Tecnologia e inovação

Inovações para um novo ciclo econômico

O novo ciclo econômico talvez fosse definido pelo poeta Vinícius de Moraes como “enjoadinho”. Ao menos, tem uma característica em comum com o Poema Enjoadinho do autor, que começa com “Filhos, filhos?/Melhor não tê-los/Mas se não os temos/Como sabê-los?” e termina com “Porém, que coisa/Que coisa louca/Que coisa linda/Que os filhos são!”. Esta reportagem ajuda a saber dos negócios (filhos) nascentes da metaeconomia.
Sandra Regina da Silva é colaboradora de HSM Management.

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Existe uma diferença entre cachorro de açougue e cachorro magro.” Essa frase, do icônico técnico de futebol Telê Santana, aplica-se bem ao empreendedorismo inovador em todos os tempos. Enquanto o cão alimentado com filés se acomoda, aquele que sente fome está sempre de orelha em pé, detectando as oportunidades de comer. Vale para jogadores de futebol, vale para pessoas de negócios.

Porém será que o cachorro magro do ciclo econômico que se desenha agora é igual ao do velho ciclo? A hipótese com que trabalhamos é que, por estar permanentemente atento, o cão magro atual tenha captado a mudança do entorno e se adaptado a ela.

__HSM Management__ buscou cachorros magros (ou negócios inovadores) da atualidade capazes de desenvolver soluções, consciente ou inconscientemente, para as demandas da crise climática apresentadas no Fórum Econômico Mundial de 2024 – como a necessidade de reduzir produção e consumo, ou a de priorizar sustentabilidade e saúde humana – e de acordo com os atributos da metaeconomia. Alguns dos mais destacados são preponderância da realidade sintética (a física tende a ser menos amigável por efeitos do clima, afinal), descentralização de tudo, mente humana como combustível, produtos consumidos como serviço, velocidade, flexibilidade, tribos, criadores de conteúdo, foco na experiência e engenhosidade para lidar com o excesso de dados.

Na varredura, encontramos quatro negócios que, adotando modelos B2C ou B2B, parecem sinalizar os novos tempos: Capsu, Zissou, Niul e Codex. Todos refletem a descentralização associada à metaeconomia, confirmando o espaço para players menores entre os gigantes, e todos têm a mente humana como combustível. Veja a seguir.

## Capsu: velocidade e flexibilidade

Esqueça as casas-contêineres. Pense em uma elegante residência modernista projetada por Gregori Warchavchik, mas entregue em três meses totalmente equipada onde, acrescentando roupas e artigos pessoais, você se sente imediatamente instalado.

É essa a inovação proposta pela Capsu, startup fundada em 2021 cujo nome remete a cápsula, mas se inspirou em Warchavchik mesmo. Em classificações convencionais, ela seria encaixada no setor de construção civil, mas prefere se apresentar como uma empresa de design de produtos. “Desenhamos produtos para morar que criam conexão emocional”, define Diogo Roberte, cofundador da Capsu, “e eliminamos todas as dores de cabeça que as pessoas têm ao construir uma casa”. A começar pelo tempo de espera – que cai de uma média de 18 meses para 3 meses. Já reconhecemos aí três fatores de competitividade da economia emergente – experiência, produto como serviço e velocidade.

A experiência é de uma casa “plug & play”: você compra a sua pela internet, ela é transportada em caixa até seu terreno em qualquer lugar do Brasil, é instalada, você chega e começa a morar. E pode ser nômade à vontade: se agora for para o Norte do País e, daqui a um tempo, decidir se mudar para o Sul, você consegue levar a casa junto; a empresa oferece o serviço de desinstalação, transporte e reinstalação. Outro traço da metaeconomia? Flexibilidade.

