Na última semana, uma declaração de Bill Winters, CEO do banco britânico Standard Chartered , viralizou: “Meu MBA foi uma perda de tempo.” Esta frase, publicada em entrevista à Bloomberg, e replicada pelo Estadão, parecia endossar um sentimento crescente entre parte da geração Z: investir em educação formal deixou de ser essencial.
Mas essa seria uma conclusão válida? Ou apenas uma simplificação perigosa diante de um cenário cada vez mais complexo?
Winters argumenta que “as habilidades que aprendeu se degradaram ao longo dos 40 anos seguintes”. Ele critica o excesso de foco técnico e afirma que as máquinas já fazem melhor muito do que antes chamávamos de “carreira sólida”. Para ele, o diferencial agora está em saber pensar com empatia e comunicar com clareza. E nisso, convenhamos, ele está correto!
Mas o ponto cego da crítica de Winters talvez esteja justamente aí: as competências humanas que ele valoriza, ao contrário do que ele sugere, não nascem espontaneamente. Elas precisam ser cultivadas. E é exatamente nesse território que a educação de qualidade pode, e deve, operar.
No início deste ano, um levantamento realizado pela Falconi Consultoria apontou que pelo menos 80% dos CEOs brasileiros continuam estudando após a graduação. Ou seja, indo na contramão de Winters, a própria elite executiva segue apostando na educação como ferramenta de reposicionamento, reinvenção e liderança. A questão, em nosso entender, não é abandonar os MBAs ou pós-graduações, mas transformar esses programas em experiências mais adaptadas a um mundo em transição.
A revolução em curso não é nada silenciosa. Ela se manifesta na reorganização de funções e na ansiedade crescente diante da inteligência artificial. O que é menos evidente é a velocidade com que estamos naturalizando essa transformação sem o devido preparo estratégico, ético e educacional.
A IA generativa barateia processos, acelera decisões e amplia exponencialmente o alcance de tarefas antes restritas a especialistas. De um lado vemos o custo marginal da IA tendendo a zero. De outro, o trabalho humano seguindo valorizado, e sob pressão. Essa tensão escancara um impasse: como competir num mundo em que a IA e a automatização se tornam mais baratas e eficientes, e o humano, mais caro e exigido? A resposta está em transformar a qualificação em estratégia.
Temos estimativas que tentam quantificar essas tensões. O World Economic Forum (WEF), em 2023, estimou que 83 milhões de empregos devem desaparecer e 69 milhões surgirão nos próximos anos. No relatório Future of Jobs 2025 de 2025, o WEF projeta que, em 2030, apenas 33% das tarefas serão executadas exclusivamente por humanos, contra atuais 47%. Contudo, estas estimativas não podem nos colocar numa rota catastrofista, afinal, esse movimento não é novo: a automação acompanha o capitalismo desde suas origens. No Brasil, nos anos 1970, plantas industriais que precisavam ser operacionalizadas com 40 mil operários, passaram a funcionar com menos de 10 mil no início dos anos 2000, isto é, antes mesmo da IA. O que muda agora é a escala, a velocidade e, sobretudo, o alcance cognitivo desta transformação.
Em relação aos efeitos cognitivos, uma pista bastante contundente foi publicada este ano no Financial Times, que noticiou a queda no QI médio de jovens em países desenvolvidos, invertendo décadas de ganhos mensurados pelo “Efeito Flynn”, fenômeno identificado nos anos 1980 que indicava o aumento progressivo da inteligência média a cada geração. Enquanto a IA avança, nossa capacidade de leitura crítica, empatia e raciocínio complexo dá sinais de estagnação.
Não é difícil perceber que, nesse contexto, todas as profissões serão impactadas. Como disse a economista-chefe do LinkedIn, Karin Kimbrough, também ao Financial Times: “As empresas estão deixando de perguntar: ‘Qual é a nossa estratégia de IA?’ para começar a experimentar, implementando a IA generativa em seus processos”, o que tem potencial de transformar absolutamente todas as profissões nos próximos anos.
Mais do que nunca, o que protege o profissional não é saber o que fazer, é saber como pensar, adaptar-se e decidir. Segundo o Relatório mais recente do WEF, 85% das profissões de 2030 ainda não foram inventadas. Isso significa que a formação para o futuro precisa ensinar a aprender, e não apenas a aplicar o que já se sabe.
Essa virada exige um modelo de educação que vá além da técnica. Exige formação em julgamento ético, adaptabilidade, visão sistêmica, criatividade, capacidade antecipatória e liderança, isto é, habilidades humanas que resistem à automação e que definem o novo valor do humano.
Nesse cenário, indo em direção oposta aos comentários de Bill Winters, a realidade sugere que pós-graduação, mais do que nunca, ressurge como espaço estratégico de desenvolvimento crítico e liderança. Ela deixa de ser uma etapa formal e se torna um ciclo contínuo de reinvenção.
Essas transformações foram amplamente debatidas no ESPM Next Live EAD, evento que reuniu especialistas e executivos para refletir sobre os rumos do mercado de trabalho. A questão fundamental nos parecer ser menos se vale a pena estudar e mais como se aprende, para que se aprende, e com quem se aprende. Masters, MBAs e pós-graduações que permanecem presos ao modelo técnico de 1990 talvez sejam, sim, perda de tempo. Mas aqueles que formam repertório, articulam teoria com prática, integram pensamento ético com ação estratégica, esses não apenas continuam essenciais, como se tornam indispensáveis.
O futuro será mais tecnológico, sabemos. Mas, paradoxalmente, isso só reforça a necessidade de que ele seja mais humano. Por isso, qualificar-se, hoje, é proteger a inteligência que realmente importa: a humana.