Sociedade

Infelizmente, ainda precisamos falar sobre assédio sexual nas empresas

A formação e educação das pessoas deve vir de casa, porém não exclui a parcela de responsabilidade do setor empresarial sobre o tema. As organizações devem ficar atentas e adotar posturas importantes diante de uma queixa, contribuindo para evitar e combater o assédio sexual
Viviane Ribeiro Gago é advogada e mestre em direito das relações sociais. Também é facilitadora em desenvolvimento humano e organizacional, autora dos livros *A biografia de uma pessoa comum*, *Olhares para os sistemas*, *Advocacia corporativa*, dentre outros.

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A poetisa Hilda Hilst em um dos seus poemas diz:

> “A minha Casa é guardiã do meu corpo /É protetora de todas as minhas ardências….”

Poderíamos complementar dizendo, sem medo de errar, que o nosso corpo é o guardião de nossa alma e porque não dizer o templo do nosso ser; sendo enorme sua importância, devendo ser muito bem cuidado e respeitado.

Assim, cabe uma simples pergunta: Por qual motivo os indivíduos ainda insistem em ferir esse guardião e/ou destruir esse templo?

De acordo com a história, atrocidades foram cometidas contra o corpo humano, de diferentes formas e, infelizmente, ainda continuam a ser cometidas.

No presente artigo, discorrerei sobre alguns aspectos do assédio sexual, que é um dos tipos de agressão contra o corpo de outrem e que foi levado para o Código Penal, há mais de 20 anos, para ser configurado como um crime.

A título de explicação e para evitar confusão, o assédio sexual é tecnicamente diferente de outros tipos penais como, por exemplo, o estupro. Com o advento da alteração do Código Penal, esta norma reuniu em um mesmo artigo o atentado violento ao pudor (AVP) e o estupro.

Assim sendo, o sujeito passivo do crime de estupro que antes era somente a mulher, passou a ser alguém, ou seja, agora é possível que outros gêneros também sejam os sujeitos passivos do delito de estupro que com a nova redação dispõe que esse alguém seja constrangido, mediante violência ou grave ameaça, a ter a conjunção carnal, praticar ou permitir que com ele se pratique qualquer ato libidinoso (ato libidinoso pode ser desde o ato sexual até ações que possam satisfazer a libido).

A Lei 10.224/2001 acrescentou um artigo (Art 216-A) ao Código Penal para definir crime de assédio sexual como o de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.”

E por qual motivo o artigo veio com esta escrita específica? Porque na realidade ainda é assim que acontece esse crime no mercado de trabalho, o assédio é cometido quantitativamente mais do superior para o subordinado e do homem em face da mulher, até porque a maioria dos cargos de liderança ainda são ocupados por homens. E aqui estamos falando do crime praticado dentro das empresas.

O assédio pode ser cometido em várias direções, significando dizer do subordinado para o superior, entres pares, de mulher para homem etc, porém o modelo mais praticado, ainda hoje, é o mencionado no parágrafo acima de homens com cargo superior face a mulher com um cargo inferior na hierarquia da empresa.

Uma tristeza muito grande constatar que as violações ao corpo acontecem desde sempre, digo desde a antiguidade até os dias atuais, ensejando questionamentos importantes, para reflexão: “o lado instintivo do ser humano fala mais alto?” Inexiste uma adequada gestão da emoção e da razão por parte dos seres humanos de maneira a ainda praticarem atos disfuncionais contra o corpo dos outros? O poder dado a um indivíduo distorce e prejudica seu caráter? E muitas perguntas ainda poderiam ser feitas.

Inúmeras são as notícias sobre este tema, o que demanda falarmos ainda hoje sobre esta prática cruel, descabida e que precisa ser periodicamente revisitada visando a contribuir para o aumento de uma melhor consciência por parte das pessoas e quem sabe eliminação desta prática, algum dia; que acredito somente ocorrerá por meio do aumento de consciência do indivíduo e evolução do mesmo.

## Notícias divulgadas sobre assédio na imprensa
– Segundo pesquisa feita por Collen Ammerman, diretora da iniciativa de gênero da Harvard Business School, verificou-se o quão é desanimador perceber quantas mulheres tiveram suas carreiras e vidas afetadas pelo assédio sexual.
– “Maioria ainda sofre assédio calada, diz pesquisadora. Pesquisa com 4,9 mil profissionais mostra que 52% já enfrentou assédio moral e sexual no trabalho, mas só a minoria denuncia”
– “Procurador de NY se demite após acusações de violência contra as mulheres”
– “Fórum Econômico Mundial para América Latina debate assédio”
– “O caso recente do juiz Marcos Scalercio, acusado de assédio sexual contra mulheres em SP. Na terça feira do dia 23 de maio de 2023, o Plenário do CNJ, em decisão unânime, aposentou compulsoriamente o juiz do trabalho substituto do TRT da Segunda Região”

Um magistrado que se valia da posição de juiz, do poder que tinha para cometer crime contra mulheres dentro do seu ambiente de trabalho, sendo que paradoxalmente a atividade de um juiz dentre várias coisas é fazer a correta aplicação da lei para proteger as pessoas. Ou seja, este tipo de crime e má conduta, acontece nos lugares mais improváveis; infelizmente.

O assédio vem geralmente acompanhado de dor, incluindo a emocional, levando em muitos casos o assediado ao suicídio.