A Capsu, como explica Roberte, ainda segue as cartilhas da sustentabilidade e da saudabilidade, que são preocupações crescentes entre os consumidores atentos à crise climática. Do ponto de vista da sustentabilidade, a operação gera crédito de carbono e o material estrutural utilizado é o CLT (sigla em inglês de madeira laminada cruzada). Fabricado com madeira de reflorestamento como pinus e eucalipto, o CLT dispensa o uso de aço e concreto na estrutura e isso reduz significativamente o impacto: enquanto o concreto emite 1 tonelada de CO2 para cada m3 fabricado, o saldo de emissão do CLT é considerado negativo, mesmo levando em conta o processo de extração da madeira e fabricação, pois as árvores, para crescer, sequestram carbono do ar.

A startup usa o conceito de “casa saudável”, inclusive medindo a saudabilidade. Por exemplo, quanto tem de luz natural; quanto a acústica protege dos ruídos exteriores (e vice-versa); quanto há de elementos naturais na casa em contato com os moradores – focando na biofilia que ajuda na saúde mental, entre outros. A medição da saudabilidade levou, por exemplo, à retirada de uma Alexa que inicialmente foi colocada próxima da cama, mas causava poluição eletromagnética, o que prejudica o sono. Foi mantida somente a Alexa na cozinha. Outro conhecimento adquirido foi quanto ao material das torneiras, que pelo desgaste do metal pode comprometer a qualidade da água – então, a escolha foi por torneiras de aço inox, que não apresentam o problema.

Qual é a tribo de consumidores Capsu? Quem compra uma casa dessas se identifica com o chamado “luxo silencioso”. Trata-se de um consumidor de alto poder aquisitivo, mas com consciência e, por enquanto, o interesse maior por ela é como uma segunda casa, de praia ou montanha, inclusive para investimento. Mas o mercado B2B está na mira da empresa, e escritórios, lojas pop-up, além de projetos cobranded como uma casa de grife, são aventados como possibilidades. Aliás, a construção de prédios baixos com a mesma técnica já mostrou ser possível, segundo Roberte, e está nos planos.

Uma casa completa da Capsu custa a partir de R$ 680 mil, incluindo até roupa de cama, talheres e taças de vinho, assim como o deck, o pergolado, a espreguiçadeira no exterior e até piscina, se assim o cliente desejar. “O que estamos vendendo é o sistema Capsu e a previsibilidade do orçamento – o m2 sai a partir de R$ 10 mil com tudo”. Pegando dados de mercado de 2024, em uma casa convencional, calcula-se só a construção, sem acabamentos, em R$ 2,4 mil a R$ 3,6 mil o m2 e o restante é imprevisível.

A metaeconomia é visível também na gestão do negócio. A Capsu coloca duas casas-modelo para alugar na plataforma Airbnb – uma em Sousas (distrito de Campinas, SP) e outra em Pedra Azul (ES). E os feedbacks de quem nelas se hospeda têm servido para fazer melhorias. Outro aspecto característico dos tempos atuais é o sócio-influencer, o ator Bruno Gagliasso, com 22,3 milhões de seguidores no Instagram (dado do final de janeiro). Ele entrou no projeto em dezembro de 2023. Lembra-se dos criadores de conteúdo como vetores globalmente locais no novo ciclo econômico?

E como funciona a mente-combustível do empreendedor Diogo Roberte? Ele criou um jeito de enxergar oportunidades que tem afinidade com os novos tempos. “Acho que as ideias vêm muito por eu, curioso, beber de várias fontes a todo momento. Talvez utilize a meu favor o pensar em várias coisas ao mesmo tempo, no sentido de entender, por exemplo, como é que a moda funciona, como a arte, o design e a inovação funcionam. Isso vai criando conexões, e vou transformando essas conexões em oportunidades”, afirma ele, que tem um currículo vitorioso no empreendedorismo, com a cofundação fora do eixo Rio-São Paulo, no Espírito Santo, da fintech PicPay, que se tornou um unicórnio. Hoje a PicPay é controlada pelo grupo J&F. O não-óbvio também interessa Roberte.

Mas como ele faz escolhas entre as várias oportunidades que aparecem? “Procuro entender o que vai mudar e o que não vai mudar, e empreendo naquilo que reduz a distância entre esses dois pontos”, explica ele. Exemplo: o amor ou a busca de proteção em uma casa não vai mudar no ser humano; mas o modo de comprar e usar coisas como uma casa pode mudar – e muito.

