TBT HSM Management

Martin scorsese: liberdade e repertório

Uns dez anos atrás, o prestigiado diretor de cinema dividiu seus segredos de inovação com os gestores
Diretora-editorial na Qura Editora

Compartilhar:

Nove vezes indicado para o Oscar de melhor diretor, ele ganhou só uma – com Touro indomável – e nunca emplacou um megassucesso de bilheteria. Mas tem um KPI imbatível: faz os filmes que quer, do jeito que quer – há três décadas não faz um filme com menos de duas horas –, e mantém-se assim. No entanto, quando Martin Scorsese foi capa de HSM Management, em 2012, vimos que a história não é tão simples.

Republicamos o perfil que a Fast Company fez de Scorsese em 2012 para inspirar os gestores de empresas com seu processo para inovar. Os críticos adoram citar, entre suas inovações, a introdução da linguagem das ruas de Nova York no filme Who’s that knocking at my door e Mean streets; a intimidade das cenas de boxe em Touro indomável; a urgência e o ritmo em Os bons companheiros; e, em A invenção de Hugo Cabret, a redescoberta de como o 3D pode reforçar a beleza de um filme sem se intrometer na história. Foi uma proeza ele ter ficado mais conhecido pelos filmes autorais do que pelos grandes espetáculos (como New York, New York) – seus contemporâneos Steven Spielberg, Francis Ford Coppolla e George Lucas, apesar dos filmes mais íntimos, passaram à história pelos blockbusters. Decidimos fazer o #tbt desse conteúdo porque a presente edição aborda repertório cultural e o dilema entre liberdade e segurança, dois aspectos que marcam a trajetória de Scorsese – o primeiro como uma de suas maiores fortalezas e o segundo como uma ameaça.

## O que scorsese dizia em 2012
Scorsese frequentou o fundo do poço mais de uma vez. Trabalhava em A última tentação de Cristo desde 1983, e o estúdio desistiu de financiá-lo seis semanas antes de começar a produção. O diretor o bancou, o que drenou seus recursos. “Tive problemas financeiros graves. Foi patético, meu pai precisou me ajudar. Eu não podia sair, não podia comprar nada.” Mas a falta de segurança não mudou seu compromisso com a liberdade de trabalhar. “Pressão sempre há. As pessoas dizem que você deve fazer isso de um jeito, outro sugere uma forma diferente, há o financiamento, talvez você devesse usar esse ator e não outro. E existem ameaças no final – se você não fizer assim…” Porém, ao contrário de muitos em Hollywood, Scorsese não teve burnout, não repeliu as pessoas com quem trabalha e não é considerado um terror pelas pessoas. Como ele conseguiu?

Seu primeiro ponto de apoio contra a instabilidade financeira está nos vínculos emocionais com certas pessoas – algo como uma cultura organizacional. Tanto quanto possível, Scorsese gosta de trabalhar com a mesma equipe. Sua parceria com a montadora Thelma Schoonmaker é famosa. Entre os atores, Robert De Niro, Harvey Keitel e Joe Pesci, Ben Kingsley, Leonardo DiCaprio e Daniel Day-Lewis fazem parte da turma. Ele troca muitas ideias com essas pessoas próximas. Mas faz um alerta a esse respeito: “Há dois tipos de poder a combater. O primeiro é o dinheiro. O outro são as pessoas próximas; você deve saber quando aceitar as críticas e quando lhes dizer não”.

Seu segundo ponto de apoio é o processo criativo baseado no repertório cultural, sobretudo de filmes, livros e músicas. Ele lê livros e ouve músicas tendo ideias de transformá-los em filmes. Ele vê filmes tendo ideias de como usar determinadas cenas em sua própria obra. O diretor exibe filmes clássicos para sua equipe e diz: “Lembre-se desta imagem, é essa sensação que quero”. O socorrista que Nicolas Cage interpretou em Vivendo no limite é um “santo moderno do dia a dia, como o que Rossellini criou em Europa’51”; as sequências de luta em Touro indomável foram retiradas de um balé de Os sapatinhos vermelhos.

Scorsese estuda para valer os diretores que conseguiram “burlar o sistema” – em três níveis: seus filmes, suas carreiras e suas vidas dentro e fora de Hollywood. Segundo o ator Leonardo DiCaprio, a cinefilia do diretor é o que faz ele saber exatamente o que quer, ser tão focado e tão motivado. Como chairman da Film Foundation, ele nutre seu repertório, seja restaurando filmes antigos, seja nas trocas do board, formado por George Lucas, Spielberg, Coppolla, Christopher Nolan, Ang Lee, Spike Lee, Paul Thomas Anderson e Guilhermo del Toro, entre outros.

