Criada em 1990, a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza é responsável por duas reservas naturais, uma no Cerrado e outra na Mata Atlântica. Três décadas depois, o Grupo Boticário foi considerado a sexta empresa mais sustentável do mundo, segundo o *Dow Jones Sustainability Index 2022*. “Construir o futuro que desejamos é um processo colaborativo”, diz Luis Meyer, diretor de ESG do grupo. Em 2022, a empresa atingiu a marca de 64% dos produtos com algum atributo de sustentabilidade, como processo de fabricação ecoeficiente e uso de plástico verde. A companhia tem o maior programa de logística reversa do País, com 4.000 pontos de coleta de embalagens pós-uso e 14 mil cooperativas parceiras. Recentemente, firmou parceria com o Google para fortalecimento da economia circular, disponibilizando informações sobre pontos de coleta de materiais recicláveis no Google Maps.
Essa realidade mais sustentável, construída desde bem antes de a sigla ESG significar algo, é diferente da de muitas das redes de franquias do Brasil. Com um faturamento de R$ 211,4 bilhões em 2022, 3.097 marcas franqueadas e 184 mil unidades, o mercado de franquias ainda está se familiarizando com o conceito ESG. Mas houve avanços nos últimos anos. A evolução é vista principalmente no pilar ambiental, com projetos de sustentabilidade, reciclagem e rastreamento de fornecedores. De acordo com uma pesquisa da Galunion, 68% das franquias de alimentação (o maior segmento, com 36% das marcas franqueadoras) afirmam que adotam práticas do tipo (veja mais no quadro abaixo). “O franchising tem a seu favor o fato de trabalhar em rede, que é um dos pilares para a adoção da economia circular e implementação da agenda ESG”, diz Fúlvio Cristofoli, coordenador do curso de pós-graduação em gestão estratégica ESG da Universidade Mackenzie. “O desafio está na promoção de uma maior conscientização de todos os elos da cadeia. Sem engajamento dos franqueados não há avanço.”
![63-67 – figura 1](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/1vyjjuHlGJTj5mIWGh6J5F/dbcb69784ceb27bc5310631d4619677c/63-67_-_figura_1.png)
Presente em 30 países, com 530 lojas no Brasil e 1,5 milhão de clientes atendidos por ano, a 5àSec mostra que os benefícios superam os investimentos. A rede substituiu, em junho deste ano, suas sacolas por embalagens 100% compostáveis, feitas à base de cana-de-açúcar. “A redução de emissão de gases de efeito estufa é de cerca de 25 toneladas por ano”, diz Fábio Roth, CEO Brasil da 5àSec. “A proposta é substituir todos os plásticos de fonte fóssil por compostáveis e renováveis em dois anos.” Segundo ele, é preciso equilibrar a questão do custo, pois as embalagens compostáveis são em média 30% mais caras. “É um trabalho de médio a longo prazo, que passa pelo convencimento dos franqueados.”
Outro sinal de que o modelo de negócio favorece o avanço da agenda ESG está no surgimento de redes que têm como foco a economia circular, algo que até bem pouco tempo nem sequer era cogitado. É o caso do Peça Rara Brechó, com 65 unidades e faturamento de R$ 95 milhões em 2022. “Ao incentivar a reutilização e a redução do descarte de roupas e acessórios, impactamos o ciclo de vida dos produtos comercializados, promovendo o consumo consciente”, diz Bruna Vasconi, fundadora e CEO.
Um dos pontos em que as franquias precisam avançar, porém, é a equidade de gênero e raça em postos de liderança, seja na própria franqueadora, seja na rede franqueada. Na visão de Renata Rouchou, diretora de expansão da Casa Bauducco, que tem 150 lojas, a trajetória feminina no franchising é uma escada que teve apenas metade dos degraus percorridos. “Meu primeiro trabalho com franquias foi em 1988, quando era preciso mostrar o dobro de esforço para se fazer ouvir”, diz. “Isso revela que muita coisa foi feita, mas que ainda há muito a percorrer” – Rouchou é a primeira mulher em cargo de direção em 70 anos de companhia.
Foi sob a presidência de uma mulher, Cristina Franco, que a Associação Brasileira de Franchising (ABF) realizou o único estudo sobre liderança feminina no franchising. Publicado em 2015, o levantamento revelou que apenas 12% das cerca de 3 mil redes em operação na época tinham liderança exclusivamente de mulheres. O percentual subiu para 16% em 2020. Entre os interessados em comprar uma franquia, a predominância também é masculina. Dos quatro perfis traçados em uma pesquisa da ABF em 2023, apenas um, denominado “potencial empreendedor”, tem maioria feminina – e com meros 51%. Rodrigo Abreu, diretor de marketing e comunicação da ABF, assegura, porém, que as iniciativas da entidade para aculturar e preparar o setor vêm ganhando corpo. A entidade criou a Comissão ESG, composta por 12 marcas de diversos segmentos para alinhar os conceitos e educar as redes para que introduzam boas práticas nas estratégias de negócio. “O maior desafio é descomplicar o discurso, mostrar que muitos já praticam sem saber necessariamente que a iniciativa se enquadra em um dos pilares ESG”, explica. “Estamos na fase de apresentar exemplos possíveis de serem adotados não só pelas grandes redes, mas, também, por microfranquias.” O próximo passo será o lançamento do manual de boas práticas do sistema. “Está mais do que na hora de sair do conceito para a prática, porque os consumidores estão mais atentos”, diz Abreu.
