Reportagem – Planejamento Estratégico

Estratégia se torna innovation-first, technology-first

Planejamento estratégico evoluiu para uma abordagem adaptativa, que além das metas de longo prazo, incorpora as necessidades de resultados no curto prazo. Mas a estratégia continua sendo as escolhas de por que – ou onde, como, com o que – competir

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O cotidiano de uma empresa, de qualquer setor, tem uma linguagem específica. Os termos mais usuais foram tomados emprestados do inglês – call, deadline, approach, budget –, porém os mais atentos já perceberam que a linguagem corporativa também bebe em outra fonte: a guerra. Subordinados, linha de frente e companhia são expressões comuns no dicionário do management e sinal do quanto as organizações tradicionais se basearam na lógica militar para desenhar modelos de negócio e planos de ação. A regra era vencer os concorrentes, apenas.

Marcelo Veras, presidente do Grupo Unità Educacional e sócio do Ecossistema Inova, lembra que “o modelo clássico de planejamento estratégico foi dominante de 1950 a 2010”. Resumindo, é um modelo que prega: “Crie uma empresa, faça-a crescer e durar para sempre, e atropele quem estiver na frente”. O problema? Com a internet, os smartphones e o empoderamento dos consumidores, esse modelo já não funciona mais.

No atual contexto competitivo, as empresas adotam novas formas de pensar e planejar o futuro com um planejamento estratégico mais leve, desenhado para torná-las mais ágeis e adaptativas. Ficar de olho na concorrência, é claro, continua a ser muito importante, mas, em paralelo, os mercados cada vez mais complexos tornam impossível sobreviver sem ficar de olho no próprio umbigo.

Luis Lobão, professor de estratégia e governança da HSM Educação Corporativa e membro de vários conselhos de administração, explica que a principal diferença do novo modelo de estratégia em relação ao tradicional é ter a ideia de tornar a concorrência irrelevante, com inovação e proposta de valor que deixaria para trás qualquer desafiante. (O tradicional foca a competição, em como guerrear com outras empresas pelo mesmo cliente e vencê-las.) Por isso, a nova orientação do planejamento estratégico é olhar para si e para o cliente – seus desejos e necessidades.

## Como a estratégia evoluiu
O pensamento moderno promove a ambidestria – endereçar presente e futuro ao mesmo tempo –, transformação digital, inovação e, de quebra, autonomia dos colaboradores.

Especialistas encorajam que o “como fazer” venha mais de baixo para cima nos planejamentos estratégicos modernos, dando mais espaço para que as pessoas criem suas formas de criar objetivos conforme o propósito da empresa. Afinal, as ferramentas mudam a todo momento e já não é possível prever como o trabalho vai ser feito em três anos. É por isso que métricas como os OKRs ganham relevância *{[veja texto de Roger Martin sobre isso](https://revistahsm.com.br/post/okrs-sao-bons-mas-nao-sao-uma-estrategia)}*. Mas é possível traçar uma meta nesse horizonte. “Um bom planejamento estratégico precisa ser mais sobre resultados que sobre tarefas {nos planos de ação}. Temos muitos planejamentos voltados para tarefas”, observa Maria Augusta Orofino, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing-ESPM e da HSM Academy.

Antes de elaborar de fato o planejamento, outro elemento importante é se questionar sobre os motivos da existência da empresa, uma espécie de reflexão existencial, com perguntas como: “quem sou?” e “por que existo?”. O propósito da empresa “deixa mais ampla a visão da companhia sobre os problemas que {ela} precisa resolver para o cliente”, diz César Costa, sócio e diretor de inovação corporativa da Semente Negócios. A cascata de escolhas de Roger Martin vai na mesma direção. Assim como a pergunta de Orofino – “para quem crio valor?”. A empresa não vai resolver todos os problemas de um cliente, claro, mas o que pode fazer para solucionar alguns deles? Essas perguntas podem ser respondidas na estratégia corporativa.

O planejamento estratégico moderno ainda precisa ser adaptável. Não pode mais ser algo escrito em pedra, como antigamente. “Num contexto em que não dá para prever nada, a ideia é ter capacidade de resposta e mudar o ‘como fazer’ quando é preciso, mantendo as ambições e propósitos que orientam no longo prazo”, diz Lobão.

Há também a questão do que é longo prazo. A recomendação é de que a mira não seja mais ajustada para um horizonte muito distante. “Não dá para passar de três anos”, defende Costa, embora haja controvérsias. E é de extrema importância a transparência e a comunicação do plano para todos os funcionários. “Como as pessoas vão dar ideias e abraçar novas iniciativas sem saber para onde estão indo?”, questiona o sócio da Semente Negócios.

A vida dos planejadores vai ficar difícil se eles não se atentarem à ambidestria, capacidade de endereçar (e melhorar) as atividades do dia a dia e, ao mesmo tempo, explorar possibilidades de futuro. Alguns executivos paralisam diante do dilema entre o curto prazo, com metas a serem alcançadas, e o longo prazo, que demanda investimento em inovação. Mas não podem.

Para alcançar o equilíbrio entre o que se quer no curto e no longo prazos, Maria Augusta Orofino recomenda uma revisão regular dos resultados. “Gestores não entregam mais os resultados só no fim do ano; entregam a cada três meses e, assim, conseguem saber quão distantes estão de seus objetivos e alterar o planejamento, se necessário”, diz ela.

