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Mulheres no governo contra o novo coronavírus

As especialistas em gênero e trabalho Sarah Kaplan e Cecilia Troiano discutem a liderança de mulheres à frente de cidades e nações nas múltiplas crises trazidas pela pandemia de Covid-19

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Matérias em periódicos de todo o mundo têm analisado o papel de governantes mulheres diante da pandemia do novo coronavírus. Em países como Alemanha, Noruega e Nova Zelândia, e cidades como San Francisco, o número de mortes tem sido menor a partir de decisões firmes de isolamento tomadas por suas líderes mulheres. 

Essa diferença de gênero realmente impacta? E o que as empresas têm a aprender com isso? Nossa edição já estava bem encaminhada quando decidimos chamar duas especialistas sobre gênero e trabalho – uma canadense e uma brasileira – para nos ajudar a entender melhor esse fenômeno. Sarah Kaplan, diretora do Institute for Gender and the Economy (Gate) e professora de gênero e economia e de gestão estratégica da Rotman School of Management, e Cecilia Troiano, psicóloga, sócia da Troiano Branding e mestre em estudos de gênero e sexualidade pelo Institute for Women’s, Gender and Sexuality Studies da Georgia State University, nos Estados Unidos, e autora de três livros sobre o assunto, conversaram a respeito.

Para Kaplan, o que todas essas líderes têm em comum é que demonstraram características como transparência, comunicação clara, determinação, rápida tomada de decisão e informação pela ciência. “Os melhores exemplos de condução da crise são de mulheres que usaram os fatos e a ciência para embasar suas decisões, com empatia e realmente importando-se com as pessoas”, explicou. “Vemos todo tipo de exemplos maravilhosos, como Jacinda Ardern, a primeira-ministra da Nova Zelândia, que fez uma live no Facebook à noite, de moletom, depois de colocar o filho para dormir. Falou sobre o que significa, como família, vivenciar a quarentena e seus medos. E a primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, que fez uma coletiva de imprensa voltada diretamente para as crianças.” 

Cecilia Troiano acredita que essas mulheres também demonstraram que não estavam preocupadas com a popularidade. “Algumas medidas não foram nada populares, mas elas encararam isso e também colocaram a vida pessoal delas nas telas. Elas estavam à frente de seus países, decidindo o futuro e o presente da população, e fazendo isso misturando vida profissional e pessoal. Isso pode ser visto como estranho, mas, na minha opinião, trouxe transparência, verdade, confiança. Acho essencial para entender, e não só de forma racional, a necessidade do isolamento. E não porque impuseram uma regra, mas porque deram exemplos com as próprias vidas.”

Kaplan fez questão de ressaltar que as características que colocaram essas líderes em evidência não são intrínsecas à mulher, mas aprendidas. “Não há nada biológico. Só há o fato de que esperamos que mulheres se importem mais, e desafiamos mais as líderes mulheres – elas têm de ser mais colaborativas e trazer os pontos de vista de várias pessoas diferentes, o que as leva a buscar a perspectiva dos cientistas.”

“Desde crianças somos ensinadas a cuidar”, afirmou Troiano. “E neste momento em que a crise é de saúde e se desdobra para outros aspectos da vida, as mulheres acabam sendo ouvidas, mesmo que suas decisões sejam impopulares, porque se espera que elas tenham boas soluções de cuidado.” 

A crise, sem dúvida, trará aprendizados. Cecilia Troiano afirmou que tentar antecipar os problemas é um deles. “O que essas líderes mulheres fizeram foi prever. Elas iniciaram a quarentena antes de outros países, e isso fez uma grande diferença. No Brasil, somos muito ruins em fazer essas previsões, estamos sempre atrasados. Acho que para a nossa cultura, precisamos desenvolver essa característica. Essa é uma lição que eu creio que vamos aprender com a pandemia.” 

Para Kaplan, é fundamental não desperdiçar essa crise. “Está acontecendo uma tragédia horrível e, mesmo quando isso acabar, o pesar que teremos pelas pessoas que perdemos e o estresse de estarmos presos em casa, com tudo isso acontecendo, é de se esperar muitos problemas de saúde mental, com uma série de problemas de saúde física. Se não fizermos algo de positivo com essa tragédia, ela será pior ainda.”

“Todo mundo está dizendo: ‘Vamos voltar ao normal’, e eu fico pensando: ‘Não, não vamos voltar a nada, vamos construir o futuro, algo novo’”, afirmou Kaplan.