As análises de Scorsese revelam muito sobre sua obra. Ele explica que Orson Welles fez “tudo que nos disseram pra não fazer, nos ângulos baixos, nas lentes usadas, na estrutura da história, nos flashbacks com sobreposição de imagens”. Roberto Rosselini teria mudado o cinema três vezes: com o neorrealismo (Ladrões de biclicleta), com a série de histórias quase místicas com a esposa e atriz Ingrid Bergman (Stromboli) e ao provocar a nouvelle vague com o filme Europa’51, sobre duas pessoas num carro. Em Robert Altman ressalta a técnica de som de rua e o estilo único.

O terceiro apoio de Scorsese são seus planos B. Ele admite ter feito dois filmes pelo negócio: A cor do dinheiro, em 1986, e Cabo do medo, em 1991 – este, por insistência dos amigos De Niro e Spielberg, além de seu agente Michael Orvitz. E volta e meia trabalha com, ou sobre, músicos, como Rolling Stones, Bob Dylan e George Harrison.

## O que ele diz hoje
Perto dos 80 anos, Scorsese se definiu assim ao The New York Times: “Meu tempo e minha energia são limitados, mas minha curiosidade não tem fim”. Ele está filmando Killers of the Flower Moon, com DiCaprio e De Niro, roteirizado a partir de um livro que leu sobre o assassinato de indígenas Osage na Oklahoma dos anos 1920. Mais uma vez, houve um recuo inesperado do estúdio – a Paramount. Temeroso quanto ao orçamento, o governo de Oklahoma e o Apple Studios compareceram. Deve sair em agosto. Em 2019, seu filme O irlandês foi financiado pela Netflix.

O diretor, apontado como a consciência do New American Cinema, segue livre. Por exemplo, disse à Empire, em outubro de 2020, que “os filmes da Marvel não são cinema, mas parque temático”. O CEO da Disney, Robert Iger, reagiu. Mas a liberdade tinha prevalecido sobre a segurança.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

Saúde psicossocial é inclusão

Quando 84% dos profissionais com deficiência relatam saúde mental afetada no trabalho, a nova NR-1 chega para transformar obrigação legal em oportunidade estratégica. Inclusão real nunca foi tão urgente

Gestão de Pessoas
Geração Beta, conflitos ou sistema defasado? O verdadeiro choque não está entre gerações, mas entre um modelo de trabalho do século XX e profissionais do século XXI que exigem propósito, diversidade e adaptação urgent

Rafael Bertoni

0 min de leitura
Empreendedorismo
88% dos profissionais confiam mais em líderes que interagem (Edelman), mas 53% abandonam perfis que não respondem. No LinkedIn, conteúdo sem engajamento é prato frio - mesmo com 1 bilhão de usuários à mesa

Bruna Lopes de Barros

0 min de leitura
ESG
Mais que cumprir cotas, o desafio em 2025 é combater o capacitismo e criar trajetórias reais de carreira para pessoas com deficiência – apenas 0,1% ocupam cargos de liderança, enquanto 63% nunca foram promovidos, revelando a urgência de ações estratégicas além da contratação

Carolina Ignarra

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O SXSW revelou o maior erro na discussão sobre IA: focar nos grãos de poeira (medos e detalhes técnicos) em vez do horizonte (humanização e estratégia integrada). O futuro exige telescópios, não lupas – empresas que enxergarem a IA como amplificadora (não substituta) da experiência humana liderarão a disrupção

Fernanda Nascimento

5 min de leitura
Liderança
Liderar é mais do que inspirar pelo exemplo: é sobre comunicação clara, decisões assertivas e desenvolvimento de talentos para construir equipes produtivas e alinhada

Rubens Pimentel

4 min de leitura
ESG
A saúde mental no ambiente corporativo é essencial para a produtividade e o bem-estar dos colaboradores, exigindo ações como conscientização, apoio psicológico e promoção de um ambiente de trabalho saudável e inclusivo.

Nayara Teixeira

7 min de leitura
Empreendedorismo
Selecionar startups vai além do pitch: maturidade, fit com o hub e impacto ESG são critérios-chave para construir ecossistemas de inovação que gerem valor real

Guilherme Lopes e Sofia Szenczi

9 min de leitura
Empreendedorismo
Processos Inteligentes impulsionam eficiência, inovação e crescimento sustentável; descubra como empresas podem liderar na era da hiperautomação.

Tiago Amor

6 min de leitura
Empreendedorismo
Esse ponto sensível não atinge somente grandes corporações; com o surgimento de novas ferramentas de tecnologias, a falta de profissionais qualificados e preparados alcança também as pequenas e médias empresas, ou seja, o ecossistema de empreendedorismo no país

Hilton Menezes

5 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A Inteligência Artificial Generativa (GenAI) redefine a experiência do cliente ao unir personalização em escala e empatia, transformando interações operacionais em conexões estratégicas, enquanto equilibra inovação, conformidade regulatória e humanização para gerar valor duradouro

Carla Melhado

5 min de leitura