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Não estou criativo. E agora?

Se você achar que não consegue criar nada, saiba que os creators também têm, vez ou outra, a mesma sensação

Kaique Brito

Kaique Brito, soteropolitano de 16 anos de idade, tem 234 mil seguidores no Twitter, 118...

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Não é novidade que a internet exige que sejamos produtivos frequentemente: algoritmos que beneficiam quem publica com constância, um público que cobra conteúdo diário/semanal… e isso tudo requer criatividade. Essa capacidade de inventar algo a partir da nossa imaginação e tornar realidade pode ser muito difícil de alcançar em alguns momentos. Num estudo realizado pela YouPix e pela Brunch, 24% dos influenciadores vivem exclusivamente da produção de conteúdo e 66% trabalham sozinhos. A quantidade de pessoas que hoje dependem da criatividade para pagar as contas é muito grande e em algum momento, todo mundo já teve o seguinte pensamento: “Eu não sou criativo. E agora?”.

O medo de não conseguir produzir, a angústia ao ver uma data de entrega… É sempre muito difícil quando a nossa criatividade não está a nosso favor, mas a verdade é que, muitas vezes, falta algo primordial, que é a inspiração. Não só a de estar num ambiente inspirador, mas também de ter referências! Bagagem de outros conteúdos de que gosta, uma variedade de temas consumidos, noção da própria identidade para colocar personalidade naquilo que faz. A junção destes elementos pode ser extremamente útil quando o assunto é criar algo novo.

Desde o início da nossa história, pessoas se expressam artisticamente e usam da sua capacidade de desenvolver algo para solucionar um problema individual ou coletivo. Isso é algo que vem de milênios e precisamos entender que já se passaram muitas pessoas geniais pelo mundo, deixando o seu legado para que possamos reconhecer e acrescentar com as nossas ideias, vivências e olhares! Um exemplo disso é a técnica de “sample” no mundo da música. Pela definição da Kondzilla (a principal produtora de videoclipes de funk no Brasil), “sample nada mais é do que a amostra de sons, sendo eles trechos (ou partes inteiras) de músicas já existentes”. Sabe quando você ouve uma música lançada há duas semanas e sente que conhece ela de 20 anos atrás? É isso! Artistas que usam produções já existentes como inspiração para dar vida a ideias que ainda não estavam muito bem estruturadas.

Um ótimo exemplo disso é a música “7 Rings – Ariana Grande”, que foi feita usando o sample de “My Favorite Things – Mary Martin e Patricia Neway”. Depois de tanto tempo passado, pode-se dizer que é muito difícil criar algo 100% novo, então a inspiração hoje é de extrema importância nesse processo. Os vídeos tão engraçados, e tão compartilhados, do TikTok, são, na maioria das vezes, inspirados em outros vídeos da própria plataforma! A prova disso é que, no início do aplicativo (quando ainda se chamava ‘musical.ly’), o seu slogan dizia “Inspire e seja inspirado”. O TikTok se move baseado em inspiração desde essa época e é a plataforma mais criativa da atualidade! Ou seja, consuma conteúdos dos outros antes de produzir o seu.

## SÓ QUE…
Do mesmo modo que é valioso assistir a vídeos, ler textos e ouvir músicas de outros produtores na internet, isso pode construir uma barreira na nossa criatividade quando se trata de pessoas do mesmo segmento. O espaço digital cobra muito em alguns momentos e faz com que a gente se compare a tudo que tenha a mínima ligação com o que a gente produz. Ficar olhando constantemente quantas curtidas tem o vídeo de tal pessoa, quantos comentários tem no artigo do colega de trabalho… Isso acontece e não podemos negar! Quando criamos esse hábito de abrir os mesmos perfis todo o tempo para ficar comparando, terminamos consumindo o mesmo tipo de conteúdo e ficando tristes por, muitas vezes, ter um alcance menor do que esperávamos, resultando num bloqueio criativo.

Nesse cenário, é preciso uma pausa para alinhar o que está acontecendo consigo mesmo e lembrar que o que realmente importa é a relevância e a qualidade do conteúdo que cria. Quantidades exorbitantes de seguidores e likes podem sim ser um bom sinal, mas nunca devem ser uma preocupação que ultrapasse o significado e propósito do que se produz.

Eu, Kaique Brito, já passei por esse tipo de situação algumas vezes e, por isso, me identifico tanto com o tema deste artigo. De junho a agosto de 2020, o meu perfil do Instagram não foi alimentado com praticamente nada. Durante esse tempo de ócio espontâneo, a nossa mente se enche de preocupações sobre como será quando voltarmos a publicar, mas, com uma construção de comunidade no decorrer do tempo de internet, o público será receptivo! Esse bloqueio chega para todos e não sai tão facilmente. Então para evitá-lo, busque inspiração em todos os lugares! Assista novamente a filmes que te inspiraram no passado, leia os livros que você lia na infância… Já se cair na situação de não conseguir ter ideia alguma, respirar, lembrar-se do valor que tem e rever os próprios hábitos de uso da internet pode ser a melhor opção a se aderir.