## Elas provam que é possível
Conheça quatro casos de boas práticas ESG em franquias:
### Sem uma boa governança, não há crescimento perene
*Casa do Construtor*
Especializada em locação de equipamentos para construção civil, a Casa do Construtor foi uma das primeiras redes de franquia a adotar a governança corporativa. Em 2010, os fundadores Altino Cristofoletti Júnior e Expedito Arena contrataram uma auditoria externa com o objetivo de reorganizar a empresa. “Quando decidimos virar a chave, tínhamos menos de cem unidades franqueadas, mas sabíamos que para crescer seria preciso reorganizar processos”, diz Cristofoletti. O percurso, alerta, é longo. “Não se trata de uma corrida de 100 metros, é uma maratona. É preciso tirar tudo do lugar, errar e acertar muitas vezes para, na sequência, criar uma infraestrutura adequada para crescer.”
Cristofoletti lembra que, quando eles abriram a primeira loja de locação de equipamentos para construção, todos ao redor tinham certeza de que seria um fracasso. O conceito de economia compartilhada não fazia parte da rotina do setor. Com 30 anos de mercado e 600 unidades, a Casa do Construtor faturou R$ 900 milhões em 2022.
Outro desafio foi abrir as portas para mulheres na área de vendas das lojas. “Elas trouxeram um olhar diferente sobre as necessidades do cliente”, explica. Hoje, 38% das lojas contam com uma mulher franqueada, seja sozinha ou em sociedade.
### A água é finita. Não dá para desperdiçar
*iGUi*
Filipe Sisson costuma dizer que a sustentabilidade está na essência da iGUi desde a sua criação. Não está errado, porque “igui” significa “água” em tupi-guarani. Fabricante de piscinas em poliéster reforçado com fibra de vidro (PRFV), ela tem mais de mil franqueados e está em 54 países. Ao longo de quase 30 anos, a empresa fundada por Sisson em Gravataí (RS) aperfeiçoou suas tecnologias, a fim de diminuir o consumo de água e energia. “Todas as nossas piscinas têm um sistema de filtragem que consome menos água e energia.” Além disso, ele garante que o processo de fabricação das piscinas emite 32 vezes menos gás carbônico do que o das tradicionais de alvenaria.
Desde 2015, as iniciativas de proteção ambiental e desenvolvimento científico ficam sob responsabilidade da iGUi Ecologia, com sede em Araruama (RJ). “São nossas as piscinas usadas para reabilitação e transporte do peixe-boi para soltura pela Associação dos Amigos do Peixe-Boi”, diz Sisson, que defende que a cultura da sustentabilidade é multiplicada pelo exemplo. “Nossos franqueados, desde a chegada na rede, são envolvidos na cultura de economia circular”, diz. Segundo ele, até o plástico usado para reforço das piscinas é proveniente de usina de reciclagem. “É fácil? Não. Mas cabe à franqueadora abraçar o desafio.”
### A importância da comunidade quando se fala em sustentabilidade
*Simple Organic*
“A Simple procura ser tão sustentável quanto possível”, diz Juliana Berkenbrock, líder de sustentabilidade da Simple Organic, marca de cosméticos orgânicos e naturais. O que ela quer dizer é que nenhuma empresa consegue ser 100% sustentável, mas ela deve buscar tal meta. Criada em Florianópolis (SC), em 2017, com 32 operações (sendo 26 franquias), a Simple é uma nativa digital que buscou o varejo físico para apoiar suas iniciativas sustentáveis.
A empresa desenvolveu um plano de neutralização do carbono para toda a logística da cadeia de produção de suas linhas, adotou embalagens de tecido no lugar das sacolas tradicionais e, quando o plástico for indispensável, dá preferência ao plástico verde, além de promover logística reversa em todo o processo. Cerca de 30% do volume médio das embalagens retornadas pelos consumidores é encaminhado para cooperativas. “Nos últimos três anos, a compensação foi de 58 toneladas de massa de reciclagem, impactando 26 cooperativas”, diz Berkenbrock.
Segundo ela, o envolvimento dos franqueados começa no processo de seleção. “Se o candidato não tem os mesmos valores, não tem como admiti-lo na rede”, explica. A marca incentiva os franqueados a participar de ações locais e a promover iniciativas ligadas à sustentabilidade. “A cada ano ampliamos nosso leque de cooperativas parceiras para reciclagem e aumentamos a compra de matéria-prima de pequenos produtores e comunidades extrativistas orgânicas.”
![63-67 – figura 2](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/6OHnwByHblGkQpuQZEQmR8/6b2cd01528076157daa3b19421e742de/63-67_-_figura_2.png)
### De grão em grão a rede se torna sustentável
*Sterna Café*
Hoje com 70 unidades em nove estados, o Sterna propõe dar mais espaço aos grãos nacionais. “Começa por pagar o preço justo pela saca, o que nem sempre se faz no mercado”, diz o fundador da empresa, Deiverson Migliatti. Com esse objetivo, a cada mês a rede traz um grão especial para que o cliente conheça sua história e a origem da produção.
Em 2022, o Sterna se aliou ao Wolff, especialista em torrefação de cafés especiais, e ao Sítio Monte Hermon, produtor de cafés premiados, para criar o Café Solidário, cuja renda é destinada a uma instituição social. Segundo Migliatti, trabalhar no sistema de franquia facilita, mas traz desafios. “Nem todos os franqueados estão dispostos a investir em produtos sustentáveis. Cabe à franqueadora promover engajamento.”
Ele destaca que nos encontros com os franqueados procura mostrar os benefícios que as boas práticas podem trazer para a rede. Isso pode ser visto, na prática, nas lojas. “Hoje borra de café vira adubo, as poltronas são revestidas de sacas de café e as madeiras das prateleiras das lojas são de reflorestamento.”
Artigo publicado na HSM Management nº 158.