Desenvolvimento pessoal

Farmas buscam a próxima fórmula do crescimento

O boom dos genéricos pode estar chegando ao fim, exigindo a experimentação de novos modelo.

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A indústria farmacêutica foi uma das poucas – senão a única – que escapou da crise recessiva que assolou o país nos últimos três anos. Segundo dados do Sindusfarma, o mercado brasileiro de medicamentos cresceu 12,58% nos últimos 12 meses até agosto de 2017 em relação ao mesmo período do ano anterior.

Esse crescimento ainda continua a ser amplamente impulsionado pelos medicamentos genéricos, beneficiados nos últimos tempos pela quebra de patentes de várias moléculas lançadas nos anos 1990. O período ficou conhecido como “penhasco das patentes”, um momento em que vários medicamentos blockbusters perderam as patentes sem terem sido substituídos por outros de igual sucesso comercial.

Agora, alguns analistas enxergam o fim da era de ouro dos genéricos também. Essa fórmula, que teve um ciclo de sucesso impressionante de mais de duas décadas, marcado por ganhos contínuos de fatias de mercado e a conquista de liderança no setor nacional de medicamentos, “está se exaurindo”, na visão de Douglas Woods, consultor da BCG. Os laboratórios já teriam percebido isso e “estão correndo atrás da próxima fórmula de sucesso, embarcando em múltiplos movimentos exploratórios”. Ou seja, vários caminhos vêm sendo perseguidos ao mesmo tempo. 

**MUITOS CAMINHOS**

Que caminhos seriam esses? Para Woods, não faltam opções para os laboratórios – tantas que pode ser difícil saber para onde atirar. Entretanto, todos esses potenciais caminhos trazem desafios e a necessidade de desenvolver habilidades atualmente fora do domínio dos laboratórios nacionais. Ele cita como exemplo a inovação incremental, a consolidação do setor por meio de aquisições, a entrada no setor de biossimilares, a internacionalização e a diversificação, seja entrando em áreas adjacentes como beleza e cuidados com o corpo ou até investindo em novos negócios.

**INOVAÇÃO E DIVERSIFICAÇÃO**

A Sanofi, multinacional cuja marca Medley está entre as cinco principais no mercado de genéricos brasileiro, aposta na inovação. “Temos um centro de desenvolvimento voltado a genéricos e similares que recebe investimentos anuais de R$ 25 milhões e conduz atualmente 43 projetos de pesquisa”, diz Pius S. Hornstein, diretor-geral da Sanofi no Brasil.

Diversificação também está nos planos da empresa. “Estamos de olho na inovação para além do laboratório. No ano passado, lançamos várias iniciativas para nos aproximar mais dos pacientes, que estão cada vez mais digitais. Um exemplo foi o Hotel do Sono, um hotel destinado a ensinar as pessoas a dormirem melhor. Essa iniciativa levantou uma importante discussão sobre a insônia, que atinge 40% da população brasileira.” Outra iniciativa da Medley foi o lançamento de uma parceria com o Waze, com o objetivo ajudar os usuários a encontrarem farmácias próximas de onde estão. 

Telma Salles, presidente da PróGenéricos, associação que congrega os fabricantes de remédios genéricos, acredita que muitas moléculas ainda não estão no mercado brasileiro e algumas que são comercializadas possuem apenas dois ou três concorrentes genéricos. “O que não vamos ter é o mesmo boom de moléculas que tivemos no passado, mas ainda existem moléculas que podem gerar genéricos e outras que não estão disponíveis a todas as pessoas ou não estão no portfólio de todas as empresas”, analisa. Para Salles, sempre existirão medicamentos genéricos. “Os volumes de moléculas podem diminuir e a concorrência deve aumentar, mas as empresas vão ampliar seus portfólios e encontrar seus caminhos.”

Por isso, as empresas de genéricos vão continuar a crescer. “O mercado brasileiro de genéricos é muito pequeno frente a mercados mais maduros como Estados Unidos e alguns países da Europa, onde os genéricos têm quase 80% de participação. Aqui, apenas cerca de 30% das unidades vendidas são remédios genéricos”, afirma.

“As empresas que hoje estão no mercado de genéricos não têm só genéricos no portfólio, elas têm outras linhas”, diz Salles. “Possuem medicamentos de marca, de prescrição e apostam em novas tecnologias como biossimilares, inovações incrementais e mesmo inovações de ruptura. Muitas dessas empresas estão investindo em outros países, fazendo parcerias, montando empresas, investindo em startups. As empresas que apostaram nos genéricos se alavancaram bastante. Cresceram muito nos últimos dez anos, ganharam muita capacitação tecnológica e musculatura. Elas estão investindo muito na inovação incremental, melhorando as entregas, aprimorando fórmulas. Também temos várias empresas apostando nos biossimilares.” 

Para Woods, a inovação incremental é, de fato, a primeira opção a ser considerada. “Apesar de cada vez mais raras e difíceis de se achar, ainda existem oportunidades para entrar em setores poucos explorados e menos disputados no mercado local. Às vezes, são moléculas mais complicadas de sintetizar e produzir ou que dependem de insumos de difícil acesso. Ou podem ser moléculas que existem em outros mercados, mas que nunca foram introduzidas no Brasil.” Ele considera esse caminho o menos arriscado, mas não acredita que será suficiente para manter o crescimento dos laboratórios no longo prazo. “Os laboratórios nacionais já são empresas grandes – seria necessário um pipeline robusto e contínuo de lançamentos justamente em um setor onde as grandes oportunidades já foram exploradas.” 

