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Esqueça a tecnologia; bem-vindo à inovação de significado

O italiano Roberto Verganti desafia as atuais receitas de inovação, centradas na tecnologia e na ideação, para propor que se pense primeiro na diferença que os novos produtos ou serviços farão na vida das pessoas

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Os executivos brasileiros estão acompanhando atônitos a criação da joint-venture entre aquela que é considerada uma das mais inovadoras empresas brasileiras, a Embraer, e a gigante norte-americana Boeing. O que poucos se deram conta é que a capacidade de inovação da Embraer não tem a ver só com a tecnologia em si, na qual ela também investe, mas com a maneira como mudou o significado de voar. A empresa apoiou, em todo o mundo, a aviação regional, fazendo os consumidores encararem os voos de um modo novo: migraram de “Eu uso avião para viagens de longuíssimas distâncias” para “Eu uso avião para ir aonde ia antes de ônibus/trem”. 

Em agosto, o especialista em inovação italiano Roberto Verganti lança seu livro _Overcrowded – Desenvolvendo produtos com significado em um mundo repleto de ideias_, em que diz faltar algo importante nas abordagens de inovação praticadas na última década. Segundo ele as ideias estão aí aos montes e ninguém precisa que se tenha mais uma; necessitamos é de novos significados. “Não temos de melhorar como as coisas são e sim mudar a razão pela qual precisamos dessas coisas”, explica. Os vencedores da inovação serão aqueles que fizerem produtos e serviços mais significativos para os consumidores, e não melhores. E Verganti diz mais: o processo de ideação e de buscar insights de fora para dentro, tão em voga, é o oposto do que as empresas necessitam para inovar. 

Há dois tipos de inovação na visão do especialista: a inovação de solução e a inovação de significado. A primeira diz respeito a ter ideias novas para resolver problemas existentes, enquanto a segunda redefine o problema, mudando não só como se usa algo mas também o porquê de usá-lo – o que ocorreu com a Embraer. Nesta entrevista exclusiva a **HSM Management**, Verganti detalha o processo de inovação de significado em suas cinco etapas e chama a atenção para o papel-chave da liderança.

**Na quarta revolução industrial, as empresas brasileiras estão preocupadas em correr atrás da tecnologia para inovar. Elas estão certas?**

Não creio. A tecnologia é só um meio, que impulsiona e direciona a mudança. Mas, sozinha, a tecnologia não cria valor. As pessoas, os consumidores, não compram tecnologia. Adquirem coisas que têm significado, que fazem sentido para a vida delas. O valor, portanto, vem de o quanto os produtos e serviços de uma empresa são significativos para as pessoas.

O significado é a resposta ao porquê de eu usar um produto em vez de outro. Assim, a verdadeira disrupção não vem das novas tecnologias, mas de uma mudança de significado. Veja o exemplo da Nokia, uma empresa que era bastante efetiva quanto a inovação tecnológica. Quando a Apple lançou o iPhone, os aparelhos da Nokia já contavam com

SAIBA MAIS SOBRE ROBERTO VERGANTI

QUEM É: professor de gestão da inovação do Instituto Politecnico di Millano e fundador do PROject Science, organização que presta consultoria em estratégia de inovação para várias das 500 maiores corporações globais do ranking Fortune.

TRAJETÓRIA: há mais de 20 anos pesquisa os desafios de inovar, tanto em grandes empresas como Microsoft, Vodafone, como em menores e mais dinâmicas, como Alessi e Nintendo. Também ajuda a criar políticas públicas de fomento à inovação em todo o mundo.

