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Não deixe o escritório atrapalhar seu trabalho

Esse é o lema das novas formas de atuação da economia ágil; ambientes e arranjos flexíveis se espalham por um número crescente de empresas

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A Dell está atenta ao futuro do trabalho. Pretende, até 2020, ter metade de seu quadro global de funcionários trabalhando em horários flexíveis no local de sua escolha. Duas forças a impelem a isso. A primeira é financeira. Hoje, 25% de seu pessoal já trabalha desse modo, em acordo com seus supervisores e apoiados pela tecnologia, gerando uma economia de US$ 21 milhões desde 2013 em custos imobiliários. A segunda é que a flexibilidade nunca foi tão valorizada: em 2016, 93% dos colaboradores disseram em pesquisa que a flexibilidade os ajuda a ser bem-sucedidos. 

O Mercado Livre está atento ao futuro do trabalho. Há um ano inaugurou em São Paulo a Melicidade, inspirada nos campi do Vale do Silício. As áreas abertas totalizam 22 mil metros quadrados, com jardim, redes de dormir e uma quadra poliesportiva; o mezanino é um espaço para o trabalho compartilhado, e há ainda 140 salas de reunião. Os funcionários não têm horário definido ali, e sim metas, e uma vez por semana trabalham em esquema de home office. “Vemos em pesquisas internas que essa flexibilidade tem impacto direto no clima organizacional e na produtividade”, explica Helen Menezes, gerente de recursos humanos. 

A Cotton On está atenta ao futuro do trabalho. Presente em 19 países e no Brasil desde 2014, a varejista feminina australiana privilegia ambientes com maior presença de luz e natureza, áreas informais de descanso e interação e iniciativas que promovam o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. “Focamos estratégias para que as equipes sejam capazes de gerenciar o próprio tempo”, comenta Tahlia Weston, gerente de assuntos corporativos da Cotton On Brasil. Além de fazer home office uma vez por semana, os funcionários escolhem a jornada que melhor lhes convier, entre as 7 e as 19 horas. 

Quando se fala no futuro do trabalho, a vanguarda não parece uma organização divertida, cheia de mesas de pingue-pongue; ela tem a ver com racionalidade, com flexibilidade e, mais, com agilidade. Como um estudo interno mostrou à companhia aérea Latam, em 20% do tempo, as mesas de seus escritórios na capital paulista permaneciam vazias devido a funcionários em férias, reuniões e viagens, condições inerentes ao setor. Foi quando a empresa decidiu racionalizar seu espaço, reunindo em um único prédio equipes antes dispersas no Aeroporto de Congonhas e em outros pontos e utilizando a flexibilidade para fazer isso funcionar. 

No caso da E.life, consultoria de relacionamento digital, foi preciso racionalizar o espaço para responder a um crescimento rápido. Segundo seu presidente, Alessandro Lima, a empresa, que começou como startup 100% digital oferecendo serviços de monitoramento de redes sociais, tem 400 funcionários e uma sede que só comporta 60. 

A consultoria McKinsey vem conduzindo uma série de pesquisas sobre o futuro do trabalho e confirma: flexibilidade será a norma para os empregadores que quiserem ter os melhores talentos. Trata-se do principal elemento de sedução de uma vaga para o público millennial, cada vez mais numeroso nas empresas – no Mercado Livre, por exemplo, os nascidos do final do século 20 para cá já são 90% dos quadros. 

A mudança de modelo, no entanto, não é fácil. Para resultar em menos estresse e maior produtividade, o chamado “flex work” precisa que os gestores avaliem a contribuição de cada colaborador pelos resultados, e não pelas horas trabalhadas ou pela presença física, e que os funcionários se mostrem responsáveis e confiáveis. 

Além disso, flexibilidade não quer dizer necessariamente que as pessoas trabalharão menos (um balde de água fria para muita gente) ou que as empresas só cortarão despesas (o que pode desapontar muitos gestores). Trabalha-se até mais em arranjos flexíveis, e o período de adaptação tem custos significativos. 

**PASSO A PASSO**

Como criar o ambiente de trabalho do futuro? Segundo a pesquisa A psicologia do espaço colaborativo, encomendada pela fabricante de móveis de escritório Herman Miller, entre os aspectos que mais pesam a favor ou contra essa colaboração destacam-se a confiança entre os indivíduos, o respeito à personalidade de cada um e o ambiente (design e mobiliário). Portanto, as principais decisões a tomar nessa direção dizem respeito a design do escritório, programa de trabalho flexível, infraestrutura tecnológica, modelo gerencial e mudança comportamental, não necessariamente nessa ordem. E é importante que o processo completo seja feito aos poucos, para que os aprendizados sejam incorporados. 

