Segundo as teorias econômicas convencionais do século 20, todo agente econômico faria escolhas de um jeito racional: de olho na maximização de seu bem-estar (ou utilidade), usaria sua capacidade de processar as informações disponíveis no mercado e, assim, escolheria a melhor opção. Esse pensamento cartesiano, disseminado a partir do século 18, vigorou absoluto por anos. Nessa época, onde a razão foi protagonista na orientação dos nossos comportamentos, o desenvolvimento do mundo foi assombroso. A ciência avançou tremendamente na área da saúde, a tecnologia ganhou fronteiras inimagináveis, e a economia produziu modelos de previsão de crescimento econômico sofisticadíssimos.
Até que, no século 20, começaram a aparecer falhas nesse modelo de pensamento. Crises econômicas de grandes proporções não previstas, o surgimento de novas epidemias, entre outras situações, que colocavam em cheque o poder de previsão da teoria econômica vigente. Prever os movimentos de mercado é o destino, a sina de uma teoria econômica. Sem esta capacidade, não há como se planejar o consumo, os investimentos e a produção de riqueza de um país.
**UMA NOVA TEORIA**
A soberania da racionalidade começa a ser questionada e, em 2002, o psicólogo Daniel Kahneman ganha o Prêmio Nobel de Economia pela sua Teoria da Perspectiva, publicada em 1979.
Ele e seu colega, Amos Tversky, estudaram a forma pela qual as pessoas tomam decisões em situações de risco e incerteza e observaram que os resultados diferiam bastante daqueles esperados, segundo as teorias econômicas tradicionais.
Partindo não de conceitos normativos e axiomáticos, mas do resultado de diversos experimentos, Kahneman e Tversky afirmam que as pessoas, em cenários de incerteza, se baseiam em um número limitado de heurísticas, ou regras gerais, para simplificar problemas complexos e realizar cálculos de probabilidade a fim de prever resultados e tomar decisões. Ganhamos um modelo descritivo dos comportamentos individuais.
A psicologia passa a chamar a atenção dos economistas e surge uma nova vertente de estudo, a chamada economia comportamental, cujo objetivo é compreender os motivadores das escolhas individuais nos momentos de consumir, poupar e investir, principalmente em contextos de incerteza, o que claramente influencia diretamente quase todas as outras variáveis econômicas, sejam elas micro ou macroeconômicas.
Mas o que o pensamento cartesiano nos deixou de herança? O que deixamos de fora? É nesse contexto que o papel das emoções, deixadas de lado no modelo cartesiano, voltam à cena e nos ajudam a compreender por que o comportamento dos agentes econômicos se desvia do previsto e por que as recomendações de comportamentos nem sempre são eficientes ou acatadas.
É evidente que os modelos normativos têm seu mérito, mas não explicam completamente o comportamento dos agentes, principalmente em momentos de alta volatilidade no mercado financeiro e de grande incerteza social, já vivido tantas vezes no passado e mais recentemente com a crise do novo coronavírus.
Por que as pessoas resgatam seus investimentos quando a bolsa está em queda, apesar dos conselhos dos gestores para esperar a situação de volatilidade se acalmar? Por que algumas pessoas privilegiam suas crenças pessoais sobre determinado fenômeno enquanto outras seguem à risca os dados científicos? Por que pessoas negam esses dados enquanto outras se agarram a eles?
A fim de responder perguntas como essas precisamos de uma teoria descritiva do comportamento, que permita inferir como as pessoas tomam decisões de fato, boas ou ruins.
De tempos em tempos aparece algum evento inesperado, descrito por Nassim Taleb, autor de vários best-sellers como “Antifrágil” e “Arriscando a Própria Pele”, como um cisne negro. Nesses momentos, a resiliência dos sistemas sociais é colocada à prova, e se espera que as pessoas se comportem de determinada maneira, supostamente racional, em resposta aos desafios imprevistos.
Mas isso nem sempre acontece, resultando em anomalias (ações individuais diferentes daquelas prescritas pelas teorias econômicas tradicionais). Acontece, porém, que essas anomalias são sistemáticas e difundidas em excesso para serem consideradas erros aleatórios. E mais: se forem mapeadas e integradas aos modelos de tomada de decisão, permitirão aferir uma certa previsibilidade aos comportamentos individuais, o que é muito desejável, se queremos desenvolver um planejamento estratégico para as empresas e desenhar políticas públicas eficientes para enfrentar grandes desafios sociais e econômicos. É justamente nessa situação que podemos observar a colaboração da economia comportamental na prática.
**PERCEPÇÕES FALHAS**
Nesse processo de perceber a realidade, avaliar e decidir, ocorrem falhas na percepção da realidade, que nos levam a procurar por atalhos no processamento das informações, os quais, por sua vez, conduzem a erros sistemáticos, os chamados vieses cognitivos.