Em relação às empresas, a pesquisadora canadense acredita que será necessário um conjunto diferente de valores, de práticas. “Deve haver muito mais engajamento com os acionistas, e não apenas ao se preocupar com os resultados, mas também com os funcionários, com o meio ambiente e com as comunidades que você influencia. Isso se tornou muito claro nessa crise e eu, pessoalmente, acho que o potencial que temos agora é o de criar um caminho para termos mais qualidade de vida.”

“Pensando sobre mudanças no cenário dos negócios, acredito que transparência e empatia são ingredientes-chave para empresas prosperarem, mas neste momento estamos vendo uma divisão entre as empresas que apenas falam e as que praticam o que dizem. Então, acredito que o futuro será das que falam e fazem, das que exemplificam o que falam. Acho que as pessoas estão mais conscientes, e elas serão as que pressionam, impulsionam e pedem às empresas que sejam diferentes”, disse Cecilia Troiano.  

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#EntrevistaCompleta

**Empatia, transparência e flexibilidade no combate ao novo coronavírus**

_Em um encontro virtual, as pesquisadoras de gênero e mercado de trabalho Sarah Kaplan e Cecilia Troiano discutem os aspectos de liderança demonstrados pelas presidentes que estão se destacando no combate ao coronavírus_

No dia 28 de abril, Jacinda Ardern, presidente Nova Zelândia, anunciou que o estrito lockdown imposto por ela ao país ia começar a ser afrouxado, porque já era certo que a contaminação pelo novo coronavírus tinha encerrado seu ciclo. Mas, diante das incertezas sobre uma segunda onda, resultado da mutação do vírus ou da possibilidade de não haver uma imunização incompleta, Ardern ainda manteve boa parte das restrições. A notícia veio junto com o Brasil ultrapassando a China em número de mortos, e com as piores consequências de uma epidemia batendo à nossa porta: no Amazonas, já não havia mais onde nem como enterrar as pessoas. 

Desde que as primeiras notícias sobre a epidemia surgiram, veículos de todo o mundo destacaram a diferença na abordagem de mulheres presidentes de seus países. De Angela Merkel, na Alemanha, a Jacinda Ardern, em sua ilha de 5 milhões de habitantes, menos vidas estão sendo perdidas em países, estados e cidades cujas líderes políticas são mulheres.

Essa diferença de gênero realmente impacta? E o que as empresas têm a aprender com isso? Buscando essas respostas, convidamos duas especialistas nos estudos de gênero aplicados à liderança e ao RH para trocar ideias sobre o assunto, a canadense Sarah Kaplan, diretora do Institute for Gender and the Economy (GATE) e professora de gênero e economia e de gestão estratégica da Rotman Management School, e a brasileira Cecilia Troiano, psicóloga, sócia da Troiano Branding e mestre em estudos de gênero e sexualidade pelo Institute for Women’s, Gender and Sexuality Studies da Georgia State University, nos Estados Unidos, e autora de livros como “Vida de equilibrista” (esgotado, em reedição) e “Garotas equilibristas” (Pólen Livros).

**HSM Management:** **Existe realmente uma diferença na forma como as presidentes mulheres estão conduzindo seus países diante da pandemia de Covid-19?** 

**Sarah Kaplan:** Há muito a se dizer sobre isso, porque estamos vendo o sucesso dessas líderes em todo o mundo. Com certeza, os países que tomaram as melhores providências têm líderes mulheres, então acho que há muito a falar a respeito.

Elementos consistentes em todas essas histórias são transparência, comunicação clara, determinação, decisões rápidas e informação pela ciência. Os melhores exemplos de condução da crise são de mulheres que usaram os fatos e a ciência para informar suas decisões, com empatia e realmente importando-se com as pessoas.

Vemos todo o tipo de exemplos maravilhosos, como Jacinda Ardern, a primeira-ministra da Nova Zelândia, que fez uma live no Facebook à noite, de moletom, depois de colocar o filho para dormir. Falou sobre o que significa, como família, vivenciar a quarentena e seus medos. E da primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, que fez uma coletiva de imprensa voltada diretamente para as crianças. Então, ao mesmo tempo em que elas estão tomando decisões difíceis para o país delas, que exigem determinação, estão expressando essa empatia incrível, e isso ocorreu em todos os países em que vimos esse sucesso, algo característico das líderes mulheres. 

