> Vale a leitura porque…
>
> … a teoria da evolução de Charles Darwin tem sido cada vez mais utilizada para explicar o que acontece nos negócios. … assim como na evolução das espécies a adaptação permitiu que organismos triunfassem em ambientes desafiadores, isso tende a ocorrer com as empresas. … toda liderança deveria ser adaptativa, mas, na prática, pessoas e empresas ainda confundem liderança com posição, poder, autoridade e status.
O professor da Harvard University Ronald Heifetz se prepara para a primeira visita ao Brasil. Vem em boa hora. Estudioso da teoria da evolução, ele acredita que ambientes mutantes, como este a que estamos expostos atualmente, nos obrigam a ter uma abordagem adaptativa no modo de operar. E os líderes, corporativos e governamentais, têm papel predominante na adaptação. Para Heifetz, liderar de forma adaptativa requer, essencialmente, pensar de maneira experimental em vez de dizer “eu tenho as respostas”. “O líder adaptativo não hesitará em desviar-se do planejado quando perceber que a realidade não é como ele antecipou”, enfatiza.
**LIDERANÇA ADAPTATIVA É…**
… a capacidade de mobilizar pessoas – em uma comunidade ou organização – para que consigam progredir mesmo diante de desafios que mudam a toda hora. A ideia-chave é que a atividade da liderança não está vinculada a status, poder, autoridade ou posição, como muitos ainda pensam.
**O SR. COMEÇOU A DESENVOLVER O CONCEITO 30 ANOS ATRÁS. ATÉ QUE PONTO AS EMPRESAS JÁ O RECONHECEM E IMPLEMENTAM?**
Em relação ao reconhecimento, hoje o conceito é visto como normal. Todos sabemos que vivemos em um mundo que demanda adaptação incessante das organizações – seja uma empresa, seja um país. As crises ocorridas nesse período até reforçaram essa visão – nos Estados Unidos, a tragédia de 11 de setembro de 2001 e a crise hipotecária de 2008. Aqui a liderança adaptativa tornou-se uma ideia central para o pensamento corporativo e político. Já quanto à implementação, esta continua a ser um desafio. Ainda não é uma forma corriqueira de atuação da liderança, como deveria ser. Nós estamos na fronteira da prática.
> **SAIBA MAIS SOBRE RONALD HEIFETZ**
>
> Quem é: Psiquiatra de formação e exímio violoncelista, é uma das maiores autoridades em liderança da atualidade. Cofundador do Center for Public Leadership, da Kennedy School of Government, a escola de administração pública de Harvard, atua como professor e consultor.
>
> Livros: The Practice of Adaptive Leadership, Leadership without Easy Answers e Leadership on the Line (com Marty Linsky).
>
> No Brasil: Estará em São Paulo para uma palestra na HSM ExpoManagement, em novembro deste ano.
>
>
**POR QUÊ? OS EXECUTIVOS NÃO ADMITEM NÃO TER TODAS AS RESPOSTAS?**
Ainda se espera que as pessoas em posição de autoridade tratem todos os problemas de forma técnica, como se fossem administráveis apenas com sua experiência e sabedoria. Seria ótimo se vivêssemos em um mundo no qual isso fosse verdade. No entanto, o mundo constantemente nos joga problemas, desafios e até oportunidades que estão além de nossa experiência e sabedoria. É crucial que um líder faça sua equipe perceber que alguns problemas serão solucionados de forma técnica, com sua larga experiência gerencial, e outros não, e ele deve fazer isso mantendo sua credibilidade, merecendo a confiança das pessoas. Os problemas que combinam componentes adaptativos e técnicos demandam a inteligência do grupo. Se quiser encontrar uma solução para eles, a equipe tem de embarcar em um esforço conjunto para desenvolver novas competências.
**ENTÃO, DESENVOLVER NOVAS COMPETÊNCIAS É A CHAVE?**
Sim, eu diria que uma das chaves da liderança adaptativa é desenvolver novas competências com o objetivo não apenas de sobreviver, mas também de prosperar no novo ambiente. São três as tarefas principais da liderança adaptativa. Pense na natureza e em como os organismos se adaptam a um desafio no ambiente: eles descartam alguns componentes de seu DNA, mantêm outros e desenvolvem novas competências. Acredito que essas mesmas três tarefas constituem a essência dos processos de adaptação dos negócios: o que vamos descartar, o que vamos manter e quais inovações vão nos permitir tirar o melhor proveito de nossa identidade para o futuro.
**UMA QUARTA TAREFA SERIA MOBILIZAR AS PESSOAS PARA MUDAR? MAS ESSA É UMA TAREFA DIFICÍLIMA, NÃO? MUDANÇA NÃO GERA RESISTÊNCIA SEMPRE?**
Liderança nunca teve a ver com distribuir boas notícias. Muito frequentemente, liderar é um exercício de fazer as pessoas admitirem a necessidade de aceitar uma perda transitória e partirem em busca do novo. A mudança adaptativa é difícil porque não se consegue levar todo o histórico de DNA para o futuro; é possível conservar a maior parte, mas não tudo – algo necessariamente será perdido.
Uma mudança de processo em uma empresa, por exemplo, pode significar descartar 50% do que alguns colaboradores conhecem sobre seu trabalho. E não é fácil para ninguém aceitar abrir mão de algo; há um luto. Agora, permita-me discordar um pouco do senso comum segundo o qual as pessoas sempre resistem à mudança. Isso não é totalmente verdade.
