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Healthcare: O desafio é alinhar a cadeia de valor

Combater a fragmentação no setor de saúde é a saída para a competitividade e a rentabilidade do setor; os players brasileiros sofrem ainda mais com a fragmentação

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Ninguém discorda que o setor de saúde é uma das indústrias mais importantes do mundo. O impacto econômico anual dos segmentos hospitalar, farmacêutico e de equipamentos médicos totaliza vários trilhões de dólares, representando mais de 10% do produto interno bruto global. É um dos setores que mais costumam gerar empregos e um dos mais inovadores – 7 das 25 empresas mais inovadoras de 2018 da Fast Company têm projetos na área da saúde.

No entanto, estudos do Commonwealth Fund identificam sérias deficiências em equidade de tratamento, eficiência e resultados de saúde em todo o mundo. Indivíduos e organizações do setor precisam lutar demais para atingir o “triplo objetivo” que buscam: diminuir o custo per capita, melhorar a saúde de uma população e melhorar a experiência dos pacientes. 

Segundo Will Mitchell, professor da Rotman School of Management, ligada à University of Toronto, “apesar dos nossos [cada vez mais vastos] conhecimentos de saúde, estamos longe de alcançar seus benefícios potenciais e o problema não é a falta de dinheiro, compromisso ou habilidade individual. Todos os países desenvolvidos investem recursos substanciais na área da saúde. A questão-chave – tanto nos mercados desenvolvidos tradicionais quanto nos emergentes – é que os sistemas de saúde são altamente fragmentados”. 

Quais seriam os fragmentos? São os principais atores do setor de saúde, que, juntos, formam os principais elementos da cadeia de atividades que geram valor para os pacientes: 

• A ciência, que tanto no ambiente acadêmico quanto na prática clínica cria novos produtos e procedimentos; 

• Os fornecedores industriais que trazem os produtos e os procedimentos para o mercado; 

• Os órgãos públicos que fornecem supervisão regulatória sobre segurança e eficácia; 

• Os prestadores de serviços de saúde, incluindo clínicos e administrativos, que gerenciam ou que recomendam produtos e procedimentos; 

• As fontes pagadoras, sejam elas o setor público, as empresas privadas ou os indivíduos.

Existem dois grandes problemas nessa cadeia. Em primeiro lugar, as necessidades dos pacientes são levadas em conta a posteriori. Embora todos os players do lado da oferta se refiram universalmente aos pacientes como o principal motivador de suas decisões, a realidade é que os desafios de desenvolvimento, fornecimento, gestão e pagamento de bens e serviços comumente embaçam o que seria valioso para esses pacientes (e que mereceria o foco).

Em segundo lugar, os atores se conectam apenas a distância, por meio de contratos formais e de relacionamentos desconfiados, com compartilhamento limitado de conhecimento. E o dinheiro e o conhecimento que fluem por meio do sistema sofrem de grandes descontinuidades. 

Simplificando, os múltiplos atores do sistema de saúde carecem de incentivos para tomar decisões que sejam melhores para as necessidades do paciente. Mesmo que isso também possa ser o melhor para a força do próprio sistema de saúde.

Vinícius Fontes, managing director da Accenture Digital no Brasil e especialista em healthcare, vê a fragmentação como preocupante e aponta o dedo para os incentivos. “No atual modelo do setor de saúde, além do fato de cada player na cadeia ter um incentivo diferente, ele também tem uma visão parcial do problema do paciente, o que dificultará que sua empresa crie soluções inovadoras para colocar o paciente no centro”, diz.

“Um exemplo simples do que a fragmentação faz é o agendamento de um exame. O paciente pode usar uma solução de agendamento que seja do seu plano de saúde, do SUS [Sistema Único de Saúde], do hospital, da clínica médica em que fez a consulta, ou do laboratório em que realizará o exame. Se fôssemos integrados, seria diferente: haveria o histórico de saúde do paciente para alertar os médicos sobre uma condição clínica, agendaríamos automaticamente consultas e exames baseados nisso e na localização da pessoa, aprovaríamos e direcionaríamos o paciente para o provedor de saúde com a maior capacidade de resolver seu problema”, ilustra Fontes. Hoje, com a fragmentação, cabe ao paciente achar a melhor solução, o que é um problema para ele e também para os players do setor, à medida que reduz eficiência e que, como lembra Fontes, deixa espaço para novos entrantes e suas disrupções.

Para Armando Lopes, diretor-geral da Siemens Healthineers no Brasil, a fragmentação é um problema sério, mas a integração pode acontecer. “À medida que cada elemento da cadeia de saúde adote uma visão mais holística e discuta projetos em conjunto com os demais, inovaremos muito mais, inclusive para lidar com a enorme pressão de custos decorrente da maior expectativa de vida.

