Contagem regressiva
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Mal o 5g chegou, aí vem o “Brasil 6g”

Antonio Marcos Alberti, coordenador do laboratório de tecnologias de informação e comunicação do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), de Santa Rita do Sapucaí (MG), discute a seguir a ampliação do padrão 5G para redes móveis e de banda larga no País e o que podemos esperar da geração seguinte, a 6G

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### 10 – O 5G começou a ser instalado no Brasil em 2022, bem no meio de uma crise global que afetou diversas cadeias de valor, especialmente as ligadas ao setor de telecom, e se supõe que sua adoção seja bem mais lenta que a do 4G. Como você vê essa evolução?
De fato, esses eventos derivados da crise global têm impactado muito o cenário aqui, porque hoje tudo depende de tecnologia e do que vem de fora. Sem dúvida, um problema na cadeia produtiva afeta a parte física da construção dessas arquiteturas em nosso País. Essa é a realidade atual.

Em termos de como evolui, o que temos discutido com as operadoras brasileiras há algum tempo é como reduzir o custo da infraestrutura do 5G. Para isso, o grande aliado tende a ser a própria tecnologia, porque, com as novas arquiteturas, você consegue compartilhar {a estrutura} com outros players. Isso possibilita novos modelos econômicos e de negócio para as operadoras, que já estão usando esse mecanismo {de compartilhamento} para reduzir custos, já que o 5G tem demandas de cobertura em que a quantidade de equipamento físico é maior do que nas arquiteturas anteriores.

Outro desdobramento é que, junto com o modelo atual de licenciamento da Anatel {a agência reguladora do setor de telecomunicações}, também está sendo discutido o uso dinâmico do espectro de radiofrequências e a sua monetização. Já existe tecnologia que viabiliza isso, mas o modelo regulatório atual ainda não a leva em conta. Por exemplo, o gerenciamento dinâmico possibilitaria a criação de um mercado de espectro monetizado digitalmente, com uso controlado pelas próprias arquiteturas para o melhor uso de várias faixas de frequência.

Novos negócios com o 5G já estão acontecendo, ao menos na área técnica. Por exemplo, as especificações de redes com funcionalidades abertas do Open RAN (sigla em inglês para rede de acesso por rádio), e com interfaces padronizadas, permitem que vários players atuem na parte de acesso da rede.

Nosso projeto de estudo sobre o desenvolvimento da rede 6G no Brasil vai nessa direção também. Estamos trabalhando no Inatel o projeto Brasil 6G.

### 9 – Então, já devemos olhar para a rede 6G?
O Brasil 6G é um projeto grande da Rede Nacional de Pesquisa, com várias universidades, empresas, o CPQD {Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações} e o Inatel é o coordenador. Dentro do Brasil 6G, eu fiquei com toda a parte de softwarização e virtualização. Estamos trabalhando a 6G evolucionária a partir do 5G, que vai ganhar incrementos: inteligência artificial, superfícies inteligentes, satélite, blockchain, até metaverso está sendo estudado.

Esse 6G disruptivo não está sendo desenvolvido na prática ainda. Embora exista o desenho da arquitetura, ele é conceitual. Em 2023 provavelmente farei um modelo matemático usando teoria de filas para provar que ele é viável e escalável. Sua implementação depende de algum fomento e de pessoas mais especializadas em web3.
Mas sabemos que um componente forte das arquiteturas novas do 6G será a monetização digital de funções e de infraestrutura, que cria um mercado dinâmico. Os pagamentos seriam feitos em tempo de execução, usando uma CBDC (sigla em inglês para moeda digital de banco central), como o real digital ou o próprio pix. E tudo multiplayer.

Isso pode criar vários novos mercados no Brasil: de espectro, de radiofrequência, de dados, funções de rede virtual, de infraestrutura física e de coisas conectadas. A evolução das redes aconteceria nesse grande mercado digital, e seria tão fácil quanto usar o pix hoje, com a oferta ou busca de demandas, tudo em tempo de execução.

Até o 5G, sempre fizemos arquiteturas fechadas, em que um fornecedor entrega toda a solução ou grande parte dela e presta o serviço. Agora, principalmente com o 6G, vislumbramos essa possibilidade {*de descentralização*}. É como um mundo novo, uma disrupção decorrente desse momento de economia aberta de transações digitais que estamos vivendo – e que afeta a forma como se constrói arquitetura. São essas vantagens potenciais que justificam a gente acreditar e seguir por esse caminho no Brasil 6G.

