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Infelicidade recorde no mundo: duas coisas que as empresas podem fazer

A “desigualdade de bem-estar” está passando despercebida pelos líderes – de governos e empresas. Entre outras razões, a invisibilidade vem do fato de faltarem dados a respeito do que causa bem-estar. As empresas podem ajudar a produzir esses dados e fazer valer realmente seu propósito

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Imagine que você está em uma sala com os líderes do G-20: o presidente dos Estados Unidos, os primeiros-ministros do Canadá e da Índia, o chanceler da Alemanha, o presidente da China e o do Brasil, o rei da Arábia Saudita e os líderes das outras 13 maiores economias do mundo. Então você pergunta a eles: quais indicadores vocês usam mais?

Todos os líderes usam indicadores para medir o progresso. Se você fizesse essa pergunta aos CEOs, eles provavelmente diriam “crescimento da receita” ou “preço da ação”. Com os líderes mundiais, é mais difícil saber. Eles diriam PIB? Desemprego? A taxa de pobreza? Talvez o rei saudita diga preços do petróleo, não? Não tenho certeza de qual seria a resposta deles, mas sei o que eles não diriam: nenhum deles mencionaria a palavra “felicidade”.

Por isso talvez, nenhum deles sabe quanta infelicidade existe no mundo hoje. É um fenômeno preocupante: a infelicidade das pessoas está batendo recordes. De acordo com o Gallup, as pessoas sentem mais raiva, tristeza, dor, preocupação e estresse do que nunca. Alguém vai dizer: “Eu não precisava de dados para saber isso; a pandemia deixou todo mundo infeliz”. Não. O sofrimento no planeta vinha crescendo bem antes da pandemia. Na verdade, a infelicidade tem aumentado continuamente ao longo da última década – aumento que passou despercebido por quase todos os líderes mundiais.

Claro, os líderes entendem a desigualdade de renda – a crescente divisão entre os que têm e não têm dinheiro. O que eles desconhecem é a crescente divisão entre os que têm e não têm uma vida boa, a chamada “desigualdade de bem-estar”.
A pesquisa de bem-estar do Gallup faz a seguinte pergunta:

### Imagine uma escada com degraus numerados de 0 a 10 da base ao topo. O topo da escada representa a melhor vida possível para você e a base, a pior vida possível. Em qual degrau da escada você diria que está neste momento?
Quando fizemos essa pergunta ao mundo pela primeira vez em 2006, 3,4% das pessoas nos disseram que suas vidas eram 10 (a melhor possível) e apenas 1,6% classificaram suas vidas como zero (a pior possível). Quinze anos de pesquisas depois, esses números mudaram significativamente: embora o número de pessoas que dizem viver agora na melhor posição tenha mais que dobrado (para 7,4%), o número dos que se veem no pior estágio mais do que quadruplicou (para 7,6%).

Indicadores de desenvolvimento humano e bem-estar

Os objetivos
•Renda
•Saúde
•Emprego
•Educação
•Pobreza

Os subjetivos
•Avaliação sobre a vida (como as pessoas veem sua vida)
•Experiencial (como as pessoas vivem sua vida)

E piora ainda mais. Em 2006, os 20% do mundo que classificaram suas vidas como as melhores apresentavam uma pontuação média de 8,3; os 20% da base, tiveram pontuação média de 2,5. Agora pule para 2021: os 20% do topo pontuaram a média em 8,9, e os 20% que pior classificaram suas vidas tiveram sua média reduzida para 1,2. A diferença nessas classificações de vida agora é de 7,7 pontos – a mais alta na história do rastreamento. Os 20% do topo do mundo dificilmente poderiam estar se saindo melhor, e os 20% da base dificilmente poderiam se sair pior.

Você pode pensar que a desigualdade de renda explica a desigualdade de bem-estar – e certamente explica parte dela. Mas uma vida boa é mais do que dinheiro. Estudando os 20% das pessoas que relataram ter uma vida ótima, descobrimos que elas tinham cinco coisas em comum: (1) sentiam-se realizadas no trabalho; (2) tinham pouco estresse financeiro; (3) viviam em ótimas comunidades; (4) tinham boa saúde física e (5) tinham pessoas queridas que as apoiavam em caso de necessidade. Os 20% mais mal posicionados na escala tinham muito pouco de todas essas.

Depois de procurar denominar várias emoções, descobrimos dez que funcionam em diferentes culturas – cinco que medem experiências positivas e cinco que medem experiências negativas. As cinco experiências positivas são prazer, aprender ou fazer algo interessante, sentir-se bem descansado, sorrir e rir e sentir-se respeitado. As cinco experiências negativas são raiva, estresse, tristeza, dor física e preocupação.

Apesar de todos os desafios que o mundo enfrenta, ficamos surpresos ao ver que tantas pessoas ainda encontram uma maneira de se divertir: 73% relataram sorrir e rir muito e 71% se divertiam bastante. Eles também se sentiam respeitados (86%). Das dez experiências sobre as quais perguntamos, “respeito” foi a mais citada. Mas o problema do bem-estar global não está nas emoções positivas e sim nas emoções negativas.

## O que torna uma vida infeliz?
Como já dissemos, embora muitas coisas contribuam para uma vida descrita como excelente, descobrimos que há cinco coisas em particular (trabalho, finanças, saúde física, comunidades e relacionamentos com familiares e amigos) que definem o bem-estar. Se você está bem nesses elementos, é improvável que não esteja prosperando na vida.

