Cultura organizacional

Isso é assunto de quem? A interdisciplinaridade em employer branding

A marca empregadora se manifesta em todas as áres de uma organização. Por isso, é preciso focar em construir e aperfeiçoar as manifestações da employer branding da porta para dentro
Atua como consultora em projetos de comunicação, employer branding e gestão da mudança pela Smart Comms, empresa que fundou em 2016. Pós-graduada em marketing (FGV), graduada em comunicação (Cásper Líbero) e mestranda em psicologia organizacional (University of London), atuou por 13 anos nas áreas de comunicação e marca em empresas como Johnson&Johnson, Unilever, Touch Branding e Votorantim Cimentos. É professora do curso livre de employer branding da Faculdade Cásper Líbero, um dos primeiros do Brasil, autora de artigos sobre o tema em publicações brasileiras e internacionais e co-autora do livro Employer Branding: conceitos, modelos e prática.

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É comum surgirem dúvidas sobre quem deve cuidar do employer branding (EB), seja nas organizações, seja nas empresas que as apoiam em atividades relacionadas à temática de pessoas. Em alguns casos, os questionamentos surgem da necessidade legítima de organizar um assunto que passa pelas mãos de quase todo mundo na empresa (um colega adorável ou detestável impacta muito sua experiência de trabalho, certo?); em outros, têm o jeitão de uma disputa de espaço entre prestadores de serviço que não sai muito da esfera pouco produtiva do “eu sei mais que você”. Aos termos contato com esse tipo de abordagem, é sempre bom lembrar que todo ponto de vista carrega em si o envolvimento de quem o compartilha com uma causa ou interesse, seja isso feito consciente ou inconscientemente (Freitas, 1999).

É justamente por isso que esse debate precisa ser abordado com um olhar crítico. A área de employer branding é das mais interdisciplinares no ambiente organizacional. A marca empregadora se manifesta em todos os pontos de contato externos e internos que chegam a uma pessoa durante sua jornada com uma organização, desde que ela descobre a empresa, passando por uma eventual admissão e depois durante todas as vivências até o momento da saída – e depois. Para olhar para tudo isso, as atividades relacionadas podem pedir a combinação de conhecimentos que são muito distintos e vão desde planejamento de mídia, redes sociais, conteúdo, funil de recrutamento, minúcias de ATS (Applicant Tracking Systems), storytelling, gestão de redes e subsistemas de recursos humanos e comunicação, só para começar. Impossível uma só área ou pessoa saber tudo sobre tudo isso.

No começo de 2023, durante uma sessão de facilitação para uma empresa do setor financeiro, apoiei o exercício de mapeamento de pontos de contato da marca empregadora considerando todo esse ciclo. Eram nada mais, nada menos que 30 pessoas de diferentes áreas trabalhando juntas nessa tarefa e foi impressionante ver ali, na prática, o quanto comunicação, RH – da admissão e folha de pagamento a desenvolvimento organizacional – marketing, ESG e outras áreas precisaram umas das outras para conseguirem desenhar um mapa completo, pois cada um cuidava apenas de alguns pontos de contato no seu dia a dia.

À exceção de organizações muito pequenas, dificilmente uma só área ou pessoa terá poderes, expertise e tempo para direcionar e executar o trabalho de marca empregadora em todos os pontos de contato. Mais: nenhuma organização vai conseguir priorizar todos esses pontos de contato ao mesmo tempo e, até por isso, essa integração é extremamente necessária, já que é nela que podem ser tomadas decisões importantes sobre o que fazer, quando fazer, como fazer e com quais recursos humanos e financeiros.

Acreditar na interdisciplinaridade do tema não significa deixá-lo disperso a ponto de que ele se dilua. No ambiente acadêmico de pesquisa social, por exemplo, do qual os saberes que suportam os estudos em employer branding fazem parte, assume-se que a realidade humana e social precisa da conexão entre muitos saberes para que tente se fazer compreender em sua totalidade. Isso traz o risco real da dispersão e da dificuldade em construir modelos que possam ser testados e replicados, como pede a boa ciência. Ainda hoje, quase 30 anos após o termo employer branding ser criado, não se encontram modelos plenamente validados e confiáveis na literatura acadêmica. O tema ainda é novo academicamente (o tempo nessa esfera corre em velocidade diferente) e essa indefinição é normal – temas trabalhados há mais tempo, como mudança organizacional, ainda patinam no mesmo problema. Faz parte.

Na realidade das empresas, essa dispersão comumente se reflete na falta de responsáveis definidos – além de orçamento, objetivos e acompanhamento – para employer branding. Essa situação às vezes dá contornos de realidade ao ditado “cachorro com dois donos morre de fome”, quando todo mundo faz alguma coisa, mas sem nenhuma coordenação ou conexão entre atividades e propósitos. Em outras situações, faz com que áreas inteiras que poderiam trabalhar juntas e fazer muito pela marca empregadora fiquem esperando um sinal, um pedido ou a criação de uma nova área para começar a olhar para o assunto.

Pela nossa experiência, a existência de uma área de employer branding, com senioridade e orçamento adequados ao porte da organização, faz muita diferença, mas não resolve todos os desafios. Capacidade de priorização, autonomia e um lugar na mesa onde as decisões são tomadas não são conseguidos automaticamente só porque uma área de EB existe. Chegar a esse ponto em um tema tão jovem pede um nível de maturidade no assunto que nem toda organização tem, mesmo em empresas com áreas sêniores em EB. E mais: algumas empresas hoje operam em modelos em que não necessariamente existe uma só área específica para cuidar de um assunto, mas sim grupos de pessoas de diferentes áreas que ficam responsáveis por ele. Sendo assim, área e orçamento dedicados ajudam, mas não são o único caminho para um bom trabalho de employer branding e não tê-los não deveria impedir nenhuma organização de trabalhar nessa frente.

Com tudo isso em mente, a gente pensa que é mais produtivo sair da esfera de discutir quem entende mais do quê e entrar na parte mais difícil, que é como conectar tantas áreas e saberes diferentes em prol de um só tema, que de forma geral ainda é novo para as organizações. Além disso, se mantivermos a conversa e relevância de employer branding somente na esfera de atração e recrutamento, teremos dificuldades em manter o assunto como pauta para as organizações quando o mercado esfria e as atividades de recrutamento esfriam junto, por exemplo. E ainda, perderemos o foco em construir e aperfeiçoar as manifestações da marca empregadora da porta para dentro, que são as que realmente formam o alicerce do que deveria ser comunicado para fora – pelo menos nisso, todo mundo concorda.

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