O contexto passa a ganhar muita relevância na interpretação das informações disponíveis para a tomada de decisão, e a forma como interpretamos a realidade é determinante para o resultado final.
Nós deformamos a realidade. Porém, saber como fazemos isso ajuda, e muito, a elaborar estratégias para compensar a deformação.
Em nosso processamento cognitivo, apenas algumas informações chamam a nossa atenção, somos seletivos. Deixamos de lado um grande conteúdo disponível e usamos somente partes para tirar nossas conclusões. Não olhamos o contexto todo a fim de desenhar cenários futuros, mesmo quando isso seria fundamental. Simplificamos.
Mais ainda, nos baseamos naquilo que está presente de forma mais imediata em nossa atenção para tomarmos uma decisão. Usamos uma heurística. No caso, a heurística de disponibilidade.
As informações mais disponíveis para nós ganharão mais relevância, representarão a realidade para o tomador de decisão e influenciarão o peso que será dado para a probabilidade de um evento ou outro ocorrer. Esse é o chamado viés de disponibilidade. Mas e no caso dessa pandemia, que é sem precedentes? Mesmo assim associamos algo em nossas vidas?
A resposta é afirmativa, pois em nossa memória habita todo o nosso repertório de respostas aprendidas diretamente ou herdadas de nossos antepassados e que formam um modelo mental a respeito de qual a ação ideal para lidarmos com qual desafio. Nosso processamento mental sempre usa pontos de referência conceituais, uma semântica própria, influenciando nossas decisões, mesmo que não estejamos conscientes deles.
Isso significa que a forma como apresentamos ou enquadramos as informações para nós, e para os outros, terá um efeito diferente nas nossas conclusões a respeito do que fazer. Influenciará nossas decisões e também quais informações levaremos em consideração ao avaliarmos uma situação.
É desse processo que surgem os vieses de confirmação – só acredito naquilo que já acredito – e de excesso de confiança – já acertei tantas vezes, sou bom mesmo, acertarei novamente.
Existe a tendência de supervalorizar as informações que reforçam e colaboram com a visão pré-existente e, simultaneamente, desvalorizar as informações que a contradizem.
Nosso estado emocional também interfere fortemente na nossa capacidade de prever resultados futuros, a chamada heurística do afeto. Afeto é a sensação, boa ou ruim, que experimentamos imediatamente ao ouvir uma palavra ou história. E, esse estado serve de “atalho mental” nos processos de tomada de decisão. Em outra palavras, ficamos suscetíveis às emoções que estamos sentindo no momento de decidir.
Um estudo em andamento desde 1989, realizado por Robert Shiller, ganhador do prêmio Nobel de 2013 e seus colegas do MIT, constatou que indivíduos que vivenciaram um terremoto próximo a sua residência nos últimos 30 dias, atribuíam uma maior probabilidade de ocorrência de uma crise no mercado financeiro, sob o mesmo contexto econômico vigente.
Então, com base no estudo, proponho uma reflexão: qual o nosso estado emocional atual, durante a pandemia do novo coronavírus, e quais serão nossas previsões e nossas decisões acerca do futuro, a partir de nossos sentimentos?
Todos esses erros sistemáticos ficam ainda mais exacerbados quando estamos diante de uma perspectiva de risco de perder várias coisas que são muito caras a todos nós, levando-nos a decisões menos eficientes, justamente quando mais precisamos acertar!
**E AGORA, O QUE FAZER?**
A economia comportamental dá a sua colaboração. Se sabemos que nosso estado emocional impactará nossas previsões sobre o futuro, o ideal é esperar um estado emocional mais neutro, nem de animação nem de pessimismo, para tomar alguma decisão relevante, da qual você possa se arrepender no futuro, quando o contexto mudar.
Também sabemos que estamos sujeitos a supervalorizar aquilo que reafirma a nossa opinião e desvalorizar aquilo que é discrepante. Portanto é essencial ouvir com atenção as opiniões diferentes e procurar ver valor no argumento oposto.
Outro viés de forte influência em situações de grande incerteza é o de disponibilidade. Ainda mais em tempos de conectividade, com a presença maciça das mídias sociais como canal de informação. Para contrabalançar esse tendência é fundamental um esforço no sentido de procurar informações e opiniões diferentes daquelas que você recebe sem fazer esforço, naturalmente, e que inundam sua caixa de e-mail, mídias sociais e canais de comunicação digitais.
E, por último, procure respaldo em fontes de informação confiáveis e especializadas, capazes de fazer bons cálculos estatísticos e pesar adequadamente as probabilidades de ocorrência de fenômenos. E, claro, desconfie deles, pois todos estão sujeitos aos vieses. Seja rigoroso em sua análise.
Mas, principalmente, desconfie da sua confiança e de sua capacidade de tomar decisões racionais e imparciais! Lembre-se: somos seres humanos, dotados de razão, mas também de emoções e sentimentos, e são esses últimos, a principal força motriz dos nossos comportamentos!.