LIVROS: Design Driven Innovation – Mudando as regras da Competição e Overcrowded – Desenvolvendo produtos com significado em um mundo repleto de ideias

aquelas tecnologias: touchscreen, streaming de música e uma app store (chamada Ovi). Tudo já estava lá, mas isso era apresentado com o mesmo significado de sempre: um telefone – o conceito da empresa era “conectando pessoas”. O iPhone, por sua vez, foi lançado com um significado totalmente diferente: “Sua vida no seu bolso”. A Apple aplicou as mesmas tecnologias, não para criar um telefone melhor, mas para oferecer uma experiência totalmente diferente. A única coisa que lembrava um telefone no iPhone era o nome – aliás, fazer chamadas ou enviar mensagem no aparelho da Apple era certamente pior do que no telefone da Nokia. Tudo o mais estava organizado de modo a melhorar sua vida pessoal algo: um equipamento mais leve, com um sistema operacional intuitivo, além de uma tela maior para fazer bonitas fotos e navegar na web. 

Atualmente a tecnologia é abundante e de fácil acesso. O verdadeiro desafio é compreender as mudanças que dizem respeito ao que é significativo para os consumidores. 

**Muita gente diz que vivemos a era do cliente, mas a inovação do significado não vem dos consumidores; é liderada pelas empresas. Isso é polêmico… Não pode afastar as empresas das pessoas?**

Em _Overcrowded_, eu cito uma canção do Coldplay chamada Fix You. Entre as muitas coisas difíceis de enfrentar que a letra aborda, há uma que sempre mexe comigo: “Você consegue o que quer, mas não aquilo de que precisa”. É uma verdade assustadora. Conseguir o que se quer é visto como algo muito ruim, se o que se quer não é bom para sua vida. Essa ideia capta a essência da inovação de significado. Dar às pessoas simplesmente o que querem pode, de fato, ser ruim para elas. A menos que o que querem seja realmente significativo. 

Os líderes são como os pais. Eles têm um papel gigantesco na vida da criança: apoiá-las na busca por significado. E como eles fazem isso melhor? Não partindo do ponto de vista da criança, do que ela quer. Se a criança diz: “Pai, eu quero um doce”, o que você faz? Dá o que ela quer ou propõe algo que faça mais sentido, como uma salada de frutas, que talvez custe mais, ou exija um esforço maior, mas que vai fazer bem para ela? Um pai tem como ponto de partida o próprio ponto de vista, aquilo que acredita ser bom para o filho. Possui uma visão e age de acordo com ela. 

O mesmo vale para os líderes. Se você realmente quer fazer com que a vida de seus clientes seja melhor, você deve partir do que genuinamente acredita ser mais significativo para eles. Faça isso por eles, não por você. E, se não quer assumir tal responsabilidade, não seja um líder. 

**Outro ponto polêmico é que você fala que a ideação e a inovação de fora para dentro são o contrário do que se deve fazer. Design thinking não funciona?**

A arte da ideação e a abordagem de fora para dentro são próprias da inovação de solução, da resolução criativa de problemas. Na inovação de significado, deve preponderar a arte da crítica, e a crítica parte de nós mesmos. 

Design thinking é um conceito amplo. Ele costuma ser visto pelas empresas como um conjunto de ferramentas para estimular a criatividade dos colaboradores e levá-los a gerar novas ideias, e essa é uma perspectiva muito limitada. 

Há outro caminho, que se concentra em criar um negócio centrado nas pessoas. Com isso eu concordo totalmente. E o modo de fazer isso, ao meu ver, passa pela arte da crítica, por desafiar nossos pressupostos cognitivos. Crítica tem um sentido negativo, mas ela não é negativa nem positiva – em grego, significa “eu julgo, eu avalio”. Significa ir além da superfície das coisas. Para nós, significa ir além das velhas interpretações e comprometer-se com algo realmente novo. E começa por nós mesmos, formulando hipóteses e confrontando-as com hipóteses dos outros. Isso é bem diferente da ideação, porque nos faz trabalhar com qualidade de ideias, enquanto a ideação trabalha com uma grande quantidade de ideias para selecionar a melhor. 

Infelizmente, a crítica não é uma arte que cultivamos, porque se baseia em tensões.