### 8 – Quando e como isso pode ganhar escala, sobretudo entre as empresas?
Fala-se no 6G para 2030. Mas, dentro do possível, algumas coisas serão trazidas para o 5G – sempre existe a chance de algo da próxima geração de uma tecnologia ser antecipado na geração anterior. Mesmo que ainda não esteja sendo discutida no trabalho de 6G evolucionário, nada impede que aconteça.

O setor de software brasileiro é muito desenvolvido, com vários players. Criar plataforma para o software pode ser uma boa oportunidade para a indústria nacional, mas também um desafio, já que o hardware avança muito rápido. O importante é ficar atualizado quanto a essas oportunidades para que os programas do governo – que facilitam a abertura de espaço para startups, universidades e spin-offs – criem soluções para essas novas tecnologias. Acho que temos uma boa chance de surfar com soluções nacionais e levar isso para os organismos internacionais de padronização – um esforço que também já temos feito, participando dos fóruns de forma organizada, pensada, para influenciar os padrões e possibilitar que as nossas indústrias aqui, tanto de equipamentos quanto de software, participem dos mercados que vão se abrir.

### 7 – Na chegada do 5G ao Brasil tivemos discussões acaloradas em torno da chinesa Huawei, que representaria desafios de segurança de informação, além de discordâncias sobre se devemos mesmo investir em hardware ou se já perdemos essa corrida. O mesmo ocorrerá com o 6G?
É um ponto interessante. OK, vamos criar mercados, mas como fica a segurança, a geopolítica? Eu creio que sempre vai haver interesse de todo tipo, em todos os países, mas, fora da escala técnica, esse é um tema muito complexo e não tenho condição de opinar. Tecnicamente, existem caminhos que podem melhorar isso e fazer com que as coisas sejam mais transparentes para quem vai usar essa rede, dando garantias para as pessoas, liberdade, respeito a contratos, privacidade…
Sei que o trabalho que estou fazendo no 6G disruptivo tem algumas premissas que melhoram isso. Para resumir: quando se executa uma função virtual de rede, existem garantias de que ela não foi corrompida usando um smart contract em web3 e publicado em blockchain. Ele é registrado e só vai executar daquele jeito porque não há como alterar.

Porém, olhando para além da comunicação móvel, essa questão também envolve a governança da internet. Minha postura é de transparência, de liberdade, de garantias técnicas que nos levem a melhorar o nosso modelo fora da tecnologia.

### 6 – Hoje temos escalada de tecnologias descentralizadas e aumento da velocidade. Isso fortalece ou enfraquece as relações de confiança entre as pessoas e as empresas provedoras de soluções?
Essas tecnologias tornam as soluções menos dependentes de confiança. No blockchain, não é preciso confiar em outro para usar. É a tecnologia que oferece mais confiança e mais segurança, fazendo as coisas andarem sem depender dos humanos. E temos ainda a inteligência artificial, que também está vindo e vai migrar para essas novas plataformas. A influência não será eliminada, porque você tem toda uma parte ainda baseada em confiança fora dessas plataformas. A NovaGenesis {*principal arquitetura do laboratório de Alberti no Inatel*}, por exemplo, trabalha justamente nas relações de confiança que ficam fora do blockchain. Mas estamos indo para um caminho, para mim, sem volta, que é construir redes essenciais mais seguras e confiáveis, o que elimina um pouco a questão da influência de interesses humanos na rede. A maior prova disso – e que eu acho que vai revolucionar tudo de novo – é o consenso quântico, em que as redes quânticas oferecerão técnicas que não podem ser corrompidas.

### 5 – Qual seria sua sugestão para os CFOs quanto a investimentos em 5G e até no futuro 6G?
Quando se “softwariza”, é possível aproveitar mais a infraestrutura física, como ocorre no modelo de cloud computing. Você pode contratar no mercado digital ou, se tiver a posse, pode monetizar a estrutura ao máximo. Ao dividir a infraestrutura em fatias, você tira proveito dela e mantém seu negócio funcionando em uma parte e vende as outras sem problema, de maneira segura. Porém esse modelo depende de abertura, cooperação etc.

