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Lean In x Opt Out, o dilema (para as profissionais e para as empresas)

Enquanto cada vez mais empresas se esforçam para ter mulheres na liderança, elas repensam se mergulham na profissão ou priorizam aspirações pessoais

Janes Rocha

A entrevista é de Janes Rocha, colaboradora de HSM Management...

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Quando a Coca-Cola anunciou há dois anos a meta de, até 2020, elevar a participação de mulheres em seu quadro de líderes dos atuais 28% para 50%, estava se juntando a um número crescente de empresas. E, de modo geral, hoje já existem mais mulheres em cargos de supervisão e coordenação do que homens. Vamos comemorar? Ainda não. 

É verdade que nunca houve tantas oportunidades para gestoras como hoje. No entanto, a chegada delas aos postos de liderança, em ritmo lento, tem feito com que muitas repensem o esforço para chegar lá, principalmente o sacrifício da maternidade e da família. Em um censo realizado em 2013, a organização não governamental Catalyst, que promove ações afirmativas e analisa o mercado de trabalho feminino, apontou que elas ocupam apenas 17% dos cargos de direção nas 500 maiores empresas da lista da revista Fortune, referência para o mundo corporativo. 

Na política, a representatividade feminina é ainda menor. Um levantamento do site Opera Mundi em 2014 mostrou que, entre os 191 países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU), apenas 13%, ou 25 países, são governados por mulheres. E esse número já é um recorde a ser celebrado, porque, em 1990, era metade disso: 12 países. O incômodo delas com a lentidão dos avanços e as dificuldades existentes vem sendo anunciado há mais de uma década. Em 2003, a jornalista e escritora Lisa Belkin escreveu um polêmico artigo no The New York Times sobre o que chamou de “revolução do opt out”, expressão em inglês que quer dizer “cair fora”, em tradução livre. 

As mulheres norte-americanas estavam “caindo fora” da carreira profissional para engravidar e/ou estar mais próximas dos filhos e da família, argumentava Belkin. A tendência se consolidou a partir daí. Em 2012, a cientista política Anne-Marie Slaughter ganhou todas as atenções ao anunciar, na revista The Atlantic, sua decisão de deixar um invejável posto no Departamento de Estado norte-americano para cuidar do filho de 14 anos, cheio de problemas de adolescente. Slaughter foi uma entre muitas. 

Tantas que, nos Estados Unidos, até surgiu uma reação ao opt out, batizada de “lean in”, que significa, em linhas gerais, mergulhar fundo na carreira e esquecer a vida pessoal se for preciso. Essa linha é defendida com unhas e dentes pela executiva-chefe de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, que escreveu livro homônimo sobre o assunto. Em resumo, o mar profissional nunca esteve tão bom para as mulheres, mas muitas estão decidindo jogar a toalha. E agora? 

**SELEÇÃO NATURAL  E A OPÇÃO BRASILEIRA**

José Geraldo Recchia, presidente da firma de consultoria de RH Caliper do Brasil, não acredita que toalhas sejam jogadas, não em escala expressiva. “Se, hoje, ambos os sexos já estão competindo por cargos de gestão, o mesmo acontecerá com os postos de direção e, por fim, com a cúpula das empresas”, diz o especialista. 

A psicóloga Cecília Russo tem dúvidas. Com dois livros publicados sobre o tema, ela está pesquisando as alternativas das mulheres universitárias brasileiras no mercado de trabalho para seu mestrado no departamento de estudos de gênero da Georgia State University e avalia: “O fenômeno do opt out pode, sim, abalar a tendência à presença feminina em cargos de liderança, uma vez que o número de mulheres aptas a tal posição decresce”. No entanto, a especialista também crê na possibilidade de uma “seleção natural” mudar o curso dessa história. 

Embora muitas mulheres caiam fora de fato, ficarão nas empresas aquelas com perfil mais ambicioso, dispostas a dar seu máximo e a “equilibrar todos os pratos” para chegar lá.  Serão um grupo extremamente focado. 

O debate está mais polarizado nos Estados Unidos que no Brasil, onde a maioria das mulheres ainda se divide entre três opções, e não duas: lean in, opt out e o meio-termo, que é conformar-se com uma posição de menos poder para cuidar da casa. Segundo Russo, a tendência dominante aqui parece ser a de buscar conciliar as duas vidas –facilitada pela existência de uma mão de obra de apoio para a classe média, de domésticas, babás etc. “Vejo isso na geração das brasileiras mais jovens, inclusive: elas não estão dispostas a mergulhar totalmente na carreira, esquecendo a vida pessoal, e tampouco querem cair fora se depender delas; desejam tudo”, afirma a pesquisadora. 

