturado do que início. E quanto à evolução, eu quero fazer um IPO da Bossa, até para dar exemplo às nossas startups. Por isso, temos uma pessoa no board especialista em mercado de capitais.

### Suponha que nosso leitor quer entrar num grupo Bossanova. Como faz?

Basta nos procurar. Mas só aceitamos executivos C-level. Não é por causa de tíquete de investimento em si – limitamos a três cotas por pessoa e cada cota é R$ 100 mil –, mas pelos relacionamentos que um C-level costuma ter, para ajudar as startups. Isso não quer dizer que outras pessoas estejam proibidas de entrar. Meu curso Jornada Investidor Anjo funciona meio como boca de funil, por exemplo. Um gerente de produção preparado no curso pode entrar. Só é importante frisar que na Bossa ou sozinho, investidor anjo não entra só com conhecimento, mesmo que receba equity em troca. Isso é advisory, mentoria. Investidor anjo dá o cheque. Outra recomendação é que as pessoas invistam só 10% do seu patrimônio em startups.Eu faço o contrário: coloco 90% em startups e 10% no resto. Mas não sou modelo a seguir.

### Certo… e como é a rotina do investidor Bossa?

Existem dois formatos de participação. Num formato, o investidor coloca o dinheiro e participa do comitê que escolhe as startups em que vamos investir e as que não interessam, com base em
pitches dos empreendedores.
No outro formato, a pessoa investe o dinheiro, participa do comitê e ainda se coloca à disposição para dar mentoria em um programa de mentores que nós temos, baseado no perfil dele, na característica dele, vendas, marketing, finanças. É na atividade de mentoria que está o maior aprendizado. Você tem que participar, comemorar junto, sofrer junto, estar junto para aprender. Se for o dinheiro pelo dinheiro, é melhor deixá-lo numa aplicação de renda variável.

### No livro, você fala da postura de investidor. Em que um gestor precisa mudar para ser investidor? O que é mais desafiador?

Há um processo, que passa por entender a nova economia de verdade, da qual a startup faz parte. A nova economia está dentro da empresa que o executivo atua, inclusive. Tem a ver com aplicar uma camada de serviço a todo tipo de negócio. E a startup geralmente é uma solução para aplicar essa camada de serviço.
No início do ano, saiu a notícia de que 46% das grandes empresas já investiram em startups em 2020. É ótimo indicador de empresas que estão entendendo a nova economia.
Quanto aos desafios, posso falar em três como os principais. Um é não agir como sócio – querendo ganhar dinheiro no meio do caminho, por exemplo. O segundo é não ficar dando ordens – quem quer mandar no empreendedor é um investidor desqualificado. É relativamente comum o executivo ter o hábito de querer mandar.
O terceiro ponto? É difícil um executivo ser do contra, enfrentar regras estabelecidas dos negócios. Ele está acostumado a seguir uma cartilha, não a pensar diferente da maioria. Vou dar um exemplo bobo, mas que ajuda a entender o que é ser do contra: se o modelo de negócio do gado leiteiro é vender leite e derivados, ser do contra é pensar que a vaca pode ter um perfil em redes sociais. Entende?

### Sim! Você falou das startups americanas do portfólio: são melhores, mais escaláveis, que as brasileiras? Onde o empreendedor do Brasil derrapa?

O empreendedor brasileiro, graças a Deus, chegou a um nível de maturidade muito importante, o que se vê pelos exits [métrica da liquidez do investimento] e resultados. Se o mundo das startups fosse um campeonato de futebol global, estaríamos jogando na Série A. As startups brasileiras competem de igual para igual com as americanas, que são 250 no nosso portfólio. Quem empreende no Brasil empreende em qualquer lugar no mundo, porque nenhum lugar tem tanto desafio, barreira, problema, dificuldade, falta de qualificação e educação. Temos todo esse cenário e assim mesmo vamos para cima e conseguimos fazer negócios incríveis. Só falta o dinheiro. Aqui ainda é o empreendedor que procura o investidor; o certo é o investidor procurar o empreendedor. Daí meu papel de formação de investidores.
Onde o empreendedor brasileiro derrapa? Eu, pelo menos, perco o interesse quando ele dá carteirada – “sou amigo de Fulano, meu mentor é Sicrano, estudei em Stanford”. Carteirada é um dos meus sinais de alerta. Quem precisa se ancorar em algo assim é porque esconde alguma falha em seu business. Claro que ter educação é bom, mas é bom para ele, não para ficar exibindo. Até porque ele tem de continuar aprendendo sempre, não basta Stanford – a vida é lifelong learning. Por outro lado, já investi num empreendedor que falou: “Você não vai investir em mim, porque eu estou no Serasa. Eu mal tenho dinheiro para pagar a conta de luz”. Um cara que começa mostrando a vulnerabilidade eu quero ter do meu lado. Já ter fracassado também é métrica.

### A Bossanova investe em empreendedores de grupos minorizados? Negros? Mulheres?

Até o ano passado nós não tínhamos essa preocupação. Hoje nós diferenciamos. Não é por conta do ESG, mas por sentirmos dentro de casa a necessidade de dar valor a mulheres, negros, os de baixa renda e sem formação. Um exemplo dessa mudança é nosso fundo Ladies tem mulheres que investem em mulheres. Das 720 empresas do portfólio, umas 250 têm empreendedoras mulheres.

### Como grand finale, o que você achou de como ficou o Marco Legal das Startups?

O sandbox regulatório para testar e inovar, a possível contratação de startups em licitação de governo, a startup poder ter até dez anos, tudo isso foi positivo. Hoje temos uma legislação dizendo os tipos de investimentos e contratos do investidor anjo em relação a uma startup e, principalmente, a declaração de que não tem impacto tributário e trabalhista nesse contrato. O risco para o investidor anjo foi, de fato, bastante reduzido.
Mas nós, do grupo Startups Advocacy, não ficamos satisfeitos. Não tem incentivo tributário, nem a possibilidade de uso stock option, coisas bem importantes que outros países oferecem a suas startups. O limite de faturamento anual de R$ 16 milhões para startup é muito baixo. Então, estamos preparando um novo projeto e temos interlocutores no governo. O grupo Advocacy virou um representante de todo o ecossistema.
Desde 2011 há grupos pedindo uma lei aos deputados e, em 2014, também comecei a fazer isso. Em 2018, consegui, com o deputado conhecido como JHC (PSB-AL), que propusesse um projeto de lei das Startups e o Ministério da Economia do governo atual fez uma consulta pública em cima dele, da qual participei. Mas aí houve dois erros: (1) o que a comunidade propôs de bom foi tirado pelos técnicos, e (2) perdemos mais direitos no Senado e na sanção presidencial. Isso apesar do esforço do deputado Vinícius Poit (Novo-SP) na comissão especial da Câmara dos Deputados.

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