É possível pensar em como se tirar vários ganhos do investimento no físico por meio de isolamento em software. Quem não fizer isso agora vai ter um custo de infraestrutura muito alto para ser pago nos próximos anos, porque as coisas estão desmonetizando. Você tem que fazer mais com menos dinheiro. E se você for fazer projetos, faça tudo o que for possível com inteligência artificial, ou seu custo vai ser mais alto.

Meu conselho aos CFOs é: façam vários usos do que é físico usando softwarização e desenhe ou construa toda solução com IA, para reduzir custos.

### 4 – Pode contar um pouco mais sobre sua iniciativa NovaGenesis?
A NovaGenesis é um dos poucos projetos no mundo hoje que segue desenvolvendo uma arquitetura alternativa de internet. Começou em 2008, porque eu queria poder entregar algo novo e surgiu a ideia de pesquisar como poderia ser uma internet se ela não existisse naquele momento.

Foram quatro anos de estudo iniciais que geraram um artigo com 16 ingredientes para construir a NovaGenesis – programabilidade, gêmeos digitais, IoT, virtualização, já estava tudo lá. Depois comecei a construir a ideia da arquitetura, o que é um diferencial do projeto: eu sou o desenhista e também o primeiro coder do projeto. {*Na coluna à direita, acesse os links para conhecer mais a respeito da NovaGenesis.*}

### 3 – O que a NovaGenesis tem a ver com o Brasil 6G?
Bem, eu gosto de dizer que a gente tem uma arquitetura disruptiva viável no Brasil 6G. Porque já testamos isso na NovaGenesis. Essa arquitetura é um projeto open source, que está no GitHub, e alguns dos seus elementos eu consegui trazer, sim, para o 6G. Com essa meta-arquitetura no 6G, há a possibilidade de trazermos novos protocolos e novas funcionalidades, como os serviços monetizados dentro da arquitetura.

### 2 – O Brasil ainda pode se tornar uma nação inovadora? Como?
Os caminhos tradicionais que o Brasil trilha para ser uma nação inovadora são as organizações que reúnem a ciência – como a Sociedade Brasileira de Computação e a Sociedade Brasileira de Ciência, por exemplo. Mas são caminhos com limitações. É preciso divulgar.

Lembro de tempos em que se discutia se era preciso ter mais youtubers ou cientistas. A meu ver, precisamos ter as duas coisas juntas, algo como “cientistas youtubers”. Ajudaria a criar uma comunidade de pessoas que entende a ciência e que pode entender a importância dela para a sociedade.

O problema é que nem todos os cientistas têm essa multidisciplinaridade. Em geral, eles gostam de fazer ciência, e a gente tem que respeitar. Mas minha opinião é que, se não houver mais e mais cientistas humanizados, que falem com a comunidade e tentem traduzir o que se faz aqui na academia para o público em geral, não vamos conseguir convencer ninguém a inovar. Temos que também aproveitar a tecnologia para isso.

### 1 – Como o Brasil tem tratado a questão da tecnologia responsável e, mais ainda, da inteligência artificial responsável, em grande debate hoje por conta do ChatGPT?
Vejo movimentos de ética do exterior discutindo princípios e ética na IA. No Brasil, isso acontece mais nas redes sociais. A gente conversa muito, mas não tem um movimento estruturado. As discussões mais organizadas são em eventos da Sociedade Brasileira de Computação. Talvez a própria IA cuide disso um dia, seguindo orientações humanas e/ou de outras máquinas; serão IAs treinadas para detectar e combater vieses e para respeitar privacidade, liberdade, questões geopolíticas…

__Acesse os documentos citados na entrevista:__

– [Relatórios públicos do Brasil 6G](https://inatel.br/brasil6g/)
– [Relatório do Brasil](https://inatel.br/brasil6g/brasil-6g/337-brasil-6g-meta-3-atividade-3-2-arquiteturas-de-redes) com o decritivo dos 72 habilitadores tecnológicos, incluindo os vários mercados que podem ser criados (monetização digital)
– [NovaGenesis](https://www.inatel.br/novagenesis/)
– [Código da NovaGenesis](https://github.com/antonioalberti/novagenesis)
– [NFTs da NovaGenesis](https://github.com/antonioalberti/novagenesis)

Artigo publicado na HSM Management nº 156.

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