Entrevista

Na raiz do ESG, os princípios do cooperativismo

Em entrevista para a HSM Management, Emanuelle Marques de Moraes, gerente do Instituto Sicoob, compartilha com os leitores a essência do cooperativismo, que se alinha a muitos dos princípios ESG

Sandra Regina da Silva

Sandra Regina da Silva é colaboradora de HSM Management....

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Enquanto o mercado corporativo abraça aos poucos as dimensões do ESG, para o cooperativismo esses princípios são praticamente mandatórios. Faz parte da essência do seu modelo de negócio promover o equilíbrio entre aspectos econômicos e socioambientais. Nesta entrevista, a gerente do Instituto Sicoob, Emanuelle Marques de Moraes, conta mais sobre a relação do cooperativismo com temas atuais, como capitalismo de stakeholders, colaboração e agenda ESG.

A graduação em Serviço Social aproximou Moraes da área de políticas públicas, enquanto pós-graduações e MBAs, como gestão estratégia pela FGV, lhe deram visão empresarial. O mix a ajudou a “sair da caixa”, já que, na sua visão, o profissional da área social costuma se limitar aos problemas sociais e ao impacto, sem fazer relação com o negócio.

Na área há 19 anos, e desde 2012 à frente do instituto, ela vê avanços em instituições similares que, do trabalho mais filantrópico, ainda muito importante, passam a se relacionar com a estratégia do negócio. “O termo ‘braço social’, muito usado nesse sentido, ficou superado, porque, se cortarmos o braço, dá para viver; diferente do coração, do pulmão ou da medula. Por isso, o social tem de estar na cultura da organização, no DNA do negócio.

## O cooperativismo nasce de uma filosofia que integra aspectos do ESG. Que aspectos podem ajudar as organizações a ampliar seu papel social?
A filosofia do cooperativismo propõe o equilíbrio entre as dimensões social e econômica, e o desenvolvimento local de onde a cooperativa está inserida é a essência do modelo de negócio. No cooperativismo, cada sócio é um voto, ou seja, ele tem voz e é importante para as decisões da cooperativa. Há um caráter civilizatório no cooperativismo, porque ele convoca essa sociedade para o trabalho colaborativo, para o senso de comunidade, o que diz muito sobre cidadania. E não está focado no individualismo, mas no ganho coletivo, o que já traz um aspecto social muito relevante, de gerar consciência que leva à ação.

## Essas são qualidades do cooperativismo de forma geral. E quanto ao cooperativismo de crédito?
O cooperativismo de crédito nos remete ao ciclo virtuoso do cooperativismo. Diferentemente de outras instituições financeiras, quando o recurso entra na cooperativa ele fica na própria localidade e alimenta o desenvolvimento local. O dinheiro é reinvestido na indústria, no comércio, gera emprego, renda. Volta para a cooperativa e, consequentemente, para o cooperado.

## Nessa perspectiva, é um modelo aderente ao capitalismo de stakeholders, tão defendido hoje em dia?
O cooperativismo já segue esses princípios há muito tempo. A questão de que não se pode olhar só para o negócio, mas que é preciso olhar para o entorno está presente desde o seu surgimento, no século 19. E índices como PIB e IDH provam que em locais onde existe cooperativismo forte – o Paraná é um exemplo –, o desenvolvimento é diferente de onde não há cooperativas. Isso porque, geralmente, uma cooperativa faz mais do que o próprio negócio. É difícil não ter um projeto social, parcerias com instituições locais e até com o governo. O ciclo se retroalimenta.

## Você lida com ESG em cooperativismo, e ESG implica diversidade. Como é a diversidade e inclusão no setor?
A diversidade entra, no Sicoob, na agenda de sustentabilidade que está sendo construída. É um plano estratégico com diretrizes, metas e objetivos para que toda a organização se comprometa com avanços nos indicadores de sustentabilidade nos próximos anos. Vamos lançar um manifesto pela sustentabilidade, chamando todas as nossas cooperativas para o compromisso não só com a diversidade, mas com todos os temas relacionados ao negócio. Ao reunir tudo, conseguimos medir, monitorar e acompanhar esses indicadores.

O desafio não é só de gênero, mas também racial, de pessoas com deficiência, LGBTQIA+ e, mais recentemente, da terceira idade, no chamado etarismo. Uma organização tem que ser reflexo da sociedade.

