Como pessoa com deficiência com mobilidade reduzida, visitar museus sempre foi um desafio. Muitas vezes, me deparo antes mesmo de entrar com profissionais de segurança, estacionamento que não possuem o letramento necessário para garantir o acesso próximo à entrada, previsto em lei.
Depois, barreiras arquitetônicas, que me impedem de acessar plenamente as exposições e atividades, falta de cadeira de rodas, falta de treinamento dos orientadores de público, rampas íngremes, elevadores em mau estado ou inexistentes e banheiros inadequados ou fora de funcionamento são apenas alguns dos obstáculos enfrentados ao planejar uma saída.
Ainda assim, embora tenha mobilidade reduzida, um pouco de resiliência e uma pitada de insurgência sempre me levaram aonde eu queria estar e, nos últimos anos, mais uma pitada de consciência, me coloca no lugar de segurança de exigir meus direitos.
Apesar dos desafios, sempre tive um grande interesse por cultura, línguas e história. Como as pessoas se comportam, sempre foi um objeto de estudo e, antes mesmo de me tornar psicólogo, refletia sobre o que elas pensam, o que esperam e o mais importante: como mudamos comportamentos. Essa última, tem sido uma das forças motrizes do meu trabalho, tanto como consultor em inclusão na Egalite, como à frente da REIS, sendo o número 1 de inclusão de profissionais com deficiência para a OIT/ONU.
A arte e o conhecimento me fascinavam, e eu pensava em explorar museus como um caminho para me conectar com o passado, e aprender não só sobre os movimentos artísticos mas o que as pessoas pensavam, como se comportavam à época e, qual era a função daquela obra naquele momento histórico.
No entanto, a falta de acessibilidade me frustrava e me fazia questionar se eu realmente queria estar nestes espaços pelo esforço descomunal para estar alí. E mais ainda, me fez questionar muitas vezes, arte para quem? Afinal, não pensaram e, alguns locais seguem não pensando em pessoas com deficiência, nem como público, nem como consumidores e, muito menos como artistas.
Felizmente, nos últimos anos, tenho observado um movimento crescente em prol da acessibilidade em museus. Cada vez mais instituições estão reconhecendo a importância de eliminar barreiras e criar ambientes inclusivos para todos os visitantes.
O Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus (ICOM Brasil), recentemente se posicionou publicamente sobre o desrespeito com a concepção da funcionalidade dos Museus e, fez uma carta aberta onde cito um trecho: “Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos e ao serviço da sociedade que pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe o patrimônio material e imaterial. Abertos ao público, acessíveis e inclusivos, os museus fomentam a diversidade e a sustentabilidade.
Com a participação das comunidades, os museus funcionam e comunicam de forma ética e profissional, proporcionando experiências diversas para educação, fruição, reflexão e partilha de conhecimentos”.
E há muitos anos, os Museus têm também a função não apenas de colecionar, conservar e expor obras de todos os movimentos, como também de revelar futuros artistas, dialogar com a contemporaneidade e, provocar também a partir de uma curadoria potente, reflexões dos nossos comportamentos na sociedade.
Recentemente, tive a oportunidade de visitar o Museu de Arte Contemporânea do Chile, por ocasião do Encontro das Redes Nacionais de Inclusão da OIT, onde tive uma experiência diametralmente oposta ao MAC/USP, que há 12 anos ocupa um belíssimo prédio projetado na década de 50 por Niemeyer. Não havia elevadores na porta, sem treinamento e, ao perguntar: “Tem cadeira de rodas?” Ouvi a resposta que não tinha.
Ao insistir em como eu faria a visita, ouvi “Não sei. Você tem que me dizer”. Trago essa situação para pensarmos que temos sim, muito a avançar no Brasil, mas minha experiência no MAC/USP foi completamente diferente que me permitiu me locomover livremente e aproveitar ao máximo a minha visita.
Mas a acessibilidade vai além das barreiras físicas. O museu também precisa oferecer audiodescrição para pessoas com deficiência visual, tradução em Libras para pessoas com deficiência auditiva e programas educativos específicos e de recepção para pessoas com deficiência intelectual e atípicas. Desde a curadoria e, montagem e pensar o espaço expositivo, é necessário pensarmos na experiência de pessoas com deficiência, com mobilidade reduzida e crianças com e sem deficiência. Na última Bienal em São Paulo, tinham cadeiras, algumas quebradas, bombeiros despreparados e, sem pensar a experiência para todos, vi mais as costas dos demais visitantes do que consegui ler as fichas técnicas das obras.
Todas as pessoas precisam se sentir acolhidas e incluídas em um museu e qualquer outro espaço público de cultura. A equipe precisa estar preparada para atender às diferentes necessidades acima de tudo fazer o público se sentir parte da comunidade. A experiência inclusiva, pode ser transformadora e vislumbro um futuro onde todos os museus sejam acessíveis a todos. A acessibilidade em museus não é apenas uma questão de cumprir leis ou normas, mas sim de construir espaços públicos mais equitativos, inclusivos e democráticos.
Ao abrir suas portas para todos, os museus se tornam agentes transformadores da sociedade, promovendo a educação, a cultura e a cidadania, onde cada indivíduo através da fruição, deleite e reflexão, tem a possibilidade de expansão de consciência.
Por fim, convido os líderes empresariais e tomadores de decisão a se juntarem à luta pela acessibilidade em espaços de cultura como museus, cinemas, parques e outros espaços públicos ou privados. Investir em inclusão é investir em um futuro mais justo e humanizado para todos.