**Cecilia Troiano:** Elas são governantes que lideram países grandes ou não tão grandes, mas o que deu para notar é que não importava, para elas, ser ou não ser populares nesse contexto. Algumas medidas não foram nada populares, mas elas encararam isso e também colocaram a vida pessoal delas nas telas. Estavam à frente de seus países, decidindo o futuro e o presente da população, e fazendo isso misturando vida profissional e pessoal. 

De fora, pode parecer estranho, mas, na minha opinião, trouxe transparência, verdade, confiança. Acho que essa atitude foi essencial para entender, e não só de forma racional, a necessidade do isolamento. E não porque impuseram uma regra, mas porque deram exemplos com as próprias vidas. No Brasil, vemos exatamente o oposto. 

**Sarah Kaplan:** É interessante mesmo comparar com o Brasil ou com os Estados Unidos, mas é importante ressaltar que o que estamos descrevendo são características que as mulheres são criadas para ter, e não algo intrinsicamente melhor numa mulher versus um homem. Não há nada biológico. Só há o fato de que esperamos que mulheres se importem mais, e desafiamos mais as líderes mulheres – elas têm de ser mais colaborativas e trazer os pontos de vistas de várias pessoas diferentes, o que as leva a buscar muito a perspectiva dos cientistas.

Muitos dos comportamentos que vemos são por conta das expectativas que criamos para as mulheres. Elas precisam ter autoridade, mas precisam se importar e ser gentis, e as líderes excelentes que chegaram ao topo são as que descobriram como fazer as duas coisas.

Quanto aos homens, neles nós valorizamos outras características de liderança: intuição, autoridade, perseverança diante dos riscos. Foi o caso do prefeito de Milão, que agiu assim inicialmente e colocou a cidade em risco, dos Estados Unidos, e do Brasil – são características diferentes que valorizamos nos homens, que agora estão agindo dessa forma extremamente perigosa para os países ou as populações com as quais lidam.

Muito disso tem a ver com as expectativas sociais que as pessoas têm de nós, e as mulheres que chegaram ao topo – porque é tão mais difícil para a mulher subir ao topo em qualquer sociedade – aperfeiçoaram essas habilidades que descrevemos.

**Cecilia Troiano:** Concordo totalmente com isso, neurologistas e cientistas no geral estudam se o cérebro de homens e mulheres são diferentes, ou se é a ação dos nossos hormônios, mas acho que é uma questão muito mais cultural, que nos modifica de formas diferentes ou nos coloca de outra maneira diante das situações.

O que vi dessas mulheres, das líderes que têm feito um ótimo trabalho, é que elas têm facilidade para criar comunidade, para montar equipe, para dialogar. Em outros países, os homens tentam liderar sozinhos, tomando decisões pessoais. E isso, mais uma vez, é algo que aprendemos desde pequenas. E nesse contexto de pandemia, é sabemos que ninguém vai vencer se ficar sozinho nessa luta.

**Sarah Kaplan:** Também temos visto que os homens têm uma tendência a ficar gravemente doentes e a taxa de mortalidade dos homens tem sido mais alta. Parte disso pode ser atribuído a diferenças biológicas entre homens e mulheres, mas no fundo até isso é um fator social.

Por exemplo, um dos fatores de risco é fumar, e sabemos que na China, por exemplo, 50%, 60% dos homens fumam versus 3% das mulheres. Essa é uma questão social, se arriscar mais, demonstrar masculinidade de certas formas que incluem fumar.

Quando falamos de normas de gênero, elas também afetam os homens. E eles correm mais riscos em aspectos que são provas de masculinidade, e chegam até à forma como cuidam da própria saúde.

Então, normas de gênero são coisas que impedem o crescimento das mulheres e dos homens de formas diferentes. Então, tudo que falamos sobre mulheres vendo essa pressão que faz com que elas precisem de muita confiança para conseguir falar e se fazer ouvir num ambiente hostil, homens também se sentem, provavelmente, muito pressionados para falar nesses momentos, porque esse é o ambiente deles. Se eles não se pronunciam, são vistos como menos masculinos ou menos capazes de tomar essas decisões.

**HSM Management:** **Houve casos também em que mulheres assumiram riscos, como a prefeita de Las Vegas, Carolyn Goodman, que propôs deixar a cidade funcionar normalmente “como um experimento”.**

**Sarah Kaplan:** Isso só corrobora que não é algo intrínseco à mulher o que indica que ela será uma boa líder, porque é claro que essa é uma péssima ideia. Algumas pessoas, incluindo o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, disseram: “vamos testar a imunidade comunitária”. Aí ele ficou doente e percebeu que a imunidade comunitária é uma péssima ideia.

