Dossiê HSM

EX também é método

Quando se trata de employee experience, vive-se um drama no mercado brasileiro. As armadilhas na implementação de um projeto de employer branding – ou employee branding, como tratado aqui –, podem derrotar as empresas. O assunto é desafiador, mas uma possibilidade é usar o método de cultura de Richard Barrett como framework
Ulisses Zamboni é atual chairman e sócio-fundador da Santa Clara, foi presidente do Grupo de Planejamento no Brasil, é membro do Comitê de Ética do Capitalismo Consciente, marketing & communication advisor para o Outback Steakhouse. Psicanalista, clinica há 15 anos.

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Como se faz um elefante passar pelo buraco de uma agulha? Estou ciente de que esse ditado popular, às vezes protagonizado por um camelo, evoca um certo pessimismo em um texto sobre a experiência dos funcionários, mas, na maioria dos casos em que sou chamado a construir uma estratégia para a área em nome de uma experiência melhor e mais engajadora, é essa sabedoria que me vem à mente.

A gestão de público interno, que nomeio como “employee branding”, é um conceito surgido em um artigo de 1996 do *Journal of brand management,* de autoria de Simon Barrow e Tim Ambler, e ligado inicialmente a comunicação (ao marketing, portanto).

Se pudesse resumi-lo, diria que a tese a ser aplicada na prática seria a de que o alinhamento entre os valores da empresa e os valores dos colaboradores resultaria num futuro mais promissor para o negócio uma vez que todos estariam idealizando um destino comum. (E isso obviamente seria mais rentável para os acionistas.) O artigo ainda traz a ideia de que marketing deveria se aproximar de recursos humanos para que a companhia obtivesse benefícios mútuos e de escala, beneficiando o negócio e o próprio colaborador.

A teoria exposta no artigo seminal tem uma lógica irreparável. No entanto, na prática, desanda com a complexidade das relações humanas no trabalho, somada à inexperiência dos altos gestores com o assunto e à falácia da ideia que RH e marketing compartilham de que “basta aplicar a metodologia e tudo vai dar certo”. E, então, como lidar com o elefante e a agulha?

## As duas cenas empresariais
Em projetos de employee branding nas empresas, encontro geralmente duas cenas distintas.

Na cena nº 1, a empresa pretende fazer desse projeto uma estratégia para gerar percepção positiva sobre a corporação como local de trabalho desejado (para atração, recrutamento e seleção de talentos).

Na cena nº 2, bem mais complexa, o objetivo é instrumentalizar o capital humano já instalado na companhia para assimilação dos valores vigentes na empresa – ou desejados no futuro. O que tem ligação direta com a experiência oferecida.

A primeira cena está circunscrita a um ciclo de vida claro para o funcionário no “analytics” do RH: atrair, recrutar, desenvolver, engajar, manter e, finalmente, quando necessário, demitir o colaborador. A gestão de público interno na fase “atrair e recrutar” remete ao projeto de alinhar valores entre candidato e empresa. É algo simples e não vou me dedicar a isso. As fases “desenvolver”, “engajar” e “reter” nem entram no processo; considera-se que dizem respeito ao que vem depois, como indicadores de performance (KPIs), tracking e predição de abandono do emprego.

A cena de maior desconforto, que contém uma perigosa armadilha, é a nº 2. Ela, cada vez mais importante para o conceito maior de experiência total, está relacionada com transformação ou ratificação de valores culturais da empresa. Ao ler “valores culturais”, por favor, entenda as crenças subjetivas de seus líderes, pois a cultura de uma organização é o reflexo dessas crenças. Aviso que sou credenciado no Brasil pelo método de valores culturais de Richard Barrett.

É justamente pela crenças dos líderes que a cena nº 2 está sempre borrada de sutilezas. Não importa o tipo de organização, a experiência dos funcionários com valores da organização acaba dependendo intimamente da capacidade dos líderes diretos de inspirá-los – e de gerenciá-los.

Então, vejamos na prática, as dificuldades de implementação na cena nº 2 por meio de dois cases de fracasso que selecionei, sempre utilizando as ferramentas do Barrett Values Centre.

## Case 1: Empresa familiar
Uma empresa brasileira de grande porte no segmento de bens de consumo (produtos de prateleira), ainda com administração familiar, vivia uma situação desafiadora: havia um choque de personalidades entre os irmãos, que eram os acionistas majoritários.

Eles não concordavam nem quanto à gestão da companhia nem quanto à direção de futuro. Enquanto um almejava manter a tradição focando o produto que deu origem ao negócio, o outro olhava inovação como destino inexorável para o crescimento.

Aplicamos, então, as ferramentas do método Barrett para o escrutínio dos valores da empresa que serve à construção de marca de modo geral – de consumo, institucional e o employee branding propriamente dito.

O método prevê, na fase inicial, pesquisas quantitativa e qualitativa que investigam os valores individuais do capital humano instalado na empresa; os valores corporativos que são percebidos pelos colaboradores e, por fim, os valores desejados para o futuro da empresa, em uma leitura projetiva. Essa pesquisa é respondida por todos os extratos de colaboradores, do chão de fábrica até a gestão C-level.

Então, ela passa por uma análise estatística que gera insights poderosos para gerenciamento dos valores corporativos. A ideia é que, com os resultados nas mãos, o responsável pelo projeto tenha a capacidade de:

– Identificar se há alinhamento dos valores dos colaboradores com os valores que eles reconhecem na empresa, e também com os valores desejados para o futuro.
– Identificar o capital humano instalado vis-à-vis seu potencial para gerar negócios apoiados pelos desejos de futuro.
– Identificar os obstáculos culturais que impedem crescimento, performance e produtividade – chamamos a isso de “entropia de marca”, uma espécie de “índice de detratores”.