**Brasileiros, em particular, evitam tensões… Explique, por favor, como é todo o processo de inovação de significado.**

São cinco os passos desse processo. Resumidamente, é um processo que começa com você, como indivíduo, partindo do que você acredita que possam ser novos significados para criar uma nova visão. Idealmente isso pode ser feito por um grupo de pessoas, mas cada uma o faz de modo autônomo, perguntando-se “o que eu amaria que as pessoas amassem?” 

Os dois passos seguintes consistem em interagir com outras pessoas em sua organização, que possam ajudar você a ver as coisas de uma nova forma – você confronta suas ideias com as deles. Nós propomos um mergulho nisso, com o método da fábrica de significados. 

Os dois passos finais dizem respeito a interagir com pessoas de fora da organização, de modo que você tenha certeza de que o que ama é o que as pessoas lá fora também amam. Dividimos essas pessoas em duas categorias: os intérpretes e os clientes. 

Ao longo de todas as etapas é necessária a prática da crítica, tanto a autocrítica quanto a crítica alheia. 

**Então, vamos por partes: o que é a fábrica de significados?**

É um workshop intensivo de dois dias que propomos para desenvolver a arte da crítica. As primeiras três horas são dedicadas a apresentar o projeto, fazer um aquecimento sobre o que são significados para cada um e depois ir mapeando as hipóteses, para distribuí-las entre os pares. Então, as pessoas que estavam no time da inovação de significado inicial trabalhando independentemente são agrupadas em pares de acordo com a similaridade de suas propostas, para investigar mais a fundo potencialidades e fraquezas de cada ideia. O foco é encontrar diferenças em hipóteses similares e para isso cada integrante do par muda de papel – uma hora é defensor, em outra atua como acusador. No final dessa etapa, deve haver uma solução proposta. Depois, tipicamente no segundo dia do workshop, é o grupo todo que se reúne – e pode até ser expandido com mais pessoas – no que chamamos de círculo radical, que aí foca similaridades entre hipóteses distintas. São 15 a 20 pessoas. Brincamos que é a fase de discutir com os inimigos. Na etapa do círculo radical, temos de 8 a 10 ideias competindo entre si. Nós trabalhamos com uma matriz de cenários de significado. _[Veja quadro abaixo.]_

**Isso pode gerar uma tensão nada criativa, não?**

De fato, a crítica deve ser cuidadosa para que a tensão vire energia criativa. O modo de criticar tem de seguir o “aufheben” do Hegel: eu primeiro critico o seu direcionamento criando uma tensão e depois integrando o meu direcionamento com o seu – e você faz o mesmo. 

Encontramos quatro fatores que contribuem para o sucesso da crítica na fábrica de significados: (1) focar os delighters, (2) criar cenários de significado para a solução em quartetos (juntando dois pares) e  

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/d3cc02e3-9492-4a70-9af2-5e0867aee2c1.png)

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/79e07bf3-4700-4cff-8d0f-ebd68bcf360a.png)

desafiar em círculo (não agindo mais como quarteto, e sim todo mundo junto), (3) convergir quanto a qual é o inimigo e (4) utilizar metáforas para os atuais significados e para os novos. Delighters [encantos, em português] são aquelas poucas dimensões de uma solução que mais deliciarão os consumidores – assim restringimos o número de parâmetros a discutir. _[Veja o exemplo da Alfa-Romeo na matriz ao lado.]_ 

**Na interação com pessoas de fora da organização, clientes dispensam explicações.**

**Mas quem são os intérpretes? Em seu livro, você fala até em fazer laboratório com intérpretes…**

São especialistas de áreas distantes de seu expertise, diferentes de você, mas que compartilham algo importante com você: olham para os mesmos usuários, para a mesma experiência de usuário. Normalmente, eles enxergam coisas que você não vê. A escolha deles não é trivial – devem ter uma experiência de vida que contribua para analisar determinado produto ou serviço. Por exemplo, a Mutti faz molhos de tomate.
Os intérpretes no caso dela podem ser empresas de panelas, de fogões, revistas de culinária e assim por diante. Os jornalistas das revistas de culinária são os chamados intérpretes culturais, como seriam chefs de cozinha, que entram como artistas. São preciosos na interpretação de emoções e simbologias. 