> **ELE FEZ O “OPT OUT”**
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> O movimento opt out sempre é uma das alternativas analisadas por milhões de mulheres ao redor do mundo. mas vem sendo implementado por alguns homens também, incluindo brasileiros, como o jornalista paulista claudio henrique dos santos, de 43 anos. 
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> Ele ainda constitui uma exceção, é claro, tanto que virou uma celebridade da internet com o comentadíssimo blog Macho do Século 21, além de livros publicados e convites para dar palestras em todo o Brasil. sua vida mudou em 2009. santos havia montado uma loja de vinhos depois de terminar uma carreira em comunicação corporativa que ia “razoavelmente bem”. 
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> Enquanto isso, Daniela, a esposa, “decolava” em uma carreira na área de recursos humanos. naquele ano, foi convidada pela multinacional do setor de saúde em que trabalha para ocupar um cargo de vice-presidente em singapura. santos viu-se de repente com apenas duas opções: abandonar o empreendimento para acompanhar Daniela e a filha, luiza, até o outro lado do mundo ou ficar sem as duas. 
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> Ele também podia bater o pé e fazê-la desistir do convite. mas aí entrou o espírito de parceria necessário aos casamentos. “como homem, eu tinha tudo naquele momento para não apoiá-la. mas não tive coragem. minha loja ainda não ia tão bem e aquela era uma oportunidade imperdível para ela”, conta. Decidido a ir para singapura, mergulhou no projeto, se desfez da loja e embarcou para o Extremo oriente, achando que poderia também trabalhar lá em qualquer outra coisa. só que não obteve visto de trabalho. nessa hora, santos diz que teve sua masculinidade colocada à prova. 
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> Ficou em casa, cuidando da filha e administrando o lar. “até para comprar um sanduíche na rua tinha de pedir dinheiro para Daniela.” por outro lado, foi uma experiência riquíssima de aproximação com luiza, que na época tinha 8 anos e ficava mais com ele que com a mãe. “para ela [a filha], o natural tornou-se eu estar em casa e a mãe trabalhar fora”, relata. 
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> Fase mais difícil hoje, morando nos Estados unidos, na cidade sede da companhia em que Daniela trabalha, santos conta que a fase mais difícil já passou. Foi quando, em singapura, as pessoas perguntavam o que ele fazia. por vergonha, com medo da pressão social, que é forte em qualquer parte, santos mentia, dizendo que trabalhava como freelancer. “um dia, decidi que não podia continuar escondendo a realidade: eu precisava sair do armário no âmbito profissional”, brinca. “passei a responder apenas com a verdade: ‘tenho o melhor emprego do mundo: cuido da minha filha’.” Santos garante que, embora tenha sido criado da mesma forma que a maioria dos brasileiros, em uma família machista, percebeu a injustiça disso e sempre agiu diferentemente com a esposa. “nunca tive problemas com o sucesso dela e nem esse orgulho ferido de homem, por ganhar menos do que ela.”

**CAMINHO INTERMEDIÁRIO**

Seja do lado das empresas, seja do das mulheres, como se viabiliza um caminho intermediário? Uma alternativa em ascensão, que tem sido adotada por muitas mulheres, é abrir um negócio próprio. A norte-americana Linda Rottenberg, fundadora da ONG de estímulo ao empreendedorismo Endeavor, diz que a responsabilidade pelo movimento opt out é majoritariamente das empresas estabelecidas, que estão expulsando pessoas de talento por não praticarem boas políticas sobre a vida em família e a maternidade. “Muitas mulheres talentosas estão saindo do mercado de trabalho de fato.” 

A segunda alternativa é as empresas se reinventarem em estrutura e processos, para acolherem mais a vida pessoal de seus colaboradores. “Quando as empresas se derem conta realmente de que estão perdendo incríveis talentos, elas vão ter de mudar”, assegura Rottenberg. José Geraldo Recchia acrescenta que muitas empresas estão sendo influenciadas pelos estudos internacionais que evidenciam os benefícios das características de gestão ligadas ao estilo feminino. “À medida que se comprova que o modo de gerenciar associado às mulheres gera melhores resultados nos negócios, mais empresas se sentem compelidas a ajudar na busca de um caminho do meio que possa viabilizar a permanência das mulheres ali”, diz o consultor. 