Pois, nesse exemplo que trago ao leitor, a entropia da corporação sobre os valores corporativos desejados no futuro pelo C-level era total. Ou seja, não havia qualquer possibilidade de se implementar o projeto uma vez que “a experiência dos funcionários em relação aos ‘valores’ da organização está intimamente ligada às capacidades dos líderes diretos de gerenciá-los ou inspirá-los”. Essa entropia é uma armadilha bem mais frequente do que se imagina.

O que isso me ensinou e, com sorte, pode ensinar o leitor também? Que a estratégia de futuro da companhia precisa estar definida e acordada entre os stakeholders em C-level para que um projeto de employee branding possa ser implementado.

Aliás, um subproduto interessante que o trabalho de employee branding traz, intimamente ligado à armadilha mencionada, é a revelação do viés de confirmação da liderança quanto ao nível de consciência da corporação.

![029-32 – figura 1](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/4ngZZ74NZPJjPozQ586P4f/9c24d501618f887ed4549c6ec5a02b98/029-32_-_figura_1.png)

## Case 2
Uma empresa de serviços profissionais, espécie de consultoria de negócios com 120 funcionários, queria fazer um trabalho de employee branding. Os pedidos dos sócios-fundadores eram claros: (1) alinhar o conjunto de valores da companhia para reter talentos existentes e atrair novos para trabalhar numa “powerhouse” de consultoria e (2) construir uma marca forte para o mercado, tornando-se mais competitivos na conquista de projetos.

Com a mesma clareza dos objetivos, os sócios-fundadores tinham certeza de conhecer os comportamento e as atitudes que circulavam na empresa.

Os elementos fundadores da marca (posicionamento, imagem percebida e outros), assim como o elenco de valores da companhia para atingir sua missão e visão pareciam impecáveis – tanto no texto como em sua lógica competitiva. A comunicação visual, com escritório com design moderno contemporâneo, confirmava tudo. Nada daria errado.

Entramos com as pesquisas quantitativa e qualitativa para análise dos valores individuais dos colaboradores, de suas percepções sobre os valores da empresa e sobre os valores de futuro que ela deveria ter.

A metodologia Barrett estabelece sete níveis de consciência para os indivíduos e corporações numa pirâmide “avançada”, baseada na escala Maslow de necessidades *{veja na figura acima}*. Os níveis inferiores mais focados na sobrevivência e no individualismo e os superiores, nos desejos de transformação e altruísmo.

Naturalmente, e pelas evidências diversas desse projeto, toda a equipe tinha expectativa de que o nível de consciência da corporação, a partir da visão de seus colaboradores, estivesse nos níveis mais elevados. Só que a surpresa foi acachapante. Questões de relacionamento, autoestima e até de sobrevivência vieram à tona com uma intensidade tão excepcional que reconhecemos imediatamente o que estava diante dos nossos olhos: o negócio precisava de intervenção – urgente.

Como as respostas à pesquisa quantitativa eram anônimas, questões de clima organizacional, destempero do comportamento de lideranças, levantamento de questões éticas e também denúncias de assédio moral chegaram até nós, obrigando nossa equipe a construir “fases intermediárias” dentro do projeto para endereçar os problemas com os contratantes do projeto.

Encurtando uma longa história, os objetivos originais do projeto foram revistos ou sobreviria o caos.

## A moral dessas histórias é…
Se você é de recursos humanos ou de marketing, preste atenção a esta mensagem: os líderes são os grandes responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso do seu projeto de employee branding. Então, atue nas seguintes frentes:

– Certifique-se que a liderança da organização (C-level) possui as capacidades necessárias para compreender os resultados de um diagnóstico profundo sobre os valores que os colaboradores associam à empresa.
– Garanta que o C-leve está disposto a fazer mudanças de rota e não vai se abater com um diagnóstico pior que o imaginado.
– Garanta que os líderes entenderão que a percepção coletiva pode não ser autopercepção.
– Avalie se as intenções da empresa (valores pretendidos) são mesmo as certas, bem como os meios para divulgar os valores.
– Assegurar que um projeto como esse tenha múltiplos impactos benéficos sobre a companhia como um todo, e não somente o alinhamento de valores entre empresa e colaborador. Pode haver impactos diretos em otimização da cadeia de valor, área de inovação, clima organizacional e impactos indiretos em vendas e rentabilidade, visibilidade e competitividade e margem.
– Estabeleça onde começam e terminam as tarefas do marketing e do RH. Clareza na estratégia de negócios (que direciona o conjunto de valores para seu atingimento) cabe ao marketing. Radar do clima organizacional e antecipação ao C-level de possíveis furos no tecido social dos colaboradores (especialmente questões de lealdade e confiança da equipe nos líderes imediatos) é tarefa do RH.
– Defina quem é o dono do projeto. Será o marketing, se o objetivo maior for fortalecer a marca e aumentar a competitividade. E tem de ser o RH, se a prioridade é melhorar o tecido laboral, aumentar confiança e colaboração, ajustar o clima.

__Leia também: [A neurociência das experiências totais](https://www.revistahsm.com.br/post/a-neurociencia-das-experiencias-totais)__

Artigo publicado na HSM Management nº 157.

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