O que está acontecendo em Las Vegas é a exceção que comprova a regra, que algumas líderes mulheres também estão jogando o jogo de liderança, que é mais masculinizado, e fazem coisas desse tipo. Mas também há a prefeita de São Francisco, London Breed, que bem no início proibiu eventos com mais de 100 pessoas, o que significa que o Golden State Warriors, um dos grandes times da NBA, que joga em São Francisco, cancelou os jogos, e isso levou ao cancelamento de toda a liga de basquete do país, porque ela, como prefeita, estava disposta a tomar essa decisão difícil bem no início do processo.

**Cecilia Troiano:** Uma coisa que vejo nas mulheres é que nem sempre somos boas em nos defender ou nos promover. Ouvimos muito sobre como a mulher não tem tanta confiança quando fala sobre si mesma. O que eu sinto é que a mulher é treinada quando precisa cuidar de outras pessoas. Então, somos muito boas em cuidar dos outros, e acho que a pandemia chama essa ação. 

**Sarah   Kaplan:** Tem isso, e daí surge o fato de que ficamos mais dispostos a aceitar essa liderança por parte de mulheres no contexto do cuidado. Então, nesse caso, não só a mulher é criada para cuidar dos outros como também somos criadas para aceitar mulheres sendo orientadas nesse sentido, porque nossa expectativa é que as mulheres devem cuidar de nós.

**Cecilia Troiano:** Sim, as profissões relacionadas a cuidar das pessoas são geralmente exercidas por mulheres. Acho que isso é outro aspecto e, de novo, não é biológico, mas desde criança aprendemos como cuidar, mesmo com nossas bonecas. Colocamo-las para dormir, damos comida para elas.

**Sarah Kaplan:** Exato, acho que essa é uma das teorias que temos sobre por que essas mulheres puderam ser tão decisivas, mesmo tomando decisões que não foram populares, como você disse. Por que aceitamos essas decisões tomadas por essas mulheres? Porque temos essa expectativa.

**Cecilia Troiano:** Outro aspecto que pensei foi a improvisação. Acho que quando chegamos ao mundo corporativo, por exemplo ­– que era o lugar dos homens, foi criado para os homens, era um espaço deles – tivemos de nos ajustar, improvisar, criar nossa própria forma de nos apropriar daquele espaço. As mulheres desenvolvem esse comportamento de improvisação, e para esta situação não tínhamos planos, nenhum prefeito, governo, presidente poderia prever essa crise, então a ação foi mais fácil para quem foi treinada culturalmente a improvisar.

**Sarah Kaplan:** Isso é muito interessante. Eu não tinha visto essa explicação por aí, mas acho que é muito importante pensar na flexibilidade necessária para reagir. Essa crise veio de repente, mas poderia ter sido prevista. Em seu TEDTalk de 2015 Bill Gates previu isso, certo? [HSM Management fala sobre isso em outra matéria. [Clique aqui](https://www.revistahsm.com.br/post/bill-gates-avisou-mais-de-uma-vez) e confira]. Algumas pessoas previram. O reitor da University of Illinois, por exemplo, entendeu esse recado e fez um seguro contra pandemias para a faculdade de negócios e a de engenharia, e estão em situação mais confortável agora.

Mas a maioria de nós foi pega de surpresa e agora vemos a habilidade dos líderes de tomar essas decisões difíceis, e de se dispor a aprender a se comunicar de formas novas. Não acho que a Jacinda Ardern tenha planejado fazer lives no Facebook de moletom, mas ela imediatamente entrou naquele modo. Então, concordo que essa é uma característica importante dessas líderes mulheres que nós observamos.

**Cecilia Troiano:** Aqui, no Brasil, algumas mulheres, e não falo de governantes, mas de líderes de empresas, tiveram uma participação importante. É o caso de Luiza Trajano, que está se impondo e cuidando das pessoas, dando palestras e falando no Instagram e em todos os lugares. As empresas que são mais sensíveis, que têm essas características femininas, estão criando espaços empáticos, espaços de compreensão, e as que são mais rígidas talvez percam mais nesse período. Todo mundo vai perder, mas algumas perderão mais.

**Sarah Kaplan:** Outra coisa interessante e que não é específica de líderes mulheres é a capacidade de adaptação, no caso de trabalhos que podem ser executados de casa. As pessoas foram do escritório para casa, literalmente, como no meu caso: na sexta-feira, ouvimos “A partir de segunda, você vai dar aulas pela internet”.