**Design do escritório.** Com o objetivo de facilitar a colaboração, baias e portas fechadas saem de cena. Priorizam-se estações de trabalho compartilhadas, mesas comunitárias, salas multipropósito de tamanhos distintos, áreas abertas (open spaces). 

“O ideal é mesclar um espaço grande e aberto, onde a convivência e a troca fluam de modo natural, com salas menores para tarefas de maior concentração”, diz Flavio Batel, VP de estratégia do Grupo Athié |Wohnrath, que desenvolve projetos de espaço de trabalho. Não há uma fórmula para a mescla; a proporção entre espaços abertos e salas menores varia. Por exemplo, times em formação devem se encontrar mais presencialmente, para estabelecer confiança, conforme a pesquisa da Herman Miller. 

É preciso haver ainda salas que respeitem os diferentes perfis de funcionários, como diz o diretor de insights da Herman Miller, Mark Catch love. Segundo ele, o match com o ambiente interfere muito na capacidade de colaborar das pessoas. Pensada para reforçar a troca entre os colaboradores, a nova sede da Natura em São Paulo (Nasp) tem 55 salas de reuniões e mais de 110 locais para reunião informal, ao mesmo tempo que salas para atividades que exigem privacidade. 

A telecom Tim Brasil foi uma das que inauguraram um escritório – a nova sede – sob o paradigma de trabalho flexível. Os colaboradores tiveram de se desapegar dos lugares fixos; 90% deles têm posições flexíveis. A cada dia, o funcionário escolhe onde vai se sentar conforme o escopo de atividades e necessidade de interação – “Hoje eu preciso colaborar com que colegas?”. Isso levou ao conceito de “mesa limpa” – todos os pertences devem ser guardados pelas pessoas em lockers com senha espalhados pelos andares. 

Na Latam, também acabaram os lugares fixos e adotou-se a mesa limpa (objetos pessoais são guardados em escaninhos). Há 1.200 estações de trabalho compartilhadas para 1.500 funcionários – o programa de home office resolve o déficit de 300 postos – e salas de reunião de diferentes tamanhos, no estilo booths, aquelas mesas usadas nos diners norte-americanos. Para Cibele Castro, VP de gestão de pessoas da Latam, não haver lugar fixo beneficiou sensivelmente a integração e a comunição. “Percebemos agilidade na tomada de decisão, maior sinergia e sentimento de equipe”, comenta. 

Os mais de 800 funcionários do novo escritório paulista da Nokia, sede latino-americana da empresa, também decidem onde querem trabalhar a cada dia. Além do espaço aberto, chamam a atenção as cabines, que lhes garantem privacidade para participar de reuniões por telefone ou videoconferência. 

O fim total dos lugares fixos não é obrigatório, contudo. Na CA Technologies Brasil, as estações de trabalho são compartilhadas, mas as áreas continuam definidas – áreas complementares ficam próximas umas das outras, como marketing e vendas. 

**HOME OFFICE: FATORES DE SUCESSO**

Há alguns anos, o Yahoo! surpreendeu o mercado ao recuar em sua política de home office, chamando todos de volta ao escritório por perceber queda na criatividade. Recentemente, a IBM fez algo similar nos EUA. Cinco fatores tendem a reduzir a probabilidade de insucesso: 

**✓ Confiança** – O maior segredo do sucesso do home office está na confiança entre as partes envolvidas: o gestor precisa estar seguro de que o colaborador vai entregar o combinado (e não cobrar horas presentes no escritório) e o colaborador deve garantir a entrega, entendendo que é avaliado por resultado. A tecnologia está pronta para o home office, mas algumas pessoas não. Segundo especialistas, para construir essa confiança, o conceito do que é trabalhar em casa tem de ser amadurecido antes entre as partes. 

**✓ Equilíbrio dentro-fora** – Manter o equilíbrio entre dias dedicados ao escritório e ao home office é saudável. Nem tudo pode ser resolvido por telefone ou videoconferência. A interação e a proximidade pessoal geram insights, sinergias e trocas difíceis a distância. 

**✓ Programa sob medida** – Tudo depende do setor da empresa, bem como do departamento, cargo e atividade desempenhada pelo funcionário. Aqui, o que vale é testar. 