Revisitamos a vasta literatura sobre felicidade e bem-estar, realizamos pesquisas (cerca de cinco milhões delas em quase 170 países), realizamos painéis de estudos, que nos permitem acompanhar as mesmas pessoas ao longo do tempo para que possamos entender melhor o que causa mudanças no bem-estar, como um colapso econômico, perda de emprego ou a morte de um cônjuge. Ser uma pesquisa global importa; pesquisas realizadas no Ocidente em geral se baseiam em participantes que se encaixam nas características WEIRD – “acrônimo para ocidental, escolarizado, industrializado, rico e democrático”. Em todas as pesquisas,fazemos a análise ao lado. Eis o que já descobrimos:

– As pessoas que amam seus empregos não odeiam as segundas-feiras.
– Dívidas relacionadas à educação podem causar cicatrizes emocionais mesmo após o pagamento da dívida.
– Trabalho voluntário faz bem.
– Exercícios são melhores que medicamentos para eliminar a fadiga.
– A solidão pode dobrar o risco de morrer de doença cardíaca.

## O papel das empresas
As corporações impactam bilhões de vidas. Empresas da *Fortune Global 500* empregam quase 70 milhões de pessoas; apenas 19 países no mundo têm populações maiores. As 7,5 mil maiores empresas dos EUA empregam mais de 45 milhões de pessoas. E isso é apenas o número de pessoas que elas empregam. Elas afetam bilhões de vidas por meio de suas interações com clientes, fornecedores e comunidades.

A magnitude da presença corporativa é a razão pela qual os líderes do setor privado têm uma oportunidade significativa de melhorar o bem-estar das pessoas. Muitas organizações endereçam isso trabalhando aspectos como a diversidade no conselho ou a pegada ambiental. Mas estão ouvindo seus funcionários, clientes, fornecedores e comunidades? {Veja artigo na pág. 43.}

O público em geral não está satisfeito com as grandes corporações. Em 2021, 70% das pessoas no planeta acreditavam que a corrupção nos negócios era generalizada – e dois terços se sentiam assim há pelo menos 15 anos. Esse sentimento é tão difundido que a maioria das pessoas de 113 dos 140 países que pesquisamos entre 2019 e 2021 declararam que os negócios são corruptos. Pode ser por isso que tantos líderes empresariais dizem buscar um novo capitalismo.

As empresas podem ajudar com dados. Ouvindo mais seus públicos e apoiando os governos a fazê-lo. Se quisermos melhorar a vida das pessoas, o mundo precisa de dados melhores, em todos os lugares. Porém faltam dados aos países. Não ter nem mesmo as estatísticas mais básicas é uma realidade em muitos lugares. Em 2018, 129 países dispunham de um plano nacional de estatísticas, e apenas 60% deles estavam em operação. Com a pandemia, isso piorou: segundo o Banco Mundial, em 2020, 65% dos escritórios nacionais de estatística foram parcial ou totalmente fechados.

Essas falhas na coleta de dados precisam ser corrigidas, e o setor privado pode ajudar. A maioria das empresas hoje enuncia o valor particular que elas trazem ao mundo por meio de sua missão ou declaração de propósito, não? Por que então uma Whole Foods Market, que diz apoiar a nutrição, não ajuda o mundo a ter estatísticas confiáveis sobre nutrição? Essas parcerias público-privadas são necessárias.

Uma empresa já está dando exemplo: Cookpad, aplicativo de culinária japonês cujo propósito é aumentar a comida caseira. E, para saber se seu esforço está funcionando, ela se uniu com o Gallup e construiu estatísticas oficiais globais e regulares sobre cozinhar. Outro caso é a Hologic {veja quadro abaixo}. E a sua empresa? O que pode fazer?

O exemplo da Hologic
Ela diz existir para melhorar a saúde das mulheres. E criou o women’s health index, Em parceria com johns Hopkins University, George Washington University, RAD-AID, Popper and Co. e Gallup

A Hologic diz ser “uma empresa inovadora de tecnologia médica focada principalmente em melhorar a saúde e o bem-estar das mulheres por meio de detecção e tratamento precoces de doenças”. Entre seus produtos estão mamografia 3D, exame de Papanicolau e teste de HPV.

Um dia, para melhor atender a essa missão de melhorar a saúde feminina, a empresa queria quantificar como a saúde das mulheres estava se saindo globalmente, como diz seu CEO, Steve MacMillan. Mas esses dados não podiam ser encontrados em lugar algum.

Em vez de se sentar e dizer: “Os dados não existem para realmente determinarmos o impacto que estamos causando”, a Hologic saiu e fez algo a respeito. No Dia Internacional da Mulher em 2021, MacMillan contou que, “desde 2019, estava desenvolvendo em parceria com outras instituições um índice para atender à necessidade crítica de uma abordagem baseada em dados para a saúde da mulher”. No relatório de sustentabilidade de 2021 da Hologic, MacMillan disse ainda:

“Foi muito importante a iniciativa, mas os resultados de 2020 foram preocupantes: nenhum país do mundo foi aprovado em saúde feminina.” O relatório deu início a um debate: é preciso fazer mais pela saúde das mulheres. Em todos os lugares.

© Rotman Management Magazine
Editado com autorização da Rotman School of Management, da University of Toronto. Todos os direitos reservados.

Artigo publicado na HSM Management nº 156.

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