## Zissou: saúde e storytelling

O mundo sabe que pode ser mais vítima de desastres naturais e que está mais sujeito a epidemias (incluindo uma de saúde mental). Então, é esperado que nele saúde e bem-estar passem a ser vistos como artigos de luxo, cada vez mais valorizados. E a qualidade do sono, de acordo com todos os estudos, ocupa lugar especial nesse cenário – o sono é a fundação do tripé de saúde e bem-estar, ao lado de alimentação e atividade física. Não é à toa o boom de colchões high-tech, que querem redefinir a relação das pessoas com o sono, verificado nos Estados Unidos nos últimos anos – calcula-se que o mercado de colchões já movimente mais de US$ 18 bilhões anuais por lá. (A estimativa é de que os 500 fabricantes no Brasil movimentem R$ 25 bilhões no Brasil; são tantos porque quem fabrica no Sul não consegue entregar no Norte pelo frete.)

O Brasil tem ao menos um player nesse segmento de negócios: a startup Zissou, cujos slogans são “dormir e viver” e “renove seu sono”. E seu fundador Amit Eisler também aciona uma série de conceitos associados à metaeconomia, entre os quais a experiência e o storytelling.

Começando pelo último aspecto, basta observar a narrativa poderosa que Eisler dividiu em um evento para executivos realizado no segundo semestre do ano passado, ao qual __HSM Management__ teve acesso: “O que os professores não nos contam na escola é que o grande responsável pela nossa evolução como espécie é o sono. Para fugir dos outros animais selvagens, o macaco ficava pendurado numa árvore e dormia. Mas, estando pendurado na árvore, ele não conseguia entrar em sono profundo – senão, isso relaxa a musculatura e cai da árvore. Um macaco com 10 a 15 horas de sono só tem 9% de sono REM, que é o sono profundo. Já quando o Homo sapiens desenvolve o fogo, ele consegue se proteger dos animais selvagens e dormir no chão na posição horizontal. E aí com oito horas de sono, consegue 25% de sono REM. Pois esse estágio REM é responsável pela nossa capacidade cognitiva, pela nossa capacidade de aprendizado e por toda a evolução que se seguiu”.

Eisler junta storytelling com dados. Para apoiar a história, traz uma série de dados do livro Why We Sleep, de Matthew Walker, que já foi citado como um dos favoritos de Bill Gates como receita para longevidade. E isso mostra exatamente o caminho que ele deu ao negócio. Entendendo que as pessoas ainda não dão valor ao sono como deveriam, resolveu ocupar esse espaço de educador do sono, um vendedor de colchões com o propósito de “fazer as pessoas passarem a dar ao sono a mesma importância que elas dão para alimentação e atividade física”.

O que Eisler entendeu, em primeiro lugar, é que a indústria de colchões está “adormecida” – o trocadilho é intencional –, e pede para ser disruptada, a começar pela experiência que oferece aos clientes, que ele classifica como “complexa, frustrante, cheia de fricção”.

A compra é desagradável. Na loja, o vendedor orienta o cliente a deitar-se por 30 segundos em cima do plástico que cobre os colchões para experimentar vários e, no pitch final, acrescenta algo como “são R$ 8 mil e ainda lhe dou dois travesseiros da Nasa com brinde, um preço que é só hoje e só para você. Se você comprar pelo site, não conseguirá essa condição camarada”. A entrega também não é uma experiência agradável, como comenta Eisler. O frete às vezes é cobrado, o cliente nem sempre sabe se o colchão entregue é o mesmo da loja e, às vezes, o colchão nem entra no elevador. Além do mais, há uma percepção de que o preço não corresponde aos benefícios: “Existem tantos intermediários e ineficiências que um colchão que sai por R$ 200 da indústria pode chegar a custar cinco vezes mais, na faixa dos R$ 1.000, para o consumidor final.”

