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Errei, não espalha

Realizado há três anos no Brasil, o icônico evento do Vale do Silício FailCon busca ensinar por meio de casos emblemáticos de fracasso nos negócios. Mas ele enfrenta um desafio peculiar: os brasileiros escondem seus deslizes
A reportagem é de Andreas Müller, especial para HSM Management.

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Foi em uma conversa com amigos pelo Twitter, quatro anos atrás, que Flávio steffens ouviu falar pela primeira vez da FailCon, a pitoresca feira de fracassos realizada anualmente em san Francisco, no Vale do silício. o evento tinha uma proposta incomum: uma vez por ano, pequenos empreendedores, grandes empresários e “gurus” da nova economia norte-americana se reuniam para tratar exclusivamente de grandes insucessos e suas lições. 

Steffens, ele próprio um empreendedor, ficou tão encantado com a ideia que decidiu trazê-la para o Brasil. a partir daí, tudo aconteceu com uma velocidade surpreendente. o contato com Cassandra phillipps, a criadora da FailCon, foi fácil e animador. achar um local para sediar o evento também foi –ficou a cargo de Rafael Matone Chanin, sócio-diretor da nós Coworking, empresa que administra espaços corporativos em porto alegre. Faltava apenas um detalhe: encontrar empresários brasileiros que estivessem dispostos a falar sobre os próprios fracassos. e foi aí que a coisa complicou. “ainda hoje enfrentamos dificuldades para convencer algumas pessoas a compartilhar suas experiências mal-sucedidas com o público”, confessa steffens. na primeira edição, ele e Chanin –que se tornou cocriador da FailCon brasileira– tiveram de lidar com as mais diversas (e inesperadas) reações dos convidados. Um deles aceitou o convite na hora, mostrando-se verdadeiramente entusiasmado com a oportunidade. 

Dias depois, mudou de ideia e declinou sem dar explicação alguma. em outras ocasiões, o convite nem sequer passava pelo crivo das secretárias ou assessores dos potenciais palestrantes. “Fazíamos um grande esforço para explicar a essência do evento. Mas muitos não captavam a ideia e se sentiam desconfortáveis. achavam que queríamos ridicularizá-los, que iriam lá para passar vergonha”, recorda Chanin. Com persistência e jogo de cintura, os criadores da FailCon Brasil conseguiram promover palestras memoráveis. entre elas, a de Jonny Ken, idealizador da encurtadora de URLs Migre.me, que topou falar sobre os 10 maiores erros que cometera na vida, mas acabou abordando 11, por causa de uma falha durante a apresentação. 

Mesmo assim, a experiência de promover o evento deixou claro que, no Brasil, tratar abertamente dos próprios fracassos ainda é um tabu entre empresários, executivos e empreendedores –e dos grandes. esse problema vai além do culto ao sucesso que rege as relações de negócios. “o que temos aqui é um culto ao perfeccionismo. 

Poucos admitem que falharam em algum momento, embora a falha seja natural”, conta Chanin. os sintomas dessa idealização, diz ele, emergem nas mais variadas áreas, até mesmo na Fórmula 1, na qual um piloto com a trajetória de Rubens barrichello é visto como notório perdedor. “Barrichello não foi campeão, mas é o piloto com maior número de corridas disputadas na história”, pondera o empresário. em setembro de 2014, Cassandra phillipps participou pela primeira vez da edição brasileira da FailCon, em porto alegre. 

Ficou na capital gaúcha durante quatro dias, período em que pôde realizar uma palestra, assistir a alguns debates e observar a movimentação do evento. foi o suficiente para ela perceber que há algo diferente na maneira como os brasileiros lidam com os próprios fracassos. “Vejo que muitos relutam em admitir que foram os reais causadores daquilo que vivenciaram”, explicou a HSM Management durante o intervalo do evento. 

Phillipps notou que alguns empresários aqui agem como se tivessem sido levados a fracassar por circunstâncias incontroláveis, como uma equipe despreparada ou um governo burocrático demais, e que isso não conduz ao aprendizado. “a chave do aprendizado é responder às perguntas certas: ‘o que posso fazer se minha equipe não trabalha bem comigo?’, ‘Como devo agir se o governo impõe muitas restrições ao meu negócio?’”, exemplifica.

