ESG
4 min de leitura

Governança estratégica: a gestão de riscos psicossociais integrada à performance corporativa

A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido
Doutora em psicologia e CEO da Bee Touch*

Compartilhar:

Governança corporativa. Para muitos, um termo que evoca reuniões longas, gráficos detalhados e discussões acaloradas sobre estratégias de mercado. Mas, nos últimos tempos, um novo tema começou a permear essas conversas: a gestão de riscos psicossociais. No início, a ideia parecia estranha para alguns membros dos conselhos, quase uma intrusão em meio a balanços e previsões financeiras. “Saúde mental? No conselho?” Alguém poderia se perguntar. Porém, como acontece com tantas inovações, as resistências foram gradualmente se desfazendo, conforme os números começaram a aparecer.

E que números. A Organização Internacional do Trabalho já alertava: 4% do PIB mundial perdido todos os anos devido à má gestão de riscos psicossociais. Traduzindo em cifras mais palpáveis, estamos falando de algo em torno de US$ 3 trilhões. Isso mesmo, trilhões. Não se trata apenas de funcionários faltando ao trabalho. O impacto é mais profundo e mais sutil. Aqueles que estão presentes, mas não conseguem se concentrar. Os que se esforçam, mas não rendem o que poderiam. E, claro, os que pedem demissão, deixando um rastro de custos para recrutamento e treinamento de novos talentos.

No Brasil, a situação não é diferente. A recente ampliação da NR1, que inclui diretrizes mais robustas para a gestão de riscos psicossociais, reflete uma crescente consciência sobre a importância desse tema. A NR1 agora exige que as empresas avaliem e gerenciem os riscos psicossociais de maneira sistemática, um passo significativo para alinhar a legislação nacional com as melhores práticas globais. No cenário brasileiro, onde a informalidade e as lacunas na implementação muitas vezes predominam, essa atualização representa uma tentativa concreta de colocar a saúde mental no centro da gestão corporativa.

Conselhos ao redor do mundo começaram a perceber que ignorar essa questão não é apenas uma falta de empatia — é uma má decisão de negócios. Em uma dessas reuniões que parecem se estender pela eternidade, um conselheiro veterano, depois de ouvir as apresentações sobre produtividade e saúde mental, comentou com um sorriso irônico: “Então, no final das contas, cuidar das pessoas também é lucrativo?”. Era uma piada, mas carregava uma verdade inegável. A Deloitte, com suas pesquisas implacáveis, mostrou que para cada dólar investido em programas de saúde mental, o retorno é de quatro dólares. O que antes era visto como um “custo” agora é entendido como um investimento, e um bastante vantajoso.

A Europa, sempre um passo à frente quando o assunto é qualidade de vida, começou a se movimentar. SAP, Siemens, nomes de peso. Empresas que entenderam que um funcionário saudável, em todos os sentidos, é um funcionário produtivo. Nos Estados Unidos, gigantes como Google e Johnson & Johnson não ficaram atrás, ajustando suas políticas internas para incorporar a saúde mental como prioridade. O que parecia distante, uma questão “pessoal” ou “privada”, passou a ser debatido em salas de conselhos como um dos principais desafios da governança moderna.

No Brasil, a atualização da NR1 tem o potencial de ser um divisor de águas. Com uma maior ênfase na gestão de riscos psicossociais, as empresas brasileiras terão a chance de alinhar-se aos padrões globais e melhorar não apenas a conformidade, mas também a saúde e a produtividade de seus funcionários. É um reflexo do reconhecimento crescente de que a saúde mental não pode ser tratada como um assunto secundário.

E não é para menos. Em um mundo cada vez mais competitivo, onde a inovação é constante e a pressão por resultados nunca foi tão intensa, negligenciar a saúde psicossocial dos trabalhadores é, em última análise, perder dinheiro. Já não estamos falando de boas intenções ou modismos corporativos, mas de uma necessidade clara de sobrevivência. E, talvez, de maturidade.