**✓ Tecnologia** – “Atmosfera aberta” ao diálogo e acesso ágil à informação e às outras pessoas são aspectos cruciais. Há muitas soluções para apoiar equipes remotas e permitir a plena colaboração, como ferramentas de comunicação, compartilhamento de arquivos em nuvem, videoconferência, gerenciamento a distância e monitoramento. 

**✓ Mentalidade do gestor** – Monitorar a distância e intervir quando necessário é um grande desafio para boa parte dos gestores. Pode haver a necessidade de reciclá-los. Diferentes habilidades são exigidas deles. 

**Infraestrutura tecnológica.** O que dá o tom do futuro do trabalho vislumbrado nesta reportagem é mais mobilidade sem fio, uma mudança que exige planejamento, tanto para o trabalho interno sem lugar fixo como para home office e coworking. 

Na Nokia, todas as conexões passaram a ser com fibra óptica, permitindo o tráfego cem vezes mais potente do que o de um cabo de cobre. E não só os desktops deram lugar a notebooks; os aparelhos de telefone fixos sumiram – agora, todos usam softphone, que pode ser acessado por notebook ou celular. Para imprimir um documento, envia-se a qualquer uma das impressoras, passa-se o crachá nela e pronto.

O trabalho a distância pede medidas específicas. Na Tim Brasil, por exemplo, a área de TI teve de fazer adaptações para que os programas internos pudessem ser acessados em outros ambientes e para criar ferramentas de comunicação alternativas que apoiassem o trabalho remoto. Na E.life, os notebooks foram equipados com 3G, ganharam assistência técnica em tempo integral e foram reforçados pela TI (não pelos funcionários) com ferramentas de gestão de arquivos em nuvem e de comunicação. Redes sociais internas, como Slack, Workplace e Teams, podem estar entre as ferramentas de comunicação extras. 

A tecnologia ainda ajuda a distribuir as estações de trabalho sem dono. Na consultoria EY, por exemplo, há um sistema de check-in similar ao dos aeroportos para que o funcionário reserve a estação de trabalho a cada dia. 

**Trabalho a distância.** Os colaboradores da Latam fazem home office uma vez por semana; já os da sede da Tim Brasil têm até dois dias por semana para trabalhar fora da empresa – em home office, em coworking, em um café, na casa de colegas etc. Como definir o tempo ideal de um programa de home office ou mesmo escolher entre ele e um espaço de coworking? Não há algo como melhores práticas de flex office ou consultorias especializadas nisso. 

Flávio Morelli, diretor de RH da Tim Brasil, usou vários recursos: fez benchmarking com outras empresas praticantes de home office, para entender dificuldades e desafios, encomendou estudos de mercado e aplicou um teste-piloto com 50 colaboradores. 

Ao longo de três anos, a Tim Brasil testou grupos que trabalhavam em casa uma, duas, três e quatro vezes por semana. Chegou à conclusão de que, para seu negócio, a melhor frequência seria dois dias, e a pior, quatro. “O piloto confirmou que valia a pena: cerca de 40% dos participantes entregaram resulta dos até melhores do que antes e 93% perceberam maior qualidade de vida e bem-estar”, conta Morelli. 

Também a Latam usou o conceito de piloto, mas em proporções maiores. O projeto em São Paulo, com 1.500 pessoas, é visto como piloto para os demais escritórios do grupo em vários países. Importante: vale a pena envolver o departamento jurídico e conversar com o sindicato da categoria para certificar-se de não ferir nenhuma lei com o programa. 

**COWORKING JÁ**

Os ambientes de trabalho compartilhados que estimulam a construção coletiva de conhecimento viraram febre no planeta – estima- -se que ultrapassem 10 mil unidades. No Brasil, os espaços de coworking existem desde 2007, mas saltaram de 17 em 2015 para 810 hoje, somando 56 mil estações de trabalho. A maioria está em São Paulo e Rio, conforme o Censo _Coworking Brasil_ 2017. 

Esses espaços nasceram para atender os profissionais freelancers como um meio-termo entre o isolamento do home office e as distrações dos cafés e espaços públicos, mas hoje são vistos, cada vez mais, como aliados das empresas, que ali instalam seus funcionários para reduzir custos ou motivá-los. Grandes organizações já representam 30% do negócio da WeWork no Brasil, onde a maior empresa mundial do setor, presente em 16 países, tem dois escritórios e está abrindo mais quatro. Equipes inteiras de companhias como Porto Seguro Seguros, Groupon e IBM estão lá. 