Ao contrário de Woods, que afirma que o setor de genéricos vai acabar sendo dominado por duas ou três empresas no longo prazo, Salles não aposta em uma nova onda de consolidação de empresas semelhante à dos anos 2000, liderada pela Hypermarcas (atual Hypera Pharma). “As empresas do setor são familiares, mas muito profissionalizadas, com conselho de administração e gestão moderna. A tendência é elas expandirem para outros mercados em vez de se consolidarem aqui.”

**BIOSSIMILARES**

Os investimentos em medicamentos biossimilares também é visto como um caminho promissor. Remédios biológicos são os que mais cresceram no mundo e os que proporcionam maior faturamento por unidade. As patentes das primeiras moléculas já estão vencendo e há uma verdadeira corrida global para lançar seus concorrentes genéricos, os “biossimilares”.

Nos últimos anos, a perda resultante do “penhasco das patentes” tem se revertido, com vários lançamentos de novos produtos biológicos. “Em 2015 não tínhamos nenhum medicamento protegido por patente no Brasil”, diz Hornstein. “Desde então, lançamos quatro tratamentos inovadores nos últimos dois anos e, em 2018, teremos o lançamento de mais dois produtos inovadores.”

Hoje, 50% do portfólio de inovação da Sanofi é composto por biológicos, 28% por moléculas pequenas (medicamentos tradicionais) e 22% por novas tecnologias como o uso de nano-anticorpos. “Há uma diferença entre genéricos e biossimilares. Os últimos são mais complexos”, diz Hornstein.

**ONLINE E MILHAGEM**

Para Walter Cardozo, CEO da Netfarma, varejista farmacêutica online, é preciso ter em vista três pilares para que a indústria possa se reinventar. O primeiro é a prescrição eletrônica – que depende de questões regulatórias. “Isso será um grande divisor de águas. Um dos grandes males atuais é a troca de receita, em que a indústria investe em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos e em levar informação aos médicos e, quando o paciente chega às farmácias, é levado a pegar um similar.” 

O segundo pilar é a aproximação das estratégias de CRM com o ambiente digital. “Com a expansão da venda online, abre-se para a indústria farmacêutica a oportunidade de aproximar as estratégias de CRM e digital, que passa a entender melhor a jornada de compra do consumidor de forma mais inteligente. A cada dia, aumenta o foco em expandir as estratégias digitais, criar novos canais de propaganda  e entender melhor seus pacientes. O varejo 100% online pode ser um grande parceiro nisso.”

“Por último”, diz Cardozo, “é importante a expansão do portfólio de produtos dos programas de fidelidade PBM (de benefícios em medicamentos). Isso torna os produtos mais acessíveis ao consumidor e permite ganho de escala em vendas para a farma”.

**INTERNACIONALIZAÇÃO**

Um modelo alternativo para sustentar a indústria farmacêutica nacional seria, na visão do BNDES, sua inserção no mercado mundial. “De fato, podemos atrair para o Brasil parte da demanda internacional de testes pré-clínicos e clínicos de novas drogas feitos por empresas estrangeiras”, afirma José Hernani Arrym Filho, sócio-diretor da Pieracciani Desenvolvimento de Empresas. Aqui os preços desses serviços são cerca de 50% inferiores aos dos EUA.

“E, aproveitando sua experiência industrial com genéricos, as farmas brasileiras ainda podem expandir para países em desenvolvimento”, diz Arrym.

**REINVENÇÃO NO VAREJO**

Até a distribuição dos produtos farmacêuticos está mudando, como mostra a Rede Compre Certo.

A Anvisa há pouco tempo liberou uma portaria que permite aos farmacêuticos fazer a anamnese  – a entrevista que serve de ponto de partida para o diagnóstico realizada nos consultórios e até agora prerrogativa principalmente dos médicos. Reginaldo Nascimento, gestor da rede franqueadora de drogarias Compre Certo, com sede em Uberaba (MG), viu aí uma oportunidade e criou o programa Saúde Certa, um consultório dentro da farmácia no qual o cliente responde a várias perguntas e é avaliado e direcionado para clínicas ou postos de saúde, já com um histórico que ajudará o médico a indicar um tratamento. “São 25 serviços disponíveis para a população, que vão desde questões para quem quer parar de fumar ou perder peso até testes de colesterol”, diz Nascimento.

“Já temos consultórios instalados em dez unidades da rede. A Compre Certo é uma rede de drogarias presente em cinco estados. O Saúde Certa não é uma imposição da franqueadora, é decisão da loja. Existe toda uma estrutura para ser feita, inclusive de espaço, para que o profissional possa realizar esse atendimento. Alguns serviços são cobrados, como o teste de colesterol, porque utilizam insumos. Mas é mais uma ação de fidelização dos clientes. As lojas têm em torno de 8% a 10% de incremento no faturamento com a instalação dos consultórios. O cliente fi ca mais satisfeito com o atendimento diferenciado e acaba comprando produtos indicados pelo farmacêutico”, continua.

“Hoje o varejo está muito pressionado pelo crescimento de pontos de venda. Há dois anos tínhamos mais ou menos 65 mil PDV e hoje estamos com mais de 80 mil. Prestar um serviço extra é uma forma de se diferenciar nesse mercado.”

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