Os negócios que já tinham políticas de trabalho flexíveis, que já estavam construindo uma organização que permitia às pessoas trabalhar de casa, do escritório, ou lidar com responsabilidades familiares ao mesmo tempo que lidavam com o trabalho tiveram mais facilidade nessa transição.

Então, uma das coisas que aprendemos é que muitas das políticas adotadas estão ajudando empresas a serem mais responsáveis. Pessoas que são mais responsáveis socialmente, que deram mais atenção à diversidade, foram as mais resilientes em crises anteriores e acho que vamos ver isso nesta crise também. Essas empresas não sabiam que estavam mais preparadas, mas estavam, devido a outras práticas que já tinham adotado.

E precisamos lembrar que esta crise é muito mais complexa. Não só estamos lidando com a crise de saúde, com a tragédia das mortes e das pessoas doentes, ou com a questão social do isolamento, da distância dos idosos. Há uma crise social e há uma crise econômica. Negócios estão fechando, estão dizendo que vão falir se não tiverem apoio. Pessoas sem emprego, pessoas que não podem pagar o aluguel. Então, é impossível imaginar que seria possível resolver essa crise sem consultar uma gama ampla de especialistas, pessoas que entendem de economia, de força de trabalho, isolamento social, depressão, todos os aspectos diferentes, incluindo, e especialmente, os especialistas de saúde.

Então, claro que a solução dessa crise vai exigir colaboração, vai exigir conversas complicadas sobre querer abrir a economia, mas não podemos abrir a economia até termos testes, rastreamento e todas as soluções científicas, então, colaboração é essencial para criar as melhores decisões que lidam com essas decisões complicadas.

Historicamente, voltando à questão social, mulheres são ensinadas a colaborar mais porque o julgamento delas sempre foi mais questionado, e por seu julgamento ser mais questionado há a tendência a checar, garantir que outras pessoas concordam, que elas te dão conselho e que você os utiliza. E como o julgamento das mulheres tem sido questionado historicamente, elas tendem a ser mais colaborativas ao tomar decisões.

Acho que é isso que estamos vendo aqui. Islândia fazendo testes, Noruega e Nova Zelândia oferecendo pagamentos compensatórios. Essas líderes estão juntando todas as perspectivas corretas, tomando boas decisões.

**Cecilia Troiano:** Eu concordo. Isso reflete o que falamos sobre a falta de confiança e sobre como mulheres têm essa falta de confiança, então, como você disse, precisamos checar de novo, precisamos trabalhar como grupo para que não seja só minha decisão. Construímos nossas decisões coletivamente para poder ficar do mesmo lado.

**Sarah Kaplan:** Quero acrescentar uma coisa sobre isso, porque há muita conversa sobre a falta de autoconfiança nas mulheres, mas, na verdade, se você analisar as pesquisas, não fica claro se falta autoconfiança nas mulheres ou se os ambientes são tão não inclusivos que elas são deliberadamente excluídas. Então, não é falta de confiança, é que a probabilidade das ideias das mulheres serem rejeitadas é muito maior que das ideias de homens. Portanto, para uma mulher contribuir, ela não tem só que ter a autoconfiança que um homem tem, ela tem que ser muito mais confiante.

**Cecilia Troiano:** Voltando a outro ponto que comentamos, há uma crise econômica e muitas outras crises que são consequência da crise da saúde, mas sinto que se fosse uma crise econômica somente, como a de 2008 ou outras, talvez homens seriam considerados mais adequados para resolver a crise. Mas agora que temos uma crise de saúde, e essa é a razão principal para as outras, é como se uma mãe pudesse ser uma guardiã melhor para essa crise. Novamente, voltamos para a ideia de cuidado, mas essa é a maior diferença, não é uma crise econômica, ou pelo menos não começa como uma crise econômica.

**Sarah Kaplan:** Isso é interessante, porque disseram, durante a crise de 2008, que se o Lehman Brothers fosse Lehman Sisters, talvez não teríamos os mesmos problemas. 

**HSM Management:** **O que vocês acham que vai ser aprendido nessa crise? O que poderá servir de contribuição para essas discussões sobre liderança e questões de gênero?**

**Cecilia Troiano:** Acho que uma das primeiras lições é a ideia de antecipar os problemas. O que essas líderes mulheres fizeram foi prever, elas iniciaram a quarentena antes de outros países e isso fez uma grande diferença. No Brasil, somos muito ruins em fazer essas previsões, estamos sempre atrasados. Acho que para a nossa cultura, precisamos desenvolver essa característica. Essa é uma lição que eu creio que vamos aprender da pandemia. 

