Sustentabilidade

Mais um risco para a saúde: metas sem propósito

Pesquisa global do Gartner revela que 70% das empresas têm metas e KPIs inúteis – “metas-bullshit”, como as denominou um livro. O problema é que a suposta “performance” vem com uma série de efeitos colaterais, sendo tudo menos sustentável
Sócia da House of Feelings, psicóloga e professora na FIA/USP e na Saint Paul Escola de Negócios. Atua há mais de 15 anos em Recursos Humanos com foco em saúde mental, desenvolvimento humano e cultura organizacional. Especialista em diagnósticos de clima, desenho de programas estratégicos de pessoas, mapeamento de talentos e sucessão. Mestre em Transição de Carreira pela FIA, combina experiência acadêmica e prática empresarial para apoiar líderes e organizações na construção de ambientes de trabalho mais humanos, sustentáveis e de alta performance.

Compartilhar:

No universo corporativo, a busca incessante por metas e indicadores de desempenho muitas vezes parece mais uma corrida sem rumo, um esforço árduo em direção a alvos muitas vezes nebulosos. (Você já reconheceu a verdade desta afirmação provavelmente.)

Essa realidade ganha contornos nítidos nas páginas de um livro que li recentemente, o [*Bullshit Jobs*](https://en.wikipedia.org/wiki/Bullshit_Jobs), de David Graeber. O conteúdo tem um olhar crítico sobre trabalhos considerados inúteis e nos faz refletir sobre os objetivos sem propósito que envolvem muitas organizações.

Graeber, em sua obra que mesmo escrita em 2013 continua atual e provocativa, destaca a existência de empregos que, apesar de consumirem tempo e recursos consideráveis, não possuem um significado ou propósito real. Essa ideia pode ser aplicada ao contexto das metas empresariais, que frequentemente são encaradas como fardos desnecessários, sem uma ligação clara aos planos reais da empresa.

E a implementação de metas e indicadores de desempenho sem um propósito definido tem se mostrado uma prática mais comum do que se imagina. Uma pesquisa realizada pelo Gartner em 2022, com mais de 3 mil executivos de empresas de todo o mundo, revelou que 70% das empresas têm metas e KPIs inúteis.

O resultado é uma pressão constante sobre os colaboradores para atingirem objetivos que não contribuem para o crescimento genuíno da empresa ou para o bem-estar da equipe.

Ao relacionar as reflexões de Graeber com a realidade das metas corporativas é possível perceber os perigos invisíveis que contaminam muitos ambientes de trabalho. Segundo a pesquisa do Gartner, 35% das empresas pesquisadas têm metas que não estão alinhadas com os objetivos estratégicos.

E a situação pode piorar: 20% das organizações ouvidas têm KPIs que são difíceis ou impossíveis de atingir. Essas metas inalcançáveis criam um ambiente de trabalho tóxico, onde os colaboradores se sentem constantemente sobrecarregados e inadequados.

A falta de propósito nos KPIs estabelecidos é outro fator crítico. Metas que não estão alinhadas com a visão e os valores da empresa, ou que não contribuem para o desenvolvimento profissional e pessoal dos colaboradores, são como âncoras que impedem o crescimento saudável dentro da organização.

Metas “bullshit” não apenas prejudicam a qualidade do trabalho dos colaboradores, mas também são verdadeiros agentes nocivos. Quando os colaboradores não conseguem identificar um propósito claro por trás delas, a motivação e o engajamento diminuem.

O estresse resultante da perseguição incessante de objetivos inúteis pode levar a uma variedade de problemas de saúde, desde ansiedade até esgotamento profundo. Isso sem dizer de criar um ciclo vicioso de negatividade.

Quando os colaboradores percebem que dedicam tempo e esforço para alcançar objetivos que não agregam valor real, a sensação de desperdício pode levar à desilusão e à desmotivação. Esse desinteresse pode, por sua vez, afetar negativamente o ambiente de trabalho, prejudicando as relações interpessoais e a colaboração.

Para abordar esse desafio, as empresas devem repensar a maneira como estabelecem metas, priorizando aquelas que estão alinhadas com uma visão coerente e que contribuem para um ambiente de trabalho saudável. E os líderes desempenham um papel fundamental nesse processo. Eles devem ser sensíveis às necessidades e capacidades de suas equipes, evitando impor as que são desprovidas de propósito ou inatingíveis.

É hora de repensar o enfoque em indicadores de desempenho e priorizar metas que não apenas impulsionam o crescimento organizacional, mas também promovam a saúde e o bem-estar duradouros dos colaboradores.

Crédito da imagem: Shutterstock

Compartilhar:

Artigos relacionados

Homo confusus no trabalho: Liderança, negociação e comunicação em tempos de incerteza

Em um mundo sem mapas claros, o profissional do século 21 não precisa ter todas as respostas – mas sim coragem para sustentar as perguntas certas.
Neste artigo, exploramos o surgimento do homo confusus, o novo ser humano do trabalho, e como habilidades como liderança, negociação e comunicação intercultural se tornam condições de sobrevivência em tempos de ambiguidade, sobrecarga informacional e transformações profundas nas relações profissionais.

Negociação
Em tempos de transformação acelerada, onde cenários mudam mais rápido do que as estratégias conseguem acompanhar, a negociação se tornou muito mais do que uma habilidade tática. Negociar, hoje, é um ato de consciência.

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura
Inclusão
Imagine estar ao lado de fora de uma casa com dezenas de portas, mas todas trancadas. Você tem as chaves certas — seu talento, sua formação, sua vontade de crescer — mas do outro lado, ninguém gira a maçaneta. É assim que muitas pessoas com deficiência se sentem ao tentar acessar o mercado de trabalho.

Carolina Ignarra

4 min de leitura
Saúde Mental
Desenvolver lideranças e ter ferramentas de suporte são dois dos melhores para caminhos para as empresas lidarem com o desafio que, agora, é também uma obrigação legal

Natalia Ubilla

4 min min de leitura
Carreira, Cultura organizacional, Gestão de pessoas
Cris Sabbag, COO da Talento Sênior, e Marcos Inocêncio, então vice-presidente da epharma, discutem o modelo de contratação “talent as a service”, que permite às empresas aproveitar as habilidades de gestores experientes

Coluna Talento Sênior

4 min de leitura
Uncategorized, Inteligência Artificial

Coluna GEP

5 min de leitura
Cobertura de evento
Cobertura HSM Management do “evento de eventos” mostra como o tempo de conexão pode ser mais bem investido para alavancar o aprendizado

Redação HSM Management

2 min de leitura
Empreendedorismo
Embora talvez estejamos longe de ver essa habilidade presente nos currículos formais, é ela que faz líderes conscientes e empreendedores inquietos

Lilian Cruz

3 min de leitura
Marketing Business Driven
Leia esta crônica e se conscientize do espaço cada vez maior que as big techs ocupam em nossas vidas

Rafael Mayrink

3 min de leitura
Empreendedorismo
Falta de governança, nepotismo e desvios: como as empresas familiares repetem os erros da vilã de 'Vale Tudo'

Sergio Simões

7 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Já notou que estamos tendo estas sensações, mesmo no aumento da produção?

Leandro Mattos

7 min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)