Inteligência artificial e gestão

IA generativa como elemento de justiça social

O Brasil deve enfrentar alguns desafios para evitar que a inteligência artificial agrave a desigualdade social no País. A democratização de acesso à internet e às novas tecnologias seria uma das soluções para que essa projeção não se torne realidade
Luciana Vidigal é consultora de comunicação e novos negócios da CoWork Comunicação. Publicitária, entusiasta da transformação digital e ansiosa pela chegada de novas tecnologias.

Compartilhar:

A paixão do brasileiro por tecnologia já foi amplamente documentada: adoramos uma novidade digital. Com a inteligência artificial (IA) generativa não é diferente. Um estudo da agência Semrush, com dados de janeiro de 2023, coloca o Brasil entre os cinco países que mais acessam o ChatGPT. Dos 863 milhões de acessos à ferramenta (até a data da pesquisa), 4,3% vieram daqui.

Isso é bom? Provavelmente sim. Mas… tem sempre um mas.

A integração da IA generativa ao cotidiano é um movimento sem volta, como o Pix e os vídeos de dancinhas. Em breve, todo tipo de trabalho será realizado com o auxílio (ou totalmente) de robôs, já que os assistentes digitais inteligentes farão parte da paisagem profissional, educacional, de lazer – e do que mais sua imaginação alcançar.

Especialistas chamam essa tendência de os humanos se misturarem com máquinas de simbiose tecnológica. Nesse sentido, estamos falando não apenas de uma revolução tecnológica, mas de uma mudança profunda no estilo de vida. E, apesar de toda a afinidade e curiosidade do brasileiro sobre ferramentas digitais, vamos combinar que nem todo mundo está preparado para uma mudança dessa proporção. Se é que alguém está.

A consequência mais imediata e visível atinge o mercado de trabalho. O Fórum Econômico Mundial tem um estudo sobre isso, no qual estima que 85 milhões de empregos vão desaparecer no mundo inteiro nos próximos dois anos, mas 97 milhões de novos postos serão gerados.

Quais empregos serão esses ainda não se sabe bem – muitas dessas funções ainda nem existem. A única certeza é que quem não adquirir novas habilidades e capacitações profissionais terá muita dificuldade não só no trabalho, mas em vários aspectos do cotidiano.

Imagine, por exemplo, perguntar a um ChatGPT da vida “estou com dor no peito, o que pode ser?” – uma descrição de menos de dez palavras. Agora pense que tipo de resposta a máquina devolveria se a descrição fosse mais detalhada, por exemplo, citando temperatura do corpo, batimentos cardíacos, tontura, náusea etc. Dá para perceber que, dependendo do nível de conhecimento da pessoa, ela vai usar a ferramenta de forma mais eficiente.

Esse tipo de reflexão me faz pensar que o risco de a inteligência artificial aumentar a desigualdade social é bem real. Na educação, por exemplo, a IA generativa vai nos ajudar a desenvolver o pensamento crítico e a criatividade, a aprender a reconhecer notícias falsas e dados incorretos, a não nos contentar com respostas genéricas e superficiais.

Mas isso vale só para quem tiver acesso à tecnologia. E, no Brasil, uma em cada cinco escolas não tem sequer acesso à internet. Na pandemia, nove em cada dez professores da rede pública apontaram a falta de dispositivos e acesso à internet como a principal dificuldade dos alunos para acompanhar as aulas online.

Temos então dois desafios a vencer se quisermos realmente evitar que a revolução tecnológica em curso aprofunde (em vez de reduzir) a desigualdade social: primeiro, a falta de conectividade na rede pública de ensino e nas casas das populações mais vulneráveis. Segundo, a oferta de informação, treinamento e capacitação para que as pessoas consigam navegar nesse novo mundo povoado por máquinas inteligentes. Isso vale não só para os menos escolarizados, mas também para os mais velhos e os que serão mais atingidos pela automação.

É bem verdade que já existe uma lista de “prompts” (os comandos que inserimos em busca de respostas) que geram os melhores resultados, o que facilita o uso da tecnologia. O robô transforma a frase, ou pedido, em tokens (elementos que representam as palavras) e compara com os bilhões de parâmetros que têm disponíveis em sua memória. Com isso, ele deduz o problema e constrói uma resposta. Mas essa resposta será melhor quanto melhor for a pergunta. Formação e pensamento crítico, lembra?