Os C-levels, aqueles que estão na linha de frente das decisões estratégicas, têm agora uma nova missão: integrar essa nova realidade ao tecido da governança corporativa. Não é suficiente discutir riscos financeiros ou operacionais. Os riscos psicossociais precisam ocupar um espaço tão importante quanto. Porque, no final das contas, a longevidade de uma empresa não se mede apenas pelos números que ela apresenta ao mercado, mas pela resiliência e bem-estar de quem faz essa máquina funcionar todos os dias.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

A difícil arte de premiar sem capitular

Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Empreendedorismo
Alinhando estratégia, cultura organizacional e gestão da demanda, a indústria farmacêutica pode superar desafios macroeconômicos e garantir crescimento sustentável.

Ricardo Borgatti

5 min de leitura
Empreendedorismo
A Geração Z não está apenas entrando no mercado de trabalho — está reescrevendo suas regras. Entre o choque de valores com lideranças tradicionais, a crise da saúde mental e a busca por propósito, as empresas enfrentam um desafio inédito: adaptar-se ou tornar-se irrelevantes.

Átila Persici

8 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A matemática, a gramática e a lógica sempre foram fundamentais para o desenvolvimento humano. Agora, diante da ascensão da IA, elas se tornam ainda mais cruciais—não apenas para criar a tecnologia, mas para compreendê-la, usá-la e garantir que ela impulsione a sociedade de forma equitativa.

Rodrigo Magnago

4 min de leitura
ESG
Compreenda como a parceria entre Livelo e Specialisterne está transformando o ambiente corporativo pela inovação e inclusão

Marcelo Vitoriano

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O anúncio do Majorana 1, chip da Microsoft que promete resolver um dos maiores desafios do setor – a estabilidade dos qubits –, pode marcar o início de uma nova era. Se bem-sucedido, esse avanço pode destravar aplicações transformadoras em segurança digital, descoberta de medicamentos e otimização industrial. Mas será que estamos realmente próximos da disrupção ou a computação quântica seguirá sendo uma promessa distante?

Leandro Mattos

6 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Entenda como a ReRe, ao investigar dados sobre resíduos sólidos e circularidade, enfrenta obstáculos diários no uso sustentável de IA, por isso está apostando em abordagens contraintuitivas e na validação rigorosa de hipóteses. A Inteligência Artificial promete transformar setores inteiros, mas sua aplicação em países em desenvolvimento enfrenta desafios estruturais profundos.

Rodrigo Magnago

4 min de leitura
Liderança
As tendências de liderança para 2025 exigem adaptação, inovação e um olhar humano. Em um cenário de transformação acelerada, líderes precisam equilibrar tecnologia e pessoas, promovendo colaboração, inclusão e resiliência para construir o futuro.

Maria Augusta Orofino

4 min de leitura
Finanças
Programas como Finep, Embrapii e a Plataforma Inovação para a Indústria demonstram como a captação de recursos não apenas viabiliza projetos, mas também estimula a colaboração interinstitucional, reduz riscos e fortalece o ecossistema de inovação. Esse modelo de cocriação, aliado ao suporte financeiro, acelera a transformação de ideias em soluções aplicáveis, promovendo um mercado mais dinâmico e competitivo.

Eline Casasola

4 min de leitura
Empreendedorismo
No mundo corporativo, insistir em abordagens tradicionais pode ser como buscar manualmente uma agulha no palheiro — ineficiente e lento. Mas e se, em vez de procurar, queimássemos o palheiro? Empresas como Slack e IBM mostraram que inovação exige romper com estruturas ultrapassadas e abraçar mudanças radicais.

Lilian Cruz

5 min de leitura
ESG
Conheça as 8 habilidades necessárias para que o profissional sênior esteja em consonância com o conceito de trabalhabilidade

Cris Sabbag

6 min de leitura