Então, a primeira decisão da Zissou foi por mudar completamente a experiência de compra e entrega. O colchão é vendido apenas em canal digital, pela internet, e com consultoria. O cliente pode responder a uma série de perguntas – faixa etária, se dorme só ou acompanhado, se a cama recebe visitas de crianças e animais etc. – e recebe uma orientação sobre o produto mais adequado. Sobre o teste, a pessoa o testa em casa, na realidade: tem cem dias de prazo para devolvê-lo sem burocracia – eles retiram na casa do cliente e devolvem 100% do dinheiro. Ou pode ir ao showroom testá-lo (por enquanto, apenas em alguns pontos nobres de São Paulo e Campinas, SP), embora mesmo nesse caso a compra seja pela internet. A garantia de dez anos também facilita correr riscos.

A entrega foi completamente transformada pela tecnologia do colchão na caixa, conhecida pela expressão em inglês “bed in box” – um processo de compressão a vácuo de colchões de mola ou espuma que permite levá-los em caixas de um metro de altura à portaria da casa das pessoas; não é colchão inflável. É entrega premium. E o unboxing em si é uma experiência divertida. Os preços são explicitados no site – não na gentileza do vendedor. E, como os intermediários são reduzidos ao mínimo, elimina-se o gap entre custo e benefícios percebido. A tecnologia “bed in box” reduz em 80% o valor do frete, mais que compensando o fato de a fabricação ser fora do Brasil. (Embora, em 2022, a empresa tenha anunciado planos de ter uma planta para fabricá-los no Brasil.)

Os dados decorrentes de vender digitalmente direto ao consumidor (o modelo de negócio é o chamado DNVB) são parte importante da diferenciação da Zissou. “A maravilha da desintermediação é que a gente tem uma abundância de dados não enviesados. Não precisamos de personas quando temos dados”, diz Eisler. Ele conta que nos primeiros quatro anos eles tiveram uma única linha de produtos e 8% de devolução nos cem dias de teste, então entenderam por que as pessoas não se adaptavam ao produto – “achei firme demais, mole, alto, baixo etc.”. Em vez de pensar em termos de produto minimamente viável (MVP), Eisler pensa em comunidade minimamente viável, nichada (culturalmente, inclusive), de clientes a atender.

Foi com base nesses feedbacks das pessoas que a Zissou lançou em 2021 um portfólio de colchões com três linhas – e o assessment no site para o consumidor encontrar o modelo ideal para o seu caso. Em abril de 2021, foi lançado o modelo Blue, que a Zissou gosta de descrever como “a Ferrari dos colchões”, especialmente confortável graças ao “látex de tecnologia belga que absorve as ondas de movimento, suporte extra com molas ensacadas individualmente e revestimento em tecido de alta condutividade térmica que cria um microclima refrescante na superfície do colchão”, segundo a descrição no site da empresa. Travesseiros, roupa de cama, roupões completaram o portfólio e a venda B2B para hotéis como Fasano também.

A personalização – prima-irmã da descentralização da metaeconomia – vem dos dados, proporcionados pelo que Eisler caracteriza com “conversa infinita” com os clientes, possibilitada pela tecnologia com o toque humano. Com ela, o time da Zissou aprendeu, por exemplo, que as pessoas compram colchão sobretudo nos seus momentos de transição de vida – quando vão morar sozinhas, quando se casam, quando os filhos saem de casa, quando compram casa de praia ou de campo. As linhas atendem a essas situações específicas e criam os “Zissou lovers”, nas palavras do fundador, que fazem a divulgação “boca a boca”, enviando fotos com seus pets na cama, por exemplo. E isso leva a outro conceito caro à Zissou: o LTV dos clientes, valor para a vida toda.

Somando-se ao buzz que os Zissou lovers fazem, os influenciadores têm papel importante nesse negócio de colchões para dormir e viver. Exemplos: o jogador de futebol Marcelo (ex-Real Madrid, hoje no Fluminense) ou Bianca “boca rosa” Andrade.