No Sicoob, no caso da questão de gênero, não temos um problema no quadro operacional. O último relatório de sustentabilidade, de 2020, mostrou uma média de 54% de mulheres entre analistas, assistentes, supervisoras, gerentes. O grande desafio está na alta liderança: são 20% de mulheres nas diretorias executivas e 17% nos conselhos. Além de atrair, é preciso desenvolver mulheres para esses cargos.

Como promovemos a inclusão financeira, direcionada às classes C, D e E e em municípios com até 50 mil habitantes, atingimos muitas mulheres e pessoas negras. E, se essas pessoas fazem parte do negócio como cooperadas e clientes, há o desafio de trazê-las para a alta gestão. Entender e reconhecer o problema é o primeiro passo.

## Falando em lideranças, o executivo do cooperativismo precisa ser diferente do executivo “tradicional”?
Há uma chamada para que todas as lideranças corporativas sejam mais conscientes. O mercado tem falado muito da necessidade de se ter uma voz consciente e uma estratégia coerente na relação entre sustentabilidade e capitalismo. O chamado é geral, mas, para o cooperativismo, a responsabilidade é obrigatória. No caso do Sicoob, que tem o propósito de promover a justiça financeira e a prosperidade, a responsabilidade das lideranças é muito grande.

A agenda ESG do Sicoob
Com diversas frentes de atuação, instituto integra estratégia da cooperativa

O Instituto Sicoob é uma organização de investimento social estratégico mantida pela cooperativa de crédito Sicoob com o objetivo de disseminar a cultura cooperativista e promover o desenvolvimento sustentável dos territórios onde as cooperativas atuam.

O instituto se estrutura em três eixos. O primeiro é o de cooperativismo e empreendedorismo, implementado em ações educacionais promovidas pelo instituto. Cidadania financeira é o segundo eixo, alinhado com as diretrizes do Banco Central, que regula o setor. “As cooperativas têm um papel muito claro de inclusão e na educação financeira no sistema financeiro nacional”, comenta Emanuelle Moraes. “Atuamos muito nesse campo, porque é estratégico para o negócio levar educação financeira para as comunidades onde estamos inseridos.”

No terceiro eixo, de desenvolvimento sustentável, os programas são mais amplos, em diversas frentes, como a profissionalização. “Temos o Expresso Instituto Sicoob, um ônibus de educação itinerante”, conta Moraes. E, em breve, uma plataforma virtual trará ainda mais capilaridade ao sistema. O instituto também lidera a agenda de sustentabilidade, transversal a todo o negócio do Sicoob, abrangendo ESG em produtos, governança e compliance.

O instituto mantém parcerias sistêmicas nacionais com o terceiro setor, como um termo de cooperação técnica com o CIEE (Centro de Integração Empresa Escola), com foco em disseminar programas de educação financeira, e com os Escoteiros do Brasil. E também com a CVM e a Susep, para execução de ações de educação financeira. Localmente, as cooperativas se mobilizam junto às secretarias de Educação e de Assistência, visando a aplicação dos programas educacionais.
(por Sandra Regina da Silva)

## Nesses anos à frente do Instituto, quais os principais aprendizados?
O mais recente, sobretudo na pandemia, foi perceber que precisamos muito dos produtos digitais. Lançamos em 2021 a plataforma Se Liga Finanças, que promove educação financeira com linguagem gamificada. Em menos de um ano, temos mais de 13 mil jovens inscritos. E criamos o prêmio Líderes do Futuro, que oferece mentoria para os jovens com melhor desempenho nessa plataforma. Este ano, vamos lançar ainda o Se Liga MEI, com conteúdo específico para o microempreendedor.
Outro aprendizado importante, lá atrás, foi quanto à estratégia do desenvolvimento social. No começo, atirávamos para todos os lados, porque queríamos abraçar o mundo. Quando olhamos para os reais objetivos da organização, adotamos o conceito de investimento social, privado, estratégico, atrelando as estratégias do negócio às estratégias de atuação social. Assim, conseguimos otimizar recursos, ganhar confiança junto ao público interno e externo, agregar valor para a marca.

Temos uma agenda de educação financeira sistêmica que extrapola o eixo de atuação do instituto, porque é transversal ao negócio. Até nosso presidente fala na formação de um exército de educadores financeiros do Sicoob. E, na outra ponta, nosso atendente entende que tem um propósito maior que bater a meta. Seu propósito é contribuir para a saúde financeira do cooperado.

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