## Onde entra a transformação digital
Para o modelo que quer tornar a concorrência menos importante, inovação e transformação digital não são mais opcionais. Esses elementos passam a ter peso de item de sobrevivência e é preciso estruturar a abordagem que a empresa adotará para esses temas.

Para Daniel Lugondi, principal innovation manager da ZUP, a transformação digital é “o alicerce para construir a casa” e algo obrigatório sobretudo para empresas que não nasceram digitais, já que sem transformação digital elas “não podem mais ser competitivas e inovadoras no futuro próximo”.

O primeiro passo para incluir a transformação digital no planejamento estratégico das companhias é pensar sobre quais mudanças a empresa precisa promover rumo a seu objetivo. “Não é o mesmo processo para todas as empresas. Às vezes até há uma cultura de inovação bacana, mas a empresa tem um instrumental que não permite que isso evolua”, exemplifica Andrea Dietrich, cofundadora da Ambidestra, hub de soluções em ambidestria.

Para a especialista, “visão sistêmica é a chave do jogo” em transformação digital e o planejamento deve incluir todas as áreas da empresa, com pessoas que estão conectadas à visão do planejamento estratégico atuando em cada um dos setores como promotores da digitalização. “Se há apenas um setor específico para a transformação digital ele precisará remar contra a maré porque os outros não farão parte disso”, opina.

Outro ponto que precisa ser considerado quando as empresas desenham transformação digital em seu planejamento estratégico é o custo. Dietrich alerta que o movimento “requer investimento, expertise profunda – com novos cargos e outros tipos de profissionais –, e as pessoas de tecnologia precisam ter outras skills além de cuidar do legado de infraestrutura”. Para o setor de tecnologia, será preciso um olhar para o futuro, além de apagar os incêndios do presente. Nesse contexto, o conceito de ambidestria ganha corpo.

A liderança desempenha papel fundamental no sucesso da transformação digital. Sem a participação dela, o que é traçado no planejamento estratégico tende a falhar. Vânia Neves, CTO (executiva-chefe de tecnologia) na Vale e membro do conselho editorial de HSM Management, afirma que a transformação digital “deve ser liderada pelo CEO da empresa e seu time executivo”, e que ela “deve ser incluída como iniciativa do planejamento estratégico” se houver necessidade de mudança.

Além de participarem, os líderes precisam buscar capacitação. Lilian Cruz, sócia-fundadora da Ambidestra, diz que a liderança pode, e deve, contratar pessoas para executar aquilo que ela planejou, sim, mas se “os líderes não entendem daquilo, eles perdem a capacidade de influenciar”. Buscar conhecimento sobre aquilo que está sendo executado na sua empresa é quase obrigatório.

## Onde entra a inovação
Apesar de ser tema recorrente em eventos, reuniões, reportagens e cursos, a inovação ainda assusta muitas empresas. Mesmo quando concordam que inovar é uma questão de sobrevivência, não sabem por onde começar, como organizar ou medir o progresso das iniciativas de inovação.

No entanto, os esforços para inovar tendem a ser produtivos quando bem organizados e incluídos no plano estratégico corporativo. Mas eles precisam, exatamente, ser organizados, até por sua natureza pouco tangível. __HSM Management__ frequentemente publica abordagens de organização. César Costa, por exemplo, sugere a utilização das “teses de inovação”, uma ferramenta que norteia todas as iniciativas de inovação promovidas por uma empresa. “É uma tomada de decisão que deixa explícito onde a empresa vai apostar, se vai entrar em outro mercado, se foca eficiência e transformação digital, se aposta em soluções que ainda não oferece”, explica. Ou seja, é um guia que indica o sentido em que a inovação deve caminhar.

Para pensar nas teses de inovação – que deverão fazer parte do planejamento estratégico –, ainda é preciso entender o que existe de tendência atualmente, o que pode se tornar tendência no futuro e quais problemas os clientes da empresa têm agora ou terão no futuro que a companhia pode resolver. A partir desses questionamentos, os executivos podem criar guias sobre a inovação que a empresa procura e distribuí-los a seus stakeholders, aconselha Costa, que ensina: “Deve ser um documento simples, de duas páginas e linguagem acessível, que vai nortear funcionários, startups ou outros interessados nos programas de inovação”. *{Já Steve Blank sugere uma figura que ocupa menos de uma página, [veja aqui](https://www.revistahsm.com.br/post/um-guia-simples-para-a-inovacao-em-escala)}*

Como o planejamento estratégico precisa ser constantemente revisado para a empresa saber se está no caminho certo, medir o progresso das iniciativas de inovação é uma das chaves do sucesso. Para Lilian Cruz, não há um padrão de métricas a ser seguido e é importante estar disposto a alterar a forma de medir progresso se for preciso.

As métricas dependem da tese ou objetivo da inovação *{veja quadro abaixo}*. Entre as métricas mais usadas estão OKRs, receita de novos produtos em “x” anos (questionável, pois tem inovação boa que demora para mexer os ponteiros), redução de custo com inovação, marketshare ampliado com inovações, número de ideias lançadas, taxa de conversão de ideias em soluções, montante investido, número de soluções que chegaram a ir ao mercado etc.

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Reportagem publicada na HSM Management nº 155

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