Liderança

Liderar: dar voz e escutar

Ambiente corporativo exige cada vez mais diálogo, na opinião de Juliano Ohta: sem isso, cai o engajamento das equipes, desafio que segue colocado no pós-pandemia

Compartilhar:

Apaixonado pelo surfe, ele costuma dizer que representa a grande mistura brasileira – é filho de uma família que combina japoneses, portugueses e italianos – e construiu sua carreira profissional acumulando experiência em culturas diversas, aprendizado colhido nos diversos países em que trabalhou. CEO da Telhanorte Tumelero, que é o braço de distribuição do Grupo Saint Gobain, Juliano Ohta aponta a proximidade com as pessoas – numa relação de empatia e escuta – como vetor determinante na gestão de recursos humanos.

Para ele, 2022 será um ano de novas adaptações e exigirá ainda mais atenção de líderes e gestores. “É um ano de rearranjos e readaptações. A pandemia mexeu em vários aspectos, há turbulências, e as coisas não se acomodaram ainda. O ano de 2022 deve ser de acomodação”, avalia.

Nesta conversa com Raissa Bittar, coordenadora de transformação organizacional e comunicação do Grupo Saint-Gobain, o executivo comenta os desafios e o papel estratégico do RH, destaca a importância do exemplo na liderança das equipes, da escuta e de dar voz aos colaboradores como ingredientes essenciais para o engajamento e o sucesso.

__RAISSA BITTAR – Todo ano, a gente mede o engajamento no grupo Saint-Gobain, que a Telhanorte Tumelero integra. Mas medir não basta se o líder não faz nada com isso. Como os líderes devem engajar?__
__JULIANO OHTA -__ Eu costumo dizer que não basta só dar a voz para quem não está acostumado a falar. A gente precisa provocar que venha uma fala do outro lado. O líder tem de incitar a fala e estar disposto, de fato, a ouvir. Inclusive, ouvir é um ato de energia, ao qual precisamos nos dedicar. Quando ouvimos uma pessoa e percebemos que não está satisfeita, precisamos incorporar a opinião de outras pessoas. Então, é preciso fazer algo com isso; é preciso fazer mudanças na organização.

Logicamente esse tipo de liderança é uma coisa que não se impõe por decreto. Pode haver líderes na empresa que não estão acostumados a fazer isso. O que eu faço é dar esse exemplo de escutar e começar as mudanças por mim mesmo. Daí acredito que os demais líderes vão se inspirar. E aí conseguimos engajar, que é a cola que mantém a empresa.

__O que você entende como boas práticas de liderança para a Telhanorte Tumelero?__
Elas começam por ter um canal de comunicação aberto. A gente precisa cada vez mais de proximidade. As ferramentas digitais estão aí para nos ajudar, vamos aproveitar que a gente consegue estar em diversos lugares ao mesmo tempo.

Na Telhanorte Tumelero, há mais de um ano e meio fazemos nossa live semanal com todos os colaboradores, por exemplo. Eu participo pessoalmente, normalmente estando numa loja, e converso com 4 mil colaboradores. É uma conversa, porque eles mandam as perguntas antes.

Outra boa prática é o reconhecimento das atitudes que estão em linha com nossos valores. Você pode reconhecer colega, chefe, colaborador, pessoas de dentro e de fora da organização… Hoje, por exemplo, estamos valorizando o protagonismo de cada um. Então, em nossa live e durante toda a semana, fazemos reconhecimentos múltiplos sobre como a pessoa foi a protagonista. Expor isso cria um círculo virtuoso.

Em nossa rotina muito forte, bem típica do varejo, temos diálogos diários sobre diversos temas, de saúde, segurança, até venda, atendimento. Nós nos mantemos sempre atentos ao feed­back do cliente, trazendo para dentro de casa o que é preciso mudar. É muito difícil, no Brasil, dar feedback; não temos a cultura de fazer isso de modo direto. Temos trabalhado muito na simplificação de nossas ferramentas para recebermos e darmos feedback cada vez mais constantes e efetivos a todos.

__Há um jeito único de liderar? O que você acha?__
Certamente não, mesmo porque a boa liderança começa com autenticidade. Cada líder tem um jeito próprio, e é muito importante que seja assim. Cada vez mais as pessoas – e a nova geração – percebem quando há incoerência entre a fala e a ação. E quando não há autenticidade, essa incoerência aparece e tudo vai por água abaixo. E o líder autêntico transmite mais energia.

Além disso, a liderança é um ato de entrega. Para mim, o líder é, em primeiro lugar, um servidor. Serve à empresa, aos acionistas, mas principalmente aos colaboradores, à sociedade e ao meio ambiente.