> **POR QUE  ROBINSON SHIBA FALA DE SEUS ERROS**
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> Se a maioria dos empresários e executivos brasileiros não se sente à vontade para falar dos próprios fracassos, há exceções, como Robinson Shiba. Criador da trendFoods, grupo que administra franquias como o China in Box e os restaurantes gendai, ele se tornou célebre pelo despojamento com que trata dos próprios deslizes. “erramos, sim, e continuamos cometendo alguns erros. 
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> O erro é saudável e necessário para que você aprenda a crescer, se diferenciar e inovar”, explica. A primeira loja do China in Box foi criada  em 1992. Na época, a meta de Shiba era ter  10 unidades próprias, as primeiras do país a vender comida chinesa ao modo norte-americano, acondicionadas em caixinhas de papelão.  As 10 lojas chegaram rápido, muitas delas em sociedade com amigos. dois anos depois, veio o estalo: transformar o China in Box em franquia. Foi aí que o negócio deslanchou –e quase desmoronou. “A rede cresceu rápido demais e eu perdi o controle dos custos”, confessa Shiba. em apenas dois anos, a rede China in Box já contava com 60 estabelecimentos. 
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> Cada um deles, porém, tinha fornecedores e modelo de gestão próprios, o que resultava em margens de desempenho díspares, além de produtos sem padronização. “Não tínhamos organograma nem processos”, recorda o empresário. A solução foi pisar no freio. em 1998, Shiba estruturou um conselho de franqueados, cujos conselheiros são eleitos entre si, para dar mais qualidade ao processo de tomada de decisão. um operador logístico foi contratado para atender todas as lojas da rede –uma forma de reduzir custos de operação e padronizar a qualidade dos alimentos. também foram criados departamentos de treinamento para qualificar o franqueado. deu certo. 
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> Hoje,  o China in Box tem 165 lojas e emprega cerca de 3 mil pessoas em todo o país. Suas vendas crescem à razão de 12% ao ano desde 2010. para 2014, a previsão era chegar a um faturamento total de  R$ 300 milhões. Shiba não esconde o orgulho de ter superado os próprios erros. “Se eu pudesse refazer tudo o que fiz, sem dúvida eu continuaria arriscando, inovando e tentando”, diz ele. “Mas tentaria ter pessoas mais preparadas junto comigo. do jeito que foi, tive de aprender tudo isso sozinho, na marra.”

**FRACASSOS BEM-SUCEDIDOS**

Dificuldades à parte, a failcon brasil está longe de ser um fracasso. as primeiras duas edições, realizadas em 2012 e 2013, reuniram cerca de 150 pessoas cada uma. Já a terceira recebeu um público três vezes maior, graças a uma mudança radical no formato. Dessa vez, o evento integrou a programação da Feira do empreendedor, promovida pelo capítulo gaúcho do sebrae. nos três dias de palestras –outra mudança em relação às edições anteriores, que ocorreram em apenas um dia–, a plateia jamais deixou de ter menos de cem pessoas. o próprio perfil do público mudou. “notamos uma participação maior de pessoas mais jovens. 

Muitos eram estudantes universitários e até do ensino médio”, conta steffens. as três edições já reuniram um acervo expressivo de fracassos. são histórias como a do empresário leandro pompermaier, da desenvolvedora de softwares e-Core, que criou uma subsidiária especializada na construção de espaços corporativos e de publicidade no malsucedido second life. ou como a de Daniel Mattos, criador do portal Nake it, cuja proposta era empregar ferramentas de crowdfunding na produção de ensaios fotográficos sensuais. Quando foi lançado, em março de 2012, o site prometia publicar fotos da modelo e apresentadora pietra principe caso arrecadasse R$ 300 mil em contribuições espontâneas. Dois meses depois, o valor contabilizado mal chegava a R$ 85 mil –o dinheiro foi devolvido aos doadores e pietra continuou vestida. segundo phillipps, episódios como esses podem proporcionar um aprendizado mais valioso do que o de empresários bem-sucedidos. “Muitas vezes, os fatores que determinam o sucesso não podem ser replicados. por exemplo: se você teve a sorte de lançar seu produto na hora certa, é provável que ninguém mais tenha”, explica a fundadora da FailCon. 

“De outro lado, aquilo que você aprende com um erro, seja na parte de finanças, de gestão ou de marketing, geralmente é útil para qualquer tipo de negócio.” não à toa, os investidores profissionais, alguns até no brasil, preferem investir em empreendedores com vários erros de negócios no currículo. o Brasil foi o segundo país, após a França, a ter edição própria da FailCon. 

Hoje, o evento acontece em 20 cidades do mundo, de 10 países –e a meta é expandi-lo. steffens e Chanin pretendem criar um pacote semelhante a uma franquia, de modo que a FailCon possa ocorrer em várias cidades brasileiras ao mesmo tempo. “Continuaremos fazendo uma edição anual em porto alegre, mas achamos que dá para escalonar e descentralizar o evento, sem descaracterizá-lo”, explica Chanin. Com abrangência e repercussão maiores, talvez se torne mais simples a tarefa de convencer os palestrantes de que errar é, de fato, humano.

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