As pessoas adoram mudanças, desde que saibam que elas são boas. Nunca se ouviu falar que alguém tenha devolvido um prêmio de loteria, por exemplo. Assim, concluo que as pessoas resistem a uma mudança apenas quando veem nela um risco de perda. Cabe à liderança identificar os tipos de perdas que precisará impor à equipe e como lidará com elas, ao mesmo tempo que deve engajar e mobilizar as pessoas no processo – a essência da mudança do tipo adaptativo é a mobilização.
**O SR. DISSE CERTA VEZ QUE “SER UM LÍDER VALE A DOR”. POR QUE VALE?**
A função vale a pena apesar de todas as dificuldades porque é algo inspirador e significativo para um grupo de pessoas, seja uma comunidade, seja uma equipe corporativa. Um grupo ser forçado a dar o melhor de si e encontrar novas maneiras de prosperar é inspirador; as pessoas serem capazes de dizer “ainda somos nós mesmas, mas agora melhores que nunca, porque tivemos coragem de abraçar a mudança” é significativo. O líder mantém o que é mais precioso para uma comunidade – sua identidade –, porém a faz aceitar e adotar novas práticas que lhe permitam prosperar. Nada é mais inspirador que ser a fonte de renovação para um grupo de pessoas.
> **Adaptar combina mudança e preservação**
>
> Adaptação, na perspectiva da biologia, é uma característica que melhora alguma função de um ser vivo e, por isso, aumenta sua capacidade de prosperar. Pode ser um comportamento que permita ao animal fugir mais facilmente de predadores, uma proteína que funcione melhor na temperatura corporal, um traço anatômico que possibilite ao organismo acessar novos e valiosos recursos. Segundo Ronald Heifetz, é a pequena mudança que faz diferença. Ele gosta de lembrar que o DNA do ser humano só tem 1% de mudança em relação ao do chimpanzé, o restante é tudo igual. “Para adaptar, é preciso saber manter tanto quanto saber mudar, na natureza e nas organizações”, diz.
**NA PRÁTICA, COMO O LÍDER ADAPTATIVO MOBILIZA SUA EQUIPE?** Lembre que liderança adaptativa não diz respeito só a mudança; abarca sobretudo quais comportamentos descartar e quais manter. O esforço adaptativo gera tanto conflito porque implica decidir o que fica e o que sai. O conflito é o motor da inovação; deve ser incentivado, não evitado.
Mobilizar tem a ver com identificar as perdas e promovê-las, com entender a dor que as perdas estão causando e tentar amenizá-la sem suspender o processo. O líder precisa ter estômago para um desequilíbrio sustentado.
Seu desafio não é deixar tudo em equilíbrio, e sim manter a temperatura e a pressão altas, cozinhar na panela de pressão. Isso é exatamente o contrário do que boa parte dos líderes faz ao confrontar uma grande mudança: eles tentam poupar a equipe, minimizando os danos e agindo como se soubessem o que estão fazendo. Crises ajudam um líder a mobilizar as pessoas; ter aliados também é crucial.
**O SR. COSTUMA ASSESSORAR LÍDERES POLÍTICOS. ELES SÃO MAIS ADAPTATIVOS QUE OS LÍDERES EMPRESARIAIS?**
Ao longo dos anos, trabalhei com presidentes e primeiros-ministros de muitos países, de fato. A grande vantagem deles sobre os líderes empresariais é a capacidade de mobilização e engajamento do público. Isso só acontece, no entanto, quando o líder não fica refém do aparato governamental nem encapsulado em seu gabinete. Ele precisa passar tempo com o povo, tanto para controlar a mensagem que deseja transmitir como para ouvir seus medos e ansiedades.
Já faz alguns anos que trabalho para o governo da Colômbia, por exemplo – antes com Álvaro Uribe e agora com Juan Manuel Santos. Uribe foi um exemplo de inovação. Ele costumava ir com frequência para o interior do país e ficava o dia todo ouvindo as pessoas. Usando essa rotina, passava tempo com suas equipes locais, mobilizando-as em relação aos desafios que enfrentariam, em um exercício de responsabilidade coletiva. É esse tipo de mudança que eu tenho ajudado os líderes a gerenciar, beneficiando-se de uma liderança compartilhada – assim, o conhecimento se espalha por vários microambientes.
Adaptabilidade pressupõe diversas microadaptações, e isso requer distribuir bem a informação. Atualmente, com Santos, trabalho acompanhando a equipe de negociação no processo de acordo de paz entre o governo e a guerrilha das Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] para encerrar um conflito de mais de cinco décadas. Assinar o acordo é a parte mais fácil desse processo; a mais difícil será sua consolidação. Meu foco está em como preparar as equipes para as mudanças sociais e econômicas requeridas pela solução.
**O QUE O SR. TEM ESTUDADO?**
Ando interessado nos processos biológicos que promovem a adaptação na natureza; eles podem nos ensinar bastante sobre a adaptação nos negócios. A natureza é muito eficiente e só muda o que precisa ser mudado; o resto ela mantém. Essa seletividade me fascina. A questão da adaptação me persegue desde o início da carreira, e hoje estou convicto de que pressupõe três escolhas: quais componentes descartar, quais manter e quais desenvolver para levar nossa existência adiante. É isso que estou estudando agora.
> Você aplica quando…
>
> … entende que deve liderar de forma experimental, em vez de vez de achar que tem todas as respostas. … distingue os problemas técnicos e os adaptativos e os aborda adequadamente. … executa três tarefas principais: decidir o que descartar, o que manter e quais novas competências desenvolver. … aprende a mobilizar as pessoas em torno da mudança necessária, sem minimizar conflitos.