Embora cada empresa possa escolher o modelo de espaço que ocupará – fechado, bloqueável ou aberto –, a integração entre pessoas de diferentes companhias costuma ser um dos maiores apelos para os funcionários, como diz Lucas Mendes, diretor da WeWork no Brasil. É comum desenvolverem um senso de comunidade, juntando-se em confraternizações, aulas de idioma e até mesmo clubes de corrida. “Tentamos estimular ativamente essas conexões, tanto offl ine, com áreas de convivência que simulam o ambiente de uma casa, como online, conectando os mais de 160 mil membros que temos no mundo por nosso aplicativo”, diz Mendes. 

Para algumas startups, atuar fora de um coworking é impensável. A Linte, que faz gerenciamento de processos e contratos, migrou sua equipe inteira para a WeWork. “Sempre estivemos, desde nossa fundação no Vale do Silício, em escritórios compartilhados; o fato é que acreditamos no poder de boas conexões geradas em espaços dessa natureza”, diz Gabriel Senra, CEO da Linte. 

**Mudança do modelo gerencial.** O modo de gerenciar a empresa precisa se transformar para comportar o trabalho flexível e a distância. Por exemplo, na E.life, os times de trabalho agora se auto-organizam e traçam metas, e o funcionário faz todo o trabalho remotamente, seja em casa, seja em espaços de coworking – a empresa possui parceria com três desses espaços. Há ainda times que preferem se reunir na casa de um colaborador e outros que atuam no escritório dos clientes. Uma vez por semana, em esquema de rodízio, eles se encontram na sede da E.life, na Avenida Paulista, para uma reunião presencial, palestras ou eventos pontuais. 

Segundo Lima, para o modelo dar certo, a gestão tem de ser competente. “Fazemos treinamentos e avaliações rotineiras, e cada gestor de projeto acompanha as equipes pelas ferramentas de gerenciamento, nas quais a produtividade é monitorada”, diz ele. 

**Mudança comportamental.** Esse é o grande desafio do trabalho ágil, mais que mudança física. A reação das pessoas à nova sede latino-americana da Nokia o comprova: surgiram muitas reclamações sobre não haver lugar fixo (mas diga-se que a empresa ainda não implantou o programa de home office). Foi preciso um trabalho de gestão de mudança, com intenso esforço de comunicação para construir relações de confiança e com a liderança pelo exemplo – nem o presidente tem sala –, para as pessoas começarem a entender a nova maneira de se comportar naquele ambiente. “Quando perceberam a facilidade de deslocamento e como isso melhorava o convívio, as queixas pararam”, comenta Cleri Inhauser, diretor-geral da Nokia no Brasil. 

Usar o argumento dos negócios também ajudou na mudança comportamental. “Explicamos que precisamos conectar as pessoas com a máxima eficiência para que elas inovem; afinal, se não nos reinventarmos a cada três anos, com o dinamismo de nosso setor, é provável que deixemos de existir”, diz Inhauser, que passou a ser bem mais solicitado no novo arranjo. 

A Latam foi outra a recorrer à gestão de mudança. Criou a figura dos colaboradores-embaixadores para espalhar as novas formas de atuação e deixou a presidente, sem sala fixa, dar o exemplo. 

Além de um programa de home office, horários diferenciados, estações compartilhadas e open spaces, a CA Technologies Brasil abriu mão de impor um dress code, para os colaboradores poderem expressar sua personalidade, e incentiva conversas cara a cara em vez do e-mail. Isso também facilita a mudança comportamental. “As pessoas se falam mais; novos hábitos estão se formando”, observa o CEO, Marcel Bakker. 

**DISCURSO E EFICIÊNCIA**

Nos últimos anos, muitas empresas anunciaram a criação de ambientes flexíveis no eixo Rio-SP-BH, e até em outras capitais e no interior, montando escritórios “tipo Google”. Mas, como diz Catchlove, da Herman Miller, “o trabalho flexível de verdade ainda é exceção, mesmo nos países desenvolvidos”. Isso porque o espaço não é um propulsor da flexibilização, mas um apoiador, bem como a tecnologia. “Para que a colaboração flua, é preciso a cultura certa na gestão.” 

É impossível prever quanto tempo vai levar para o modelo de trabalho ágil ser plenamente adotado, mas, como as pessoas circulam cada vez mais para fazer negócios, Catchlove tem uma certeza: a eficiência dará impulso ao trabalho flexível. “Quando as mesas ficarem ocupadas menos de 60% do tempo, as empresas vão mudar.”

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