Por Carolina Ignarra, CEO e fundadora do Grupo Talento.
A empregabilidade da pessoa com deficiência é o tema desta coluna, um espaço nobre que funciona, antes de tudo, como um aliado da inclusão.
No dia 3/12 é celebrado o “Dia Internacional da Pessoa com Deficiência”, mas por que o mercado de trabalho ainda coloca o capacitismo à frente da capacidade da pessoa com deficiência? Pós 33 anos da Lei de Cotas e ainda que a agenda ESG esteja cobrando das empresas mais responsabilidade com as pessoas, a realidade é que continuamos a exclusão, desde os nossos processos de seleção até a abertura de oportunidades que precisam ir além dos cargos de entrada. Tudo isso por conta do capacitismo que prevalece na avaliação e julgamentos sobre as capacidades do profissional com deficiência.
Imagine-se no seu ambiente de trabalho ouvindo todos os dias frases como: “Você é tão linda e tão competente. Nem parece que tem deficiência!”; “Eu que sou perfeito já tenho dificuldade…”; “Temos vagas para PcD’s.”;“Eu com as duas pernas não entrego metade do que ela entrega”; “Você não foi demitido ainda por causa da cota”, entre tantas outras…
Essas frases são as microagressões que, mesmo sem intenção, oprimem e causam exclusão às pessoas com deficiência. Mais que isso, elas fortalecem os estereótipos capacitistas em diferentes formas: desde uma suposta “preocupação” em poupar uma pessoa com deficiência de uma tarefa até a ideia de que sua presença se limita ao cumprimento de uma cota.
Ainda que sem intenção é uma agressão que oprime. Imagine então, quantas vezes a mesma pessoa com deficiência enfrenta frases como essas em apenas um dia de trabalho ou em apenas algumas horas.
Os números do capacitismo
Esse capacitismo disfarçado de ‘EU TE AMO’ porque quer parecer protetor e cuidadoso é na verdade uma opressão que impacta a carreira da pessoa com deficiência. As estatísticas comprovam isso. Das cotas que as empresas devem cumprir como exige a Lei de Cotas – que completou 33 anos), apenas 49% estão ocupadas (segundo os dados do Ministério do Trabalho de 2021).
A pesquisa realizada pelo Instituto NOZ com mais de 3.700 pessoas com deficiência no país mostrou que, ainda que consigam uma oportunidade de trabalhar, têm impacto no seu crescimento profissional. O levantamento mostra que 72% das pessoas com deficiência têm formação universitária completa, ainda assim, 60% das pessoas respondentes nunca foram promovidas e 59% nunca receberam aumento de salário. Não é falta de qualificação.
Ao observar algumas empresas que atendemos pela Talento Incluir, identificamos que 68% das pessoas com deficiência contratadas há mais de cinco anos nessas empresas nunca foram promovidas. Só quando a gente acompanhar pessoas com deficiência crescendo em suas carreiras é que a gente vai perceber – de fato – o processo de inclusão acontecendo.
O impacto na carreira de pessoas com deficiência
Tudo isso traz uma certeza: o capacitismo – esse termo novo para um comportamento antigo e persistente – oprime com ou sem intenção é a principal barreira na carreira da pessoa com deficiência e entenda por quê:
- O capacitismo inibe as capacidades das pessoas com deficiência: a pessoa com deficiência deve ser avaliada por sua capacidade de cumprir suas funções e deve ser avaliada e considerada como outra pessoa da equipe, sem deficiência.
- O capacitismo atinge a autoestima das pessoas com deficiência e, como consequência causa o auto capacitismo: o capacitismo desencadeia um comportamento auto capacitista, que beira o vitimismo para a pessoa com deficiência. É preciso entender que se trata de uma reação a um comportamento capacitista inicial.
- O capacitismo silencia a pessoa com deficiência: costumo dizer que o capacitismo leva a pessoa com deficiência “para o armário” na tentativa de esconder ou negar a sua deficiência, especialmente quando a deficiência é menos aparente.
- O capacitismo expurga a pessoa com deficiência: o capacitismo cancela as oportunidades de crescimento de carreira e faz com que as pessoas com deficiência, ainda que muito bem qualificada para o cargo, saía da empresa em busca de outro lugar que de fato a valorizasse como profissional, confiando no seu potencial, independentemente de ser uma pessoa com deficiência.
Como ser uma pessoa anticapacitista, aliada da inclusão?
Diante disso, o que podemos fazer para ser uma pessoa aliada da pessoa com deficiência? São quatro atitudes que realmente mudam e transformam comportamentos:
- Assumir nosso capacitismo: não existe capacitismo zero e é preciso aceitar que você está em desconstrução, porém sem se acomodar nessa justificativa. É para encarar de fato essa transformação. Continuar a buscar informação e manter-se na posição de humildade para esse aprendizado constante.
- Buscar a convivência de forma intencional: lembrar da intencionalidade. Convidar pessoas com deficiência do seu trabalho para aquele café, para ‘bater papo’. Temos travas espontâneas para não fazer isso. Identificar esses ‘desconfortos’ é o primeiro passo para superá-los.
- Manter a autovigilância: manter-se no lugar de aprendiz e estar sempre atenta para não reproduzir atitudes ultrapassadas. Quando estiver insegura se pergunte se ainda tem receio de falar sobre o tema, se você já liberou as travas que a impedem de conhecer mais sobre a pessoa com deficiência;
- Adotar postura anticapacitista: nem sempre podemos nos defender de atitudes capacitistas (piadas, apelidos, frases como aquelas citadas no início do texto), por isso precisamos de pessoas aliadas, sem deficiência e com energia para falar por nós nesses momentos, sem nos calar, acolhendo e nos encorajando. Quando você perceber que uma pessoa com deficiência se calou a defenda, acolha e dê a ela a força para se posicionar.
Para repensar padrões
O papel da pessoa aliada não é defender e muito menos negar a deficiência da pessoa. Dizer que alguém nem parece ter deficiência não é ser aliado. É ser capacitista. Essa frase reforça a ideia de que a deficiência desqualifica alguém para um trabalho ou qualquer outra iniciativa. Mais uma vez: com ou sem intenção o capacitismo oprime!
Para incluir use a palavra DICA: Disposição, Informação, Convivência e Atitude. É estar pronto para um investimento de tempo e de dinheiro, e para uma entrega emocional, para se desconstruir capacitista e nesse momento que você vai descobrir o quanto oprimiu pessoas com deficiência ao longo de sua vida. Talvez até vá tentar fugir desse aprendizado, o que vai fazer você cometer os mesmos erros. Não desista da inclusão!
Continue com essa disposição emocional para se construir anticapacitista. É preciso repensar os padrões e lembrar que se a gente não acorda com a intenção de incluir, a gente exclui consequentemente.