**ALINHAR INCENTIVOS**

Como podemos ter uma cadeia de valor de healthcare mais integrada, se nem consenso há sobre a necessidade de integração? Para o estudioso do assunto Will Mitchell, o primeiro e mais importante passo é os pacientes se tornarem os elementos centrais da cadeia. Em segundo, deve haver um alinhamento maior dos interesses dos atores da saúde, resultando em melhor uso dos recursos financeiros e mais informações compartilhadas.

A palavra-chave para que isso aconteça é “incentivo”. “Se houver alguma sobreposição de incentivos para inovar junto, compartilhar custos etc., teremos um sistema de saúde inquestionavelmente mais sólido”, afirma Mitchell, reconhecendo ser impossível que os diferentes atores se alinhem completamente. 

A sobreposição de incentivos pode começar na forma de singelas parcerias, por exemplo. Regina Herzlinger, professora da Harvard Business School, contou em entrevista à MIT Sloan Management Review que algumas empresas do setor de saúde estão se unindo a colaboradores mais periféricos para reduzir custos, aumentar a eficiência, entender melhor e resolver mais facilmente os problemas dos clientes. Herzlinger se referiu especificamente a parcerias entre seguradoras e varejistas de saúde. “Por exemplo, CVS e Walmart uniram forças com grandes seguradoras de saúde como a Aetna e a Humana”, disse Herzlinger. Agora, se um cidadão tem diabetes, ele pode ir ao Walmart, que tem 4.800 lojas convenientemente localizadas, e fazer sua hemodiálise.

“Cada vez mais gente está entendendo que a fragmentação excessiva é um grande problema para o setor no Brasil”, afirma Jorge Carvalho, sócio da HealthCO, consultoria de saúde empresarial. “É uma cadeia longa de atores e todos olham mais para os próprios interesses do que para o conjunto, prejudicando-se mutuamente.” O maior problema, para Carvalho, é a dificuldade para inovar rumo à integração no Brasil. “Temos barreiras legislativas que nos EUA não existem. Somente agora tivemos a liberação da telemedicina, por exemplo. Estamos dez anos atrás do que acontece nos EUA.” 

A transformação digital em curso é o que tem chance de melhorar as coisas, na visão do sócio da HealthCO. Com ela o paciente se empodera, pressiona e acabará por provocar a mudança dos atores – incluindo o governo. O médico de família, que acompanha a saúde do indivíduo e seus familiares e o ajuda a navegar no sistema, também pode ser um fator integrador, ao mudar o modelo intervencionista e centrado no especialista para a coordenação dos cuidados.

> **4 tecnologias que colocam o paciente no centro**
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> Fala-se muito em edição genética, mas as tecnologias que colocam o paciente no centro das decisões estão entre as mais promissoras. John Halamka, professor da Harvard Medical School, abordou quatro delas em palestra recente na Singularity University:
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> **Machine learning**
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> A inteligência artificial pode reduzir a carga de documentação dos clínicos usando funções como processamento de linguagem natural. Também pode aumentar a capacidade dos médicos de entender evidências e tomar decisões informadas. Essas decisões podem ser qual antibiótico prescrever a um paciente ou o intervalo de tempo durante o qual uma sala de cirurgia deve ser reservada. 
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> **Big data**
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> Com a integração de registros eletrônicos de saúde (EHRs), os pacientes poderão analisar sua experiência de vida e compará–la com uma grande massa de dados.
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> Quando sua mulher, sul-coreana, foi diagnosticada com câncer, Halamka usou uma ferramenta de código aberto chamada i2b2 para extrair dados dos 17 hospitais ligados à Harvard University, analisando tratamentos e resultados de mulheres com o mesmo tipo de câncer, a mesma idade e etnia, para descobrir o melhor tratamento.
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> **Internet das coisas**
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> Halamka decidiu fazer um experimento de automedicação para tratar sua hipertensão. Ele usou sensores em torno de sua casa e escritório para monitorar seu humor, sua energia, sua pressão arterial, seu pulso e outros indicadores. “Eu fui capaz de adaptar minha medicação para a dose certa, com a saída certa e o menor número de efeitos colaterais para mim”, disse ele. “E esse é o tipo de atitude que todos nós queremos.”
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> **Telemedicina**
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> Halamka é o maior especialista em cogumelos e plantas venenosas dos Estados Unidos, e realiza 900 consultas de telemedicina todos os anos. “Viajo com meu iPhone e fico recebendo imagens e casos de todo o mundo; com uma interação virtual, desenvolvo uma terapia que mantém as pessoas saudáveis. É de baixo custo e eficiente. “O desafio é a política. Licenças locais e seguros contra erros médicos podem dificultar a travessia de fronteiras.” (Singularity Hub)

**QUEM VAI LIDERAR**

Mais do que a necessidade de alinhar-se, o questionamento central parece ser sobre quem vai liderar o alinhamento. O processo está sendo aos poucos conduzido por grandes empresas, pelo que relata Jorge Carvalho, da HealthCO. “Uma tendência que observamos é a de grandes empregadores tomando as rédeas dos cuidados com a saúde de seus funcionários, sob a pressão dos altos custos de renovação dos planos de saúde. Eles internalizam procedimentos e se sentam com os diferentes fornecedores para melhorar a eficiência dos serviços. Cerca de 80% dos problemas de saúde podem ser resolvidos por estruturas bem menos complexas que as de um hospital”, observa Carvalho. “Mapeando a saúde dos seus funcionários, implementando um suporte médico por telefone 0800 ou mesmo um ambulatório, a empresa vê que consegue reduzir custos, ineficiências e fraudes, e está fazendo isso.” 