E de onde vem a mente como combustível de Eisler? Ele diz que foi “picado pelo bichinho do empreendedorismo inovador” já na infância em Israel – passada em uma comuna agrícola no Norte –, onde “respirou” um país com número recorde de startups (e unicórnios) por m2. Mas, sem dúvida, sua trajetória de cidadão do mundo exposto a diferenças o ajudou – morou nos EUA, na Itália, na Áustria (onde trabalhou com a família Swarovski, dos famosos cristais). E o contato com a cultura de negócios chinesa também: integrou o time que implantou a operação de celulares Xiaomi no Brasil.

## Niul: sustentabilidade e comunicação

Não é raro que os filhos sigam os passos dos pais e avós empreendedores, direcionando suas carreiras profissionais para atuar no mesmo ramo de negócios dos antecessores. Muitos deles atuando na própria empresa familiar, da qual um dia serão herdeiros. Atuando ali, o mindset mais jovial costuma dar um refresh aos negócios, adotar inovações, levar a empresa a outro patamar. E, às vezes, essas mesmas mentes questionam o status quo.

Foi assim com as irmãs Maisa, Thais e Livia Valfré, netas de Henrique Valfré, pioneiro com produtos de estética, o que hoje chamamos de skincare, quando cofundou a Valmari em 1980. Formado na primeira turma de farmácia na Universidade de São Paulo (USP), ele foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Cosmetologia (ABC) em 1973, além de ter participado da elaboração das Normas Técnicas do Serviço Nacional de Vigilância Sanitária (hoje a Anvisa).

Depois de três anos de estudos e planejamento, as irmãs Valfré fundaram a Niul em 2023. Uma empresa de cosméticos? Sim, também. Mas que nasceu com um objetivo norteador diferente: fugir do plástico das embalagens que dominam o setor. “Temos que evitar o plástico, porque ele fica aqui por no mínimo 400 anos, causando danos socioambientais”, diz Maisa Valfré.

A indústria de cosméticos, como um todo, é muito dependente de plástico. “Sentíamos uma inquietação: não é possível que não haja uma solução mais sustentável. Eu até sentia uma dor ao ver, por exemplo, aqueles ‘minixampus’ de plástico de um uso só nos hotéis”, conta ela. A ideia, então, foi propor alguma solução inovadora em sustentabilidade, e a embalagem escolhida foi a lata de alumínio, como as de refrigerantes e cervejas.

A consciência ambiental está arraigada nas três irmãs, mas cada uma olha para uma frente diferente, por conta de suas formações acadêmicas – e que aliás se completaram para colocar a nova empresa em funcionamento. Thais, que trabalhou por quase oito anos na Unilever, é formada em química pela Unicamp; Maisa, em design gráfico e visual pela ESPM; e Livia, em economia e em administração, ambas pelo Insper.

Em dezembro, o trio Valfré recebeu um reforço, com a chegada à Niul de Rafa Brites, que tem mais de 2,3 milhões de seguidores no Instagram e conhecida por sua carreira na TV Globo, participando de programas como Mais Você, Superstar e Video Show. Sua contribuição será, principalmente, como reforço de comunicação, até por seu acesso às redes sociais, como influenciadora de jornadas. “Somos amigas há tempos, e sempre admirei a Maísa, pelos seus cuidados com desperdício, por exemplo”, revela.

Brites garante, entretanto, que amizade não bastaria para mergulhar no negócio. Sustentabilidade, um dos motores do novo ciclo econômico como temos comentado, foi o motivo principal. Ela experimentou e aprovou a primeira linha já lançada, que são três sabonetes líquidos (dois para mãos e um para corpo) na lata de alumínio. “Considero uma revolução no mercado de cosméticos”, conta ela.

A sustentabilidade vai além das embalagens e se une à saudabilidade. Os sabonetes líquidos são feitos sem sulfatos, parabenos, petrolatos, silicones ou corantes, todos os químicos que tanto preocupam as pessoas focadas em saúde. Portanto, entram na categoria de “fórmula limpa”, além de serem veganos e cruelty-free. É com essas características que será lançada a linha de xampu e condicionador já em 2024.

