Estratégia e Execução

Mudar comportamentos para mudar a sociedade

Autoras relatam na Stanford Social Innovation Review duas histórias e três lições aprendidas para promover impacto social

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Diante do desafio de lidar com tradições culturais e resistência das populações atendidas, líderes de dois projetos de impacto social na Índia descobriram que, antes de tornar a vida das pessoas melhor, era preciso mudar a mentalidade e o comportamento delas. Em artigo na Stanford Social Innovation Review, Pritha Venkatachalam e Niloufer Memon, integrantes do The Bridgespan Group e coautoras do relatório “Bold philanthropy in India” (de 2018), descrevem e comentam duas experiências e três lições aprendidas.

**AMIGAS DA INTERNET**

Em 2015, a Tata Trusts e o Google juntaram forças para lançar um programa chamado Internet Saathi, que tinha como objetivo promover a inclusão digital de mulheres da área rural da Índia. 

A ideia de realizar treinamentos nos centros comunitários locais, porém, esbarrou em um obstáculo cultural aparentemente instransponível: mulheres não podem viajar sozinhas, sem a companhia de um familiar masculino. 

A organização do projeto adotou, então, uma estratégia diferente. Foram contratados capacitadores do sexo masculino para percorrer as comunidades e ensinar as mulheres no local em que viviam. Mas o plano também não conseguiu atrair um número suficiente de mulheres, que se mostraram desconfortáveis com esse tipo de contato com um homem. 

Era preciso, portanto, inovar. O projeto deixou de enxergar as mulheres das áreas rurais apenas como beneficiárias passivas da iniciativa e passou a recrutar e treinar algumas delas em como utilizar smartphones. 

Essas “saathis” (amigas, em hindi) foram escaladas para percorrer comunidades vizinhas e ensinar outras mulheres sobre as vantagens práticas da utilização da internet e como fazer isso no dia a dia. 

No início, as “saathis” tiveram dificuldade em convencer outras mulheres a investir seu tempo para fazer as aulas. A virada aconteceu a partir do momento em que o projeto conseguiu envolver algumas pioneiras, geralmente mulheres jovens, em cada uma das comunidades, que divulgaram os benefícios da internet e, assim, tiveram sucesso em influenciar o comportamento de suas vizinhas. 

Desse modo, o projeto cresceu rapidamente. Em abril deste ano, a iniciativa contabilizava 65 mil “saathis” engajadas, que já haviam ajudado mais de 24 milhões de mulheres na Índia a vencer a exclusão digital. 

**CONTROLE DA TUBERCULOSE**

Quando o governo da Índia, juntamente com parceiros, como a Bill & Melinda Gates Foundation, iniciaram um movimento para controlar a tuberculose no país, os líderes do projeto compreenderam que precisariam se concentrar em potenciais colaboradores (redes privadas de saúde), que representavam o primeiro ponto de contato com 50% a 70% dos pacientes com sintomas.  

O foco principal era estimular a rede privada a atuar de maneira coordenada com os órgãos de governo envolvidos no programa de controle da tuberculose, de modo que os pacientes pudessem receber um tratamento padronizado. 

O primeiro passo foi mapear os comportamentos da rede privada que poderiam estar impedindo que pacientes com tuberculose recebessem tratamento de qualidade. Três atitudes se destacaram:

A maior parte da rede privada de saúde não seguia as orientações governamentais no tratamento da doença.

O nível de qualidade do tratamento variava muito dentro do espectro da rede privada.

Nem sempre a medicação era adequada e, frequentemente, eram receitados remédios que mascaravam os sintomas da tuberculose. 

A partir desse mapeamento, foi possível desenvolver medidas para incentivar a mudança de comportamento na rede privada, como o reembolso de exames específicos e medicação apropriada, possibilitando que as clínicas, por exemplo, oferecessem diagnóstico e tratamentos gratuitos aos pacientes. Também foram realizadas ações de treinamento e comunicação. Assim, ao adotar estratégias práticas, dentro do sistema já existente, para motivar a rede privada a colaborar com o esforço dos órgãos públicos, o projeto conseguiu melhorar significativamente o atendimento. 

As pesquisadoras, ao observarem como os dois projetos mudaram comportamentos e impactaram positivamente a vida das pessoas, chegaram a três lições:

Ainda que um projeto tenha como objetivo uma transformação revolucionária, o progresso depende quase sempre de avanços graduais e evolutivos, no sentido de mudar comportamentos. 

A observação e o aprendizado profundos devem preceder uma mudança comportamental significativa. 

Ações de mudanças de comportamento conseguem mais progressos quando evocam transformações, ao invés de tentar impô-las às pessoas. Nos dois projetos analisados pelas pesquisadoras, o trabalho foi realizado partindo de dentro das comunidades, no interior da cultura e dos sistemas existentes.

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