**Sarah Kaplan:** Bom, nós não deveríamos desperdiçar essa crise, está acontecendo uma tragédia horrível. E mesmo quando isso acabar, o pesar que teremos pelas pessoas que perdemos, e o estresse de estarmos presos em casa, com tudo isso acontecendo, é de se esperar muitos problemas de saúde mental, com uma série de problemas de saúde física. Se não fizermos algo de positivo com essa horrível tragédia, ela será pior ainda.

Então, o que podemos aprender? Qual é o novo normal? Como podemos imaginar um mundo que é melhor do que o que tínhamos antes? Todo mundo está dizendo: “Vamos voltar ao normal”, e eu fico “Não, vamos não voltar a nada, vamos construir o futuro, algo novo”. Tenho pensado muito sobre isso de vários pontos de vista, mas acho que essa conversa me fez refletir que devemos mudar nossa forma de pensar em liderança, em todos os aspectos que conversamos até agora.

Será óbvio que, para liderar, falando de empresas, você necessitará de um conjunto bem diferente de valores, de práticas, terá de ser muito mais engajado com seus acionistas, e não apenas ao se preocupar com os resultados, mas também com seus funcionários, com o meio ambiente, e com as comunidades que você influencia. Isso se tornou muito claro nessa crise, e, eu, pessoalmente, acho que o potencial que temos agora é o de criar um caminho para termos mais qualidade de vida.

E, pessoalmente, vou continuar a consumir o quanto consumia antes? Provavelmente não, porque, na verdade, posso viver com apenas um moletom, uma camiseta e uma calça, do que mais eu preciso? Então, acho que as vidas individuais das pessoas vão mudar, e acho que nós também devemos esperar que nossas empresas façam algo diferente, e nós vamos esperar que o governo tenha um papel diferente em nossas vidas também.

Acredito que temos uma oportunidade real de imaginar um novo futuro, e sinto que, além de lidar com a atual crise, que é horrível, devemos pensar seriamente sobre como esse novo futuro vai ser.

**Cecilia Troiano:** Pensando sobre mudanças no cenário dos negócios e fazendo uma conexão com o que você disse antes, acredito que transparência e empatia são ingredientes-chave para empresas prosperarem, mas neste momento estamos vendo uma divisão entre as empresas que apenas falam e as que praticam o que dizem.

Então, acredito que o futuro será das que falam e fazem, das que exemplificam o que falam. Acho que as pessoas estão mais conscientes, e elas serão as que pressionam, impulsionam e pedem às empresas que sejam diferentes.

**Sarah Kaplan:** A imprensa tem ficado atenta a essas líderes mulheres que fizeram a diferença, numa pesquisa rápida encontra-se sete ou oito grandes análises aparecendo na mídia, e deve haver muitas mais. Então, outra lição, é a da representatividade. O fato de estarmos vendo as líderes mais efetivas serem mulheres, ganhando atenção global, está criando uma imagem em nossa mente de como um líder efetivo pode ser, e isso vai ajudar a moldar nossas expectativas.

Por exemplo, nos Estados Unidos, ainda não tivemos uma mulher presidente, e em parte porque algumas pessoas ainda não conseguem bem imaginar uma mulher em uma posição de liderança. Acho que após essa crise, isso será bem menos verdade.

As pessoas podem ver Jacinda Ardern, podem ver Angela Merkel liderando uma das maiores economias no mundo, falando sobre ciência, explicando em termos simples a diferença entre uma proporção de infecção 1:1 e uma 1.1:1, explicando conceitos estatísticos de modo claro e fácil para as pessoas, com empatia. Merkel está no poder há muito tempo, mas acho que essa crise está demonstrando uma imagem de liderança que terá um impacto significativo na disposição das pessoas para eleger líderes de países ou apoiar CEOs de empresas no futuro.

Eu me sinto pessoalmente inspirada por esses exemplos. Sinto que eu tenho mais modelos a seguir. Mas é uma pena ainda haja tão poucas. Espero que exista algo nessa crise que abra a possibilidade para mais lideranças de todo tipo de pessoa, mulheres, pessoas não brancas, transgêneros, que não nos permitamos continuar a pensar que há apenas uma maneira de liderar. Nesse sentido, e também para não ficarmos tão desoladas, eu escolho ter esperança.

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