Se pararmos para pensar, desde sempre fomos pagos para trabalhar. Porém, em breve vamos receber para estudar, porque o novo mercado de trabalho vai precisar de atualizações frequentes, treinamento e capacitação. Quem quiser acompanhar o que acontece na cultura, na economia, no planeta terá que seguir esse caminho. Tudo vai se transformar e se redefinir, por isso, os aprendizados constantes e permanentes serão vitais.

O nível de educação (e, por extensão, o contexto econômico e social) influencia fortemente o grau de aproveitamento que se pode obter da IA generativa. Para evitar que a defasagem econômica, social e educacional torne a tecnologia um fator a mais de desigualdade, precisamos investir fortemente em educação, da base ao topo. Essa pode ser nossa grande chance de voltarmos aos trilhos do desenvolvimento, só que, desta vez, com justiça social.

Compartilhar:

Artigos relacionados

China

O Legado do Progresso

A celebração dos 120 anos de Deng Xiaoping destaca como suas reformas revolucionaram a China, transformando-a em uma potência global e marcando uma era de crescimento econômico, inovação e avanços sociais sem precedentes.

Calendário

Não, o ano ainda não acabou!

Em meio à letargia de fim de ano, um chamado à consciência: os últimos dias de 2024 são uma oportunidade valiosa de ressignificar trajetórias e construir propósito.

Lifelong learning
Quais tendências estão sendo vistas e bem recebidas nos novos formatos de aprendizagem nas organizações?

Vanessa Pacheco Amaral

ESG
Investimentos significativos em tecnologia, infraestrutura e políticas governamentais favoráveis podem tornar o país líder global do setor de combustíveis sustentáveis

Deloitte

Estratégia, Liderança, times e cultura, Cultura organizacional
À medida que o mercado de benefícios corporativos cresce as empresas que investem em benefícios personalizados e flexíveis não apenas aumentam a satisfação e a produtividade dos colaboradores, mas também se destacam no mercado ao reduzir a rotatividade e atrair talentos.

Rodrigo Caiado

Empreendedorismo, Liderança
Entendimento e valorização das características existentes no sistema, ou affordances, podem acelerar a inovação e otimizar processos, demonstrando a importância de respeitar e utilizar os recursos e capacidades já presentes no ambiente para promover mudanças eficazes.

Manoel Pimentel

ESG, Liderança, times e cultura, Liderança
Conheça e entenda como transformar o etarismo em uma oportunidade de negócio com Marcelo Murilo, VP de inovação e tecnologia da Benner e conselheiro do Instituto Capitalismo Consciente.

Marcelo Murilo

ESG
Com as eleições municipais se aproximando, é crucial identificar candidatas comprometidas com a defesa dos direitos das mulheres, garantindo maior representatividade e equidade nos espaços de poder.

Ana Fontes

ESG, Empreendedorismo
Estar na linha de frente da luta por formações e pelo desenvolvimento de oportunidades de emprego e educação é uma das frentes que Rachel Maia lida em seu dia-dia e neste texto a Presidente do Pacto Global da ONU Brasil traz um panorama sobre estes aspectos atuais.

Rachel Maia

Conteúdo de marca, Marketing e vendas, Marketing Business Driven, Liderança, times e cultura, Liderança
Excluído o fator remuneração, o que faz pessoas de diferentes gerações saírem dos seus empregos?

Bruna Gomes Mascarenhas

Blockchain
07 de agosto
Em sua estreia como colunista da HSM Management, Carolina Ferrés, fundadora da Blue City e partner na POK, traz atenção para a necessidade crescente de validar a autenticidade de informações e certificações, pois tecnologias como blockchain e NFTs, estão revolucionando a educação e diversos setores.
6 min de leitura
Transformação Digital, ESG
A gestão algorítmica está transformando o mundo do trabalho com o uso de algoritmos para monitorar e tomar decisões, mas levanta preocupações sobre desumanização e equidade, especialmente para as mulheres. A implementação ética e supervisão humana são essenciais para garantir justiça e dignidade no ambiente de trabalho.

Carine Roos