Para Mitchell, da Rotman School, as empresas de equipamento médicos, como Siemens e GE, e de produtos farmacêuticos – fabricantes e distribuidoras – são as mais bem posicionadas na cadeia de valor para liderar o alinhamento de incentivos e a integração.

“Os fornecedores de equipamentos muitas vezes já se aliam a diferentes players do setor de saúde, contribuindo para a integração das informações e dos recursos, e participando mais ativamente do desenho das soluções que sejam centradas no paciente”, concorda Fontes.

Falta-lhes, no entanto, colocar o paciente realmente no centro, à maneira de empresas digitais como Netflix e Uber. Em healthcare, aspectos do paciente como expectativas, anseios e dificuldades não necessariamente são levados em conta na solução. “Já nas empresas digitais, ter o foco no cliente é desenhar uma solução para ele envolvendo-o desde o início e considerando que a experiência entregue inclui a percepção dele”, afirma Fontes.

Para Lopes, a indústria de equipamentos é, sim, capaz de conduzir essa integração, por “conhecer o segmento de saúde de ponta a ponta e por participar ativamente das discussões que visem maior entrosamento do setor e dos projetos que atravessam silos”.

A integração não é um processo fácil. Entram aí propostas de novos processos, revisão de papéis dos stakeholders, entendimento mais profundo da geração de valor na cadeia de saúde (e da distribuição desse valor pelos elos). “Nós da área industrial já estamos nessa sintonia, pois vivemos a transição da tecnologia como produto para a tecnologia como serviço, passando a ser remunerados pelo benefício que nossa tecnologia vai trazer ao cliente”, diz Lopes.

Talvez o Brasil queira obter integração de modo distinto. “O problema da fragmentação do sistema de saúde é bastante similar ao redor do mundo; o que muda significativamente é a forma de cada país lidar com ele”, analisa Fontes.“No mercado norte-

-americano, a digitalização e a prevenção são as abordagens que mais recebem investimentos – segundo o report Digital Health, produzido pela StartUp Health, só em 2017, foram investidos mais de US$ 11 bilhões nessas duas frentes nos EUA. 

O mercado europeu, por sua vez, tem trabalhado a integração das informações de saúde pelos governos para que sejam tomadas melhores decisões e haja maior eficiência do sistema de saúde. E, no Brasil, a solução parece estar se voltando para a verticalização; essa é uma discussão muito presente e o mercado investidor tem premiado as empresas que estão fazendo esse movimento. “Cada movimento tem suas vantagens e suas desvantagens, mas um ponto comum é que as pessoas mudaram seus comportamentos e suas expectativas com relação aos serviços de saúde e as soluções devem considerar essa nova realidade para maximizar o valor gerado de seus investimentos na busca de solucionar o problema da fragmentação”, diz Fontes, da Accenture Digital.

Há, no Brasil, alternativas à verticalização? “Eu gosto muito de projetos de colaboração envolvendo stakeholders”, diz Lopes, da Siemens Healthineers. Ele dá o exemplo de uma solução desenvolvida por sua empresa em conjunto com o Hospital Sírio-Libanês para detecção de achados incidentais de nódulos pulmonares. “A solução permitirá que laudos de tomografia sejam ‘lidos’ por um algoritmo de inteligência artificial. Todos que tiverem achados de nódulos pulmonares seguirão automaticamente para uma lista de acompanhamento, evitando que um eventual câncer tome proporções em que sua cura se torne mais difícil e mais cara.” Como explica Lopes, essa solução envolve os três elementos em jogo no alinhamento: (1) disposição de fazer parceria com outro stakeholder; (2) visão clara, e desde o início, do benefício para o paciente; e (3) enorme potencial de redução de custo (nesse caso, por conta da detecção precoce e da prevenção).

**MUDANDO O PARADIGMA**

O modelo fragmentado de sistema de saúde funcionou bem por muitos anos, mas foi criando vários desafios de acesso e eficiência, e agora é considerado sobretudo um problema, como revelam os debates na maioria dos países, segundo o consultor da Accenture. 

A grande inovação que se espera hoje em healthcare é, portanto, a integração. Ainda mais no Brasil, que tem um sistema de saúde sobrecarregado por índices importantes de doenças infectoparasitárias e degenerativas, e de ocorrências resultantes de violência.

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