Nesse caso, observe, nenhum dos intérpretes concorre com a Mutti ou participa da mesma experiência de consumo. E podem ajudar a Mutti a ver os clientes com novos olhos. O ideal é o que o mix de intérpretes seja heterogêneo. As personalidades dos intérpretes também devem ser balanceadas – alguns são mais do tipo crítico, outros mais pesquisadores. 

**Os membros do time de inovação de significado – e, especialmente, seu líder – precisam ter competências específicas para a fábrica de significados dar certo?**

É acima de tudo uma mentalidade: parta do seu ponto de vista, mas depois seja criativamente crítico. Ouça os outros e, se eles enxergarem algo que você não vê, tente descobrir o porquê. Há sempre alguma verdade nas palavras dos outros, que nos ajuda a ver coisas que nunca conseguiríamos perceber. Precisamos apenas procurar. 

**A seu ver, qual o principal desafio da inovação de significado?**

É o fato de que o processo demanda uma liderança sólida, forte. Você pode delegar o desenvolvimento de uma nova tecnologia a uma equipe, mesmo externa, por exemplo. Mas o significado tem de vir de você. Requer visão, compromisso, engajamento, direção. Por isso nosso processo de inovação do significado é centrado nas pessoas e nas lideranças.

**Você acredita que empresas sediadas em mercados emergentes, como o Brasil, têm mais oportunidades de crescimento a partir de inovações de significado?**

Certamente. As culturas latinas têm uma habilidade especial de sempre imaginar qual o sentido da vida. Somos sociedades guiadas pelo significado. É por isso que pessoas de todo o mundo gostam de visitar os países latinos. 

**As pequenas e médias empresas, incluindo as startups, conseguem maiores benefícios com a inovação de significado?**

Temos estudado e colocado em prática esse tipo de processo inovador em todos os setores de atividade, países e tipos de empresa. Tanto pequenas como grandes. 

Dito isso, minhas primeiras experiências nessa área vieram do estudo de pequenas empresas italianas, como Alessi, Kartell, Artemide, Flos, que, independentemente de seu tamanho, são líderes globais. 

Mais recentemente temos trabalhado com a Mutti, pequena produtora de molho de tomate; com a Sorgenia, companhia média no setor de energia, e com a Vox, pequena empresa polonesa do setor de móveis e decoração. 

A vantagem de lidar com o significado é que, nesse caso, não há as mesmas barreiras de entrada que se enfrenta quando se trata de tecnologias. Veja o caso das startups, como a Nest Lab, que foi capaz de captar uma mudança de significado relevante: as pessoas não querem mais gastar tempo com as tecnologias em casa. Assim, criaram o termostato inteligente, que aprende os padrões de uso do consumidor e estabelece sozinho uma programação. Com o sucesso, a Nest enfrentou gigantes como a Honeywell e foi comprada pelo Google por US$ 3,2 bilhões. 

**Com o perdão da redundância, o que a inovação de significado significa em termos de futuro de humanos e máquinas?**

Que não devemos ter medo das máquinas. A tecnologia não tem valor intrínseco; não é boa nem má. É a forma como utilizamos a tecnologia que pode fazer nossa vida melhor ou pior. É o significado, a direção, que fazem diferença. 

Claro, não podemos interromper o progresso da tecnologia. É impossível. Mas podemos usar a tecnologia para promover a criatividade e criar mais empregos, ou gerar monstros que isolam as pessoas e tomam seus empregos. Tudo depende de nós e de como combinamos essas tecnologias para criar coisas que as pessoas amem. 

**A quem cabe fazer isso?**

Há uma enorme responsabilidade dos líderes das organizações; depende basicamente deles a direção que se vai seguir a partir dos recursos tecnológicos escolhidos. Eles são criadores de significado. E o que vai moldar a sociedade não é a tecnologia que eles promovem, mas o significado que eles criam, consciente ou inconscientemente. Precisamos de lideranças visionárias que apontem direções relevantes.

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