A internet, como no caso de Capsu e Zissou, é o principal canal de venda. Hoje a Niul conta com uma linha de sabonetes vendidos principalmente na própria loja virtual, para homens e mulheres de todas as idades, e o natural é atrair a “tribo” dos consumidores mais conscientes com as questões de sustentabilidade e de bom gosto, já que as embalagens são atraentes. As sócias gostariam, com isso, que seus produtos ajudassem as pessoas a entender todo o problema do plástico, colocando à Niul um papel de conscientização.

Está no radar também atuar no mercado B2B. “Qualquer pia tem sabonete, seja para uso residencial, comercial ou industrial”, lembra Thais. Já para as fórmulas de xampu e condicionador, a Niul mira estabelecimentos como hotéis e motéis, que costumam oferecer aos hóspedes como amenities.

Um fato de alinhamento com as premissas do nosso ciclo econômico está no fato de as sócias não enxergarem a Niul como “apenas” uma fabricante de produtos de qualidade; para elas, é principalmente como uma empresa de soluções. A adoção da lata de alumínio para substituir o plástico, que é descartável após o uso, entrou como a melhor solução encontrada. E outras soluções assim podem vir. Já há, por exemplo, a ideia de desenvolver, além das latas, outros formatos de embalagem, segundo Thais, como bisnaga e pote, em alumínio.

Cuidados com a segurança no transporte são parte da entrega de saudabilidade. “Tivemos que repensar todo o ciclo de entrega; e olhamos a cadeia inteira”, pontua Maisa. É por isso que o envio dos produtos mantém a característica zero plástico. Para a proteção, eles são envoltos em algodão, resíduo da indústria têxtil que costuma ser descartado, e é mais sustentável do que papel, já que este último passa por um processo de industrialização.

A experiência de uso também conta bastante na Niul, tanto que requereu um trade-off. A melhor opção para fazer o produto sair da lata foi um pumping de plástico. Como assim plástico? Elas justificam: “É um plástico durável e deve ser reutilizável, e não de uso único”, explica Thais. [Por isso, o pumping é vendido separadamente para uma embalagem que o consumidor já tenha.] E não é um plástico virgem. “Para minimizar um pouco o problema do plástico, colocamos 70% de resina reciclada.” Além disso, as sócias estão pesquisando soluções substitutas existentes no exterior.

É importante entender que o empreendimento da Niul confirma a força da descentralização do novo ciclo econômico. Isso porque, chegar aqui demanda muito esforço de convencimento e negociações junto aos fornecedores das matérias-primas, principalmente de embalagens e de rotulagem, já que o volume para atender a demanda de uma empresa nascente é infinitamente menor do que o de uma gigante do ramo de bebidas.

## Codex: engenhosidade e velocidade

O uso de dados geográficos é um grande aliado para o desenvolvimento sustentável e o combate às mudanças climáticas. Isso já é consenso, como destaca Venicios Santos, diretor de negócios da Codex, empresa gaúcha fundada há cerca de 18 anos que desenvolve soluções de gestão e análise de informação por meio de sistemas de inteligência geográfica para o desenvolvimento sustentável nos setores público e privado.

Mas entre o entendimento e a prática há um gap. Como explica o executivo, processos ineficientes de gerenciamento de dados e falta de padronização são desafios persistentes enfrentados hoje, sobretudo pelas organizações governamentais. Não faltam casos relatados de duplicação de dados, inconsistência nos procedimentos e armazenamento descentralizado que dificultam achar o que é preciso. E isso acaba resultando em um cenário caótico de informações.

O trabalho da Codex é evitar o caos para permitir a engenhosidade das organizações no mundo do big data, como escreveu o especialista Mihnea Moldoveanu, da Rotman School, ligada à University of Toronto, Canadá, em artigo publicado em __HSM Management__. Engenhosidade, explica Moldoveanu, é a capacidade de conceber um modo pelo qual operações de qualquer área sejam sequenciadas, desenhando algoritmos (sequências de instruções bem definidas) e valendo-se de heurística (procedimento simplificador que substitui problemas mais complexos por outros de mais fácil resolução, a fim de encontrar soluções viáveis, mesmo que imperfeitas). Engenhosidade é crucial no novo ciclo econômico caracterizado pelos grandes volumes de dados.