As pessoas estão vivendo transtornos mentais, na prática, e de uma maneira crescente. Aumento este que teve a pandemia como mais um fator de peso neste cenário.

Com as pessoas doentes, mais condutas e comportamentos disfuncionais como o assédio acontecendo, que é um grave gatilho, as pessoas podem sucumbir e escolherem sair da vida.

Trata-se de um cenário grave e que se verifica em muitos âmbitos, sejam eles públicos ou privados, a exemplo de um caso ocorrido no dia 9 de junho deste ano. Notícia divulgada na imprensa: “Suicídio de escrivã alerta para assédio moral e sexual e problemas de saúde mental na Polícia Civil de Minas Gerais. MG é o segundo estado com mais casos de suicídio entre policiais civis, foram três mortes em 2021, número inferior somente ao de SP, com oito “.

E por qual motivo observar mais detidamente o assédio sexual em empresas, sejam elas públicas ou privadas?

Muitas empresas diante da onda de relatos noticiados estão se dando conta de que suas próprias organizações não estão fazendo o suficiente para impedir comportamentos que podem levar não só ao desconforto no ambiente profissional, mas também às ações prejudiciais (reclamações trabalhistas) e danos à reputação/imagem da empresa, mais um típico assunto dentro do guarda-chuva de compliance.

As empresas precisam estar atentas para o tema de maneira a contribuir para evitar/combater o assédio sexual adotando posturas importantes diante de uma queixa, de uma reclamação.

Ademais, sabemos todos do poder que as empresas possuem também como referências de impacto social. Além de terem poder econômico/financeiro, são, em especial, formadoras de opinião.

Muitas relações nocivas para as pessoas e para a sociedade podem ser trabalhadas, combatidas e evitadas no âmbito das empresas, que podem agir diretamente na construção de uma cultura empresarial baseada na colaboração, trabalho em equipe, respeito, empatia; e que não tolere funcionários que dominam e tratam os colegas como se eles estivessem lá para atendê-los, cometendo arbitrariedades.

Sabemos bem que o assédio tem raízes culturais/históricas pautadas também na assimetria das relações principalmente de homens e mulheres, no entanto, se as empresas trabalharem no sentido de não permitirem certos comportamentos a exemplo dos acima relatados, existirá grande chance de estarem contribuindo com uma evolução e aprimoramento social, fazendo assim a sua parte.

Por vezes os líderes, inadvertidamente, passam mensagens erradas ao compensar ou aceitar desculpas de colaboradores que se portam de maneira agressiva em relação aos demais, mesmo que o comportamento não seja diretamente de cunho sexual.

São visíveis competições de masculinidade nos ambientes de trabalho, onde quem pratica assédio ou exibições hostis é recompensado e visto como líder por intimidar outras pessoas. Se o empregador gratifica esse tipo de comportamento ou minimiza isso, acaba por ajudar a criar um ambiente permissivo para que, por exemplo, o assédio sexual floresça.

Os líderes devem perceber que podem estar ajudando a criar um ambiente no qual o assédio é permitido (comportamentos antiéticos e criminosos no local de trabalho). Precisamos ter consciência que é muito melhor prevenir o assédio sexual do que tentar descobrir o que fazer quando uma pessoa é assediada.

Outro passo em falso comum nas empresas é permitir que os funcionários de alta performance extrapolem os limites toleráveis em relação aos demais. Por exemplo: o gerente de vendas que ganha muito dinheiro, mas age de maneira hostil e dominadora com sua equipe, pode ser visto como a definição de sucesso. Porém deixar um comportamento, mesmo que praticado por um profissional com uma excelente performance, pode custar à empresa muitos outros funcionários talentosos, o que não é uma boa decisão. Nesse caso, o correto é deixar essa pessoa ir, pois no final ela está minando o tipo de empresa que você quer construir.

Em virtude da realidade ainda presente no cenário corporativo brasileiro, em que a grande maioria dos cargos de liderança são eminentemente masculinos e não há um equilíbrio entre mulheres e homens no poder, é fundamental ter um RH ético, prestando serviços de apoio e incentivo a comportamentos de respeito, compaixão, colaboração e empatia de maneira a evitar situações como a de assédio sexual.

Não se pretende transferir a responsabilidade de formação e educação das pessoas para as empresas, até porque isso não seria possível, porém se as organizações começarem um movimento no sentido do mostrar claramente quais os comportamentos são aceitáveis na construção de uma carreira individual adequada e de sucesso e um ambiente saudável para todos já será um grande passo de contribuição para si própria e para a sociedade como um todo!

Sabemos que há a necessidade de uma reeducação de base nas casas das pessoas/famílias, de maneira a se ensinar a respeitar principalmente as diferenças e trabalhar de maneira muito melhor a inclusão. Porém isso não exclui a responsabilidade de todos, incluindo do setor empresarial, palco de muitas relações e acontecimentos no sentido de trabalhar em prol do combate ao problema de assédio.

Cada um fazendo a sua parte na mudança cultural, no tocante às pessoas colaborarem, respeitarem, terem empatia uns com os outros, fará a grande diferença para o todo e para combater esse problema, que se não combatido pode trazer uma série de impactos negativos, aumentando os índices de depressão, ansiedade e outros problemas emocionais, além do suicídio.

A busca pelo conhecimento, autoconhecimento e aprimoramento constantes são fortes ferramentas para convivermos com respeito por nós mesmos e pelo próximo.

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