As gestoras já têm homens como aliados para mudar as organizações. “Todos os jovens que chegam hoje aos cargos de gestão exigem mais flexibilidade das empresas”, afirma Recchia. Os homens das gerações Y e Z também estão pedindo mais flexibilidade para poder participar mais da criação de seus filhos, reforça Rottenberg –e alguns até assumem mais a casa. As empresas estão, de fato, atentas à movimentação. Benefícios como licença-maternidade de seis meses, creche, sala de lactação, vagas especiais no estacionamento para gestantes e horários flexíveis já viraram commodities nas maiores. 

Além disso, como a Coca-Cola, grandes nomes da indústria desenvolveram programas destinados não só à ampliação mais rápida da participação feminina no quadro de colaboradores, mas também ao estímulo à liderança. Gigante de um setor predominantemente masculino, o da tecnologia, a Dell montou o programa Wise (sábio, em inglês) para ampliar a participação feminina na liderança. Baseado no desenvolvimento de redes de relacionamento e mentoria, o Wise tem grande alcance, abrangendo gênero, orientação sexual e pessoas com deficiência física, explica Luciana Madrid, diretora de recursos humanos. Para as mulheres, o programa desenvolve comunicação própria e atividades de capacitação dentro e fora do País. 

Há um braço voltado para o público externo, para estimular jovens a empreender com a marca, e um encontro internacional, que todo ano reúne centenas de empreendedoras. “Com a diversidade do time refletindo a diversidade dos consumidores, entendemos melhor nosso público e desenvolvemos tecnologias e modelos de negócio adequados”, afirma Madrid. Na filial brasileira da Renault, a diretriz para ampliar a participação feminina na companhia veio da matriz na França: a ordem é chegar a 2016 com 20% de mulheres em postos-chave, relata a diretora de RH, Ana Paula Camargo. 

Parece pouco, mas trata-se de um desafio imenso para uma montadora de veículos, pois esse setor atrai menos mulheres do que o de tecnologia. Camargo conta que um programa para chamar o público feminino começou em 2009 em âmbito mundial. Na filial brasileira, onde as mulheres representavam apenas 10% do quadro de colaboradores, o programa teve início em 2011. 

Foi, então, criado um grupo de trabalho interno, com dez mulheres e dois homens, multifuncional, para estudar incentivos e identificar possíveis “telhados de vidro”, promovendo debates e eventos. Só que um ano depois, em 2012, a participação feminina continuava em 10% –o programa não estava funcionando. Por quê? Houve uma revisão no grupo, envolvendo mais homens na mudança (a proporção passou a ser meio a meio). Também foram incluídas pessoas de maior influência entre o time e promovidos debates com formadores de opinião a fim de superar os obstáculos culturais. 

Em 2014, a boa notícia: a participação das mulheres em postos de liderança subiu para 11%, e com um importante aumento de números absolutos, segundo Camargo: “Saímos de 531 mulheres em 2010 para 688 em dezembro de 2014, ou seja, 157 a mais em quatro anos, em um universo de 6 mil colaboradores”. Um esforço adicional na Renault está sendo feito no recrutamento externo, no qual há uma espécie de cota informal de 50% para mulheres –em cada processo, os currículos delas são analisados antes dos deles. 

A filial brasileira da Pfizer, a gigante farmacêutica, seguiu as diretrizes globais de diversidade do grupo e já tem mudanças para mostrar. Se em 2008, quando o programa se iniciou, 23% dos colaboradores eram mulheres no grupo todo, hoje, só entre os 2,5 mil colaboradores no Brasil, 48% são mulheres ocupando cargos executivos (incluindo os de gerentes e diretores). 

O programa da Pfizer é agressivo, conta Cristiane Santos, gerente sênior de comunicação corporativa e uma das líderes do Comitê de Diversidade e Inclusão (D&I): prevê a seleção de uma mulher para cada homem contratado, a cada vaga criada, tanto na sede administrativa como nas duas fábricas. 

**COMEMORAR UM POUCO**

Sim, vamos comemorar –ao menos um pouco. Embora as queixas sobre a lentidão do avanço e as dificuldades existentes tenham muitas razões de ser, os processos em andamento em algumas empresas já nos dão direito a alguns sorrisos extras.

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