Uma coisa que toda liderança precisa ser é inclusiva, o que significa fazer com que as pessoas se sintam pertencentes, e que possam ser prósperas dentro da empresa. O sucesso das pessoas é fundamental para manter essa inclusão e para manter a cola do engajamento interno. Logicamente, para conseguir isso, a gente precisa ter proximidade das pessoas, o que significa ser humilde e simples. Mas não pode se esquecer de ser exigente, é claro. Exigente, mas sempre de forma respeitosa.

__O cenário da pandemia trouxe um desafio gigantesco para os profissionais com o home office. Qual a principal lição que você aprendeu nesse período? Qual o melhor modelo de trabalho daqui por diante?__
Sobre o modelo de trabalho, não há unanimidade. De minha perspectiva, home office trouxe produtividade e mais produtividade. As reuniões ficaram muito mais objetivas, reparou? Os atrasos, muito conhecidos no Brasil, foram reduzidos. Outro legado positivo é que, pela distância, nós tivemos de desenvolver muita confiança um no outro. Mas faltou aquele calor humano, que aguça a criatividade – não conseguimos compensar a falta do presencial nisso.

A realidade é que a gente já vive num mundo híbrido. Então, o híbrido faz sentido. Só que não vai vir sem complicações, vai ser muito difícil essa transição até achar a combinação ideal para todos. O papel do líder ficou ainda mais reforçado nesse contexto: ele precisa ter mais conversas um a um com os colaboradores e criar a conexão da equipe.

__Esse é o maior desafio das lideranças para 2022?__
Eu diria que é um dos grandes desafios: 2022 não vai ser como 2019, antes da pandemia, mas também não vai ser como 2020 e 2021. É um ano de rearranjos, readaptações. A pandemia mexeu em vários aspectos e, além disso, o mundo está vivendo várias turbulências políticas, muitos conflitos no mundo; aqui no Brasil estamos com o temor da inflação. As coisas não se acomodaram ainda e 2022 deve ser um ano de acomodação, embora também de instabilidade. Vamos continuar fazendo prova de muita flexibilidade e de empatia, para continuar seguindo nosso caminho.

__Se a gente pensar hoje no profissional do futuro, o que a Telhanorte Tumelero espera do colaborador?__
A gente precisa de autonomia nesse novo mundo, para ter agilidade e atender bem o cliente; o mundo digital é muito mais rápido. Precisamos dar autonomia, e as pessoas precisam assimilar essa autonomia. Para isso, elas têm de ser protagonistas, influenciadoras, se empoderar. Ser comunicativo – com a escuta e a fala – é crucial para isso. Fora isso, os profissionais devem ser colaborativos e ter um bom relacionamento interpessoal, além de ser flexíveis e abertos a mudanças, lógico.

A pessoa tem de ter cabeça digital – o digital é uma forma de pensar. Nós começamos a digitalização aqui pela cultura. Iniciamos com uma transformação cultural há quatro anos, aproximadamente, com um novo propósito, novos valores para andarmos juntos, mudamos muita gente na equipe e a forma de trabalhar.

__Qual foi sua situação mais delicada como líder?__
Foi no ano de 2009, quando eu estava voltando da Saint-Gobain na França para o Brasil e assumi o cargo de diretor de operações das lojas da Telhanorte – ainda não tinha o nome Tumelero. Naquele momento, nós vivíamos a maior crise da empresa até o momento. Era uma crise logística, tivemos um problema muito sério no centro de distribuição e não conseguíamos entregar produtos vendidos aos clientes. Isso começou a gerar um problema muito grande, não só com os clientes vindo reclamar, mas também com os vendedores, que são comissionados em nossa empresa, não conseguindo vender. A remuneração deles estava totalmente comprometida.

Eu não tinha solução de curto prazo; demoramos mais de um ano pra corrigir a situação. O que eu fiz foi conversar. Eu criei uma ação de impacto que foi visitar todas as lojas com minha equipe direta, criar um canal aberto para ouvir as reclamações. Por incrível que pareça, conseguimos um nível de engajamento muito grande, baixamos a tensão, conseguimos trabalhar em equipe e, depois de um ano, conseguimos entregar novamente. A lição que ficou é que a gente precisa enfrentar os problemas com humildade e escuta.

__Juliano Ohta__
É membro do board do Capitalismo Consciente Brasil e do IDV (de varejo).

__Raissa Bittar__
Teve experiência prévia como coordenadora de comunicação na Cosan.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Sua empresa pratica o carewashing?

Uma empresa contrata uma palestra de gerenciamento de tempo para melhorar o bem-estar das pessoas. Durante o workshop, os participantes recebem um e-mail da liderança