Ao garantir a governança de dados – tanto detectando entraves operacionais existentes como propondo estrutura e processos que os organizem e os tratem como ativos estratégicos –, a empresa viabiliza a engenhosidade dos órgãos governamentais e a tomada de decisões estratégicas em geral. “Focamos em estabelecer uma governança de dados completa, com regulamentações e procedimentos adequados, para garantir que os dados sejam tratados corretamente”, confirma Luiz Marchiori, CEO da Codex, explicando que o modelo de governança adotado pode variar conforme a estrutura organizacional do cliente.

A Codex apresentou palestra na COP28, convidada pela área de mudanças climáticas da ONU, justamente para abordar a importância da governança de dados na formulação de políticas de sustentabilidade. Um dos cases de sucesso que apresentou foi a plataforma de monitoramento de desmatamento no Mato Grosso do Sul, que cruza informações de uma rede de satélites com dados de bases dos governos estadual e federal e inclui sistema de certificação de controle de emissões de GEE. MS anunciou em meados de 2023 que será um dos primeiros estados brasileiros a emitir créditos de carbono para ser neutro em carbono até 2030.

Outro case da Codex na COP28 foi o uso de ferramentas de inteligência para monitoramento e gestão de desastres naturais para municípios do Rio Grande do Sul, Itajaí (SC) e João Pessoa (PA). É o sistema de gestão de riscos e redução de desastres ambientais. Essa plataforma digital da Codex está disponível para todo o Brasil para fazer diagnóstico detalhado de eventos como alagamentos e deslizamentos de terra, ajudando na segurança da população – em 2023, quase 6 milhões de brasileiros foram diretamente afetados pelas chuvas – e nos impactos econômicos de tempestades e estiagem, que têm variado anualmente de R$ 50,5 bilhões a R$ 70 bilhões, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios.

A velocidade na ação, somada à segurança de agir com base em dados, é a consequência-chave das plataformas de governança de dados que a coloca como um empreendimento da metaeconomia. Isso porque o compartilhamento em tempo real de informações de maneira eletrônica, e não mais manual, torna processos mais eficientes e reduz burocracia e erros.

Plásticos X Latas
Veja os números que embasam a ação da Niul, de fontes como World Wild Fund (WWF), Banco Mundial e Ministério do Meio Ambiente do Brasil:

__PLÁSTICO__

• 11,3 milhões de toneladas de plástico produzidas por ano, sendo 1 kg por habitante a cada semana

• 10,3 milhões de toneladas são coletadas (91%)

• 145 mil toneladas são recicladas (1,28%)

• 7,7 milhões de toneladas vão para aterros sanitários

• 2,4 milhões de toneladas são descartadas irregularmente

__ LATAS__
• 414 mil toneladas de latas comercializadas no ano

• 409 mil toneladas foram recicladas (98,7% do comercializado)

• 36 centros de coleta

• 800 mil catadores

• R$ 5 bilhões de renda gerada com o programa de logística reversa de latas

• 2 milhões de bauxita (mineral utilizado na produção de alumínio) economizados graças à reciclagem

• 70% de redução no consumo de energia (com a reciclagem)

Dados para a amazônia azul

Em janeiro de 2024, a Codex assinou com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) um contrato de parceria estratégica para desenvolver a plataforma digital que vai integrar indicadores e dados federais, estaduais e municipais para um centro voltado ao Planejamento Espacial Marinho – PEM na região Sul do Brasil, um compromisso assumido pelo Brasil, com entrega até 2030, na Conferência das Nações Unidas para os Oceanos, em 2017. O aporte de R$ 7 milhões é parte dos R$ 19 milhões destinados às iniciativas relacionadas à chamada economia azul. Segundo o CEO da Codex, Luiz Marchiori, as análises dos dados da plataforma permitirão identificar oportunidades e limitações para o uso sustentável dos recursos naturais e embasar políticas públicas.

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