Estratégia e Execução
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Franquias atravessam crise com parcerias, novos formatos e multicanalidade

Poucos segmentos da economia são tão inovadores quanto o franchising. Um olhar atento sobre operações brasileiras ajuda a entender

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Quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o novo coronavírus como pandemia, muitas pessoas acreditaram que a paralisação dos serviços e o fechamento da economia se estenderiam por não mais do que algumas semanas. Mas o fundador e CEO da iGUi, uma das maiores fabricantes de piscinas do mundo, não tinha esse entendimento.

“Talvez demore um, dois ou três anos para as coisas voltarem ao normal”, disse Filipe Sisson, em uma reunião com diretores naquele longínquo março de 2020. Os participantes se entreolharam – não pareciam acreditar na projeção.

A estranheza aumentou quando Sisson pediu que a empresa comprasse matéria-prima (boa parte dela importada) para o período de um ano. “Se todo mundo vai ficar em casa, esse vai ser o nosso momento de vender piscina”. Motivados pela confiança do chefe, os diretores assentiram.

Mais de dois anos depois, os números da iGUi demonstram que a estratégia estava correta. O faturamento, que foi de R$ 495,8 milhões em 2019, quase dobrou: chegou a R$ 952 milhões em 2020. No ano seguinte, alcançou a marca de R$ 1,68 bilhão. Para 2022, a expectativa é de R$ 2,18 bilhões – receita quatro vezes maior do que no ano anterior à pandemia.

Diretora de expansão da marca, Lilian Marques, destaca que a criação de uma universidade corporativa, com aulas virtuais, foi fundamental para alavancar os números. “Aumentamos a equipe de redes sociais, equipe de suporte e conseguimos fazer com que o franqueado entendesse a metodologia das vendas online. Muitos começaram a fazer brincadeiras no TikTok”, lembra. O fortalecimento da estratégia de multicanalidade (omnichannel) foi vital para o faturamento recorde em 27 anos de franquia. “Hoje, as lojas continuam, mas a maior venda não é mais lá. Vem muito pelas redes sociais”.

O sucesso da iGUi está longe de ser um caso isolado. Nos últimos 12 meses, o franchising brasileiro faturou R$ 188,5 bilhões. Isso equivale a 2,2% do PIB nacional, segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF). Para o presidente da entidade, André Friedheim, a segurança do modelo atrai cada vez mais empreendedores. Quem investe em franquias geralmente tem acesso a um modelo de negócio, produto ou serviço já desenhado e testado, além de acesso a treinamentos, métodos de gestão, infraestrutura tecnológica compartilhada, peso da marca, background do setor, poder de compra e escala em rede. “Tem até brasileiro que quer morar fora e levar marcas para o exterior”, afirmou Friedheim, durante a abertura da ABF Franchising Expo, realizada em junho, em São Paulo.

Em relação à pandemia, o porta-voz da ABF destacou a transformação digital, especialmente no varejo. No setor alimentício, por exemplo, investir em novos canais de venda, como aplicativos de entregas, virou quase obrigação. Até mesmo para quem achava que não se adequava ao modelo. “Percebemos uma mudança no perfil do consumidor e investimos nisso”, diz Isaias Bernardes de Oliveira, CEO da Chiquinho Sorvetes. A empresa abraçou o delivery por meio de uma parceria com o iFood. Atualmente, 20% das vendas acontecem no app.

Mas nem toda empresa do setor alimentício enxerga nas entregas uma oportunidade de crescimento. “O delivery é mais difícil para a gente porque tem produtos que não viajam bem {durante o transporte}, como um café expresso”, explica o CEO da Rei do Mate, Antonio Carlos Nasraui. Por outro lado, há os ganhos vindos da preocupação com o bem-estar. “As pessoas começaram a querer experiências diferentes, como um capuccino com borda. Elas estão naquele momento ‘eu mereço, eu me permito isso’”, afirma o gestor. Uma das estratégias da Rei do Mate foi diversificar o mix de produtos, com maior valor agregado, o que permite margens maiores.

O desafio, no entanto, é manter um produto competitivo e de qualidade diante da inflação. “Do início do ano para cá, o queijo aumentou 100%. Farinha, embalagens, café… Esses produtos tiveram uma inflação muito acima do que a gente vê nas matérias de jornais. Os preços perderam uma referência”, lamenta Nasraui.

Marcos Magro, diretor geral da Mini Kalzone, concorda. Para ele, a alta dos insumos é um dos grandes vilões das franquias. “O bolso do cliente é cada vez mais importante na decisão de compra. Em um cenário de inflação crescente, a gente se preocupa em garantir que o preço dos produtos não vai ficar alterando o tempo todo na ponta”, explica. Como a Mini Kalzone faz isso? Buscando fornecedores parceiros e negociação forte de longo prazo. Segundo Magro, a empresa mantém contratos de cinco a dez anos com fornecedores que incluem Sadia e Catupiry.

Além da multicanalidade e das parcerias, as franquias também apostam em novos formatos. Conhecida por seus alfajores, a Havanna Cafeteria Argentina diversificou os pontos de venda, prezando pela agilidade do serviço. “Acreditamos no modelo ‘to go’, com lojas com atendimento rápido e que permitem ao cliente levar o pedido para viagem”, explica o diretor geral da marca, Diego Hermán. Atualmente, há lojas e quiosques da Havanna não só em shoppings e aeroportos como em livrarias e hospitais.

A localização se tornou um aspecto preponderante desde o início da pandemia. Segundo a ABF, cerca de 40% das lojas em shopping centers são franquias. Com os empreendimentos fechados durante a quarentena, as marcas foram obrigadas a negociar o preço do aluguel. Outro alívio foi a suspensão temporária dos funcionários, por meio de uma medida provisória do governo federal.

“Cada um foi contribuindo com a sua parte: shoppings, franqueadoras, governo. No fim, conseguimos atravessar a crise”, afirma Peterson Guedes, gerente de expansão da rede de perfumarias Água de Cheiro. Atualmente, a empresa tem 170 pontos de venda e pretende inaugurar mais cem até o fim do ano. “Muitas pessoas pensam em uma segunda fonte de renda”, explica Guedes, sobre a projeção de franqueados. “No nosso caso, o investimento é baixo (a partir de R$ 100 mil) e o payback é rápido.”

Na mesma toada, a rede de clínicas dentárias Oral Sin percebeu que havia espaço para crescer em pequenos municípios. Hoje, segundo o diretor de expansão José Henrique da Silva, o modelo de negócios da rede é preparado para atender tanto uma cidade com mais de 1 milhão de habitantes quanto uma de apenas 20 mil. Muitos dentistas, inclusive, convertem a bandeira: transformam o consultório particular em uma Oral Sin.

No primeiro trimestre de 2022, o Brasil tinha 2.869 marcas franqueadoras, totalizando praticamente 174 mil unidades em 56% (3.124) dos 5.570 municípios. Ao que tudo indica, todos esses números devem crescer.

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