Ainda assim, com todos esses pensamentos em mente, a criação de conteúdo pode ir de encontro a um outro desafio: originalidade e personalidade. Arrisco a dizer que este é o tópico mais importante de todos, pois a internet está cansada de tanto “conteúdo” igual. É de suma importância saber separar o que é inspiração do que é cópia/plágio. Precisamos consumir conteúdos diferentes para construir as nossas próprias ideias, usando-os como base. Para isso, é necessário algum nível de autoconhecimento. O simples ato de olhar um álbum de fotos antigo pode ser extremamente útil para lembrar de onde surgiu a pessoa que você é hoje e como ela se desenvolveu; realizar uma análise de quais as pautas mais te movem e fazer disso um propósito da sua produção de conteúdo deve torná-la mais relevante. As redes muitas vezes têm formatos já existentes e popularizados, mas que, com personalidade, podem virar algo incrível, como os reacts de Leon Martins e Nilce Moretto. Um dos cinco canais dos criadores, o “República Coisa de Nerd”, possui a junção de formatos de vídeo já explorados por outros produtores de conteúdo (como reacts e gameplays) à originalidade de Leon e Nilce. O canal hoje acumula aproximadamente 380 milhões de visualizações em pouco menos de três anos! Eles constroem sua história com autenticidade e se reinventam de acordo com a mudança de seus interesses inúmeras vezes!

Em síntese, é preciso pensar a criatividade de forma organizada quando ela é um elemento do seu trabalho, pois um bloqueio criativo é muito fácil de acontecer. Estar sob um sistema que nos coloca numa bolha de conteúdos iguais e que estimula a produção em massa para as pessoas competirem entre si é um empecilho colossal para o nosso processo criativo. Além disso, é muito importante criar com personalidade e de acordo com os próprios interesses, pois isso traz autenticidade e é o que nos torna únicos e especiais nesse mundo gigante que é a internet.

Para melhorar essa situação, todo mundo que faz produção de conteúdo na internet (criadores, marcas, plataformas etc.) precisa, cada vez mais, compor o meio pensando em relevância, originalidade e autenticidade. Escrevendo textos sobre assuntos pelos quais se interessam, fazendo vídeos que saiam do óbvio e, sobretudo, gostando e se divertindo com o que está produzindo!
Uma coisa que ajuda é visar um espaço menos acelerado, melhor para a saúde mental geral, e um público que recebe conteúdo que faça bem a eles. Sem isso, creio que o meio digital será visto cada vez mais como algo ruim e nós teremos que encontrar outras formas de expressar a nossa capacidade de criação.

Vulnerabilidade, um segredo

Fica muito difícil ser criativo sem se expor

Como Sigmund Freud dizia, “das suas vulnerabilidades virá sua força”. Ocorre que isso não vale só para força; aplica-se também à criatividade. É o que vemos no caso do influencer Kaíque Brito, quando ele diz que ficou bloqueado, e sem atualizar seu perfil no Instagram, de junho a agosto de 2020. Naquele momento, ele se permitiu estar vulnerável, uma vez que não escondeu o fato – seria fácil ele contratar alguém para fazer postagens, não?

Expor-se ao escrutínio do mundo é igual a se vulnerabilizar. Um conceito da gestão que permite entender bem isso é o do “desvio criativo”. Acontece quando um funcionário desobedece o líder que rejeitou uma ideia nova, e segue com a ideia. Nesse desvio, ele está se vulnerabilizando. (Algumas vezes sai vitorioso, em outras, é punido.)

Brené Brown, professora da University of Houston, tem duas afirmações célebres a esse respeito: (1) “não existem pessoas não criativas; só aquelas que param de tentar criar, em geral por vergonha” e (2) “não existe criatividade sem vulnerabilidade”.

O ambiente não me faz criativo. E agora?

A Try trabalha com desenho de experiência do usuário. E precisou redesenhar o trabalho essencialmente em equipe para o modelo remoto. Está funcionando

O dia 11 de março de 2020 foi o último em que eu e os então 52 funcionários da Try, estúdio de user experience – o famoso UX – da qual sou CEO, trabalhamos juntos no escritório da avenida Cidade Jardim, em São Paulo. Trocamos o ambiente gostoso da nossa sede pelo trabalho solitário, cada um em sua casa. Eu sempre achei que o trabalho que fazemos, essencialmente criativo, funcionava por causa do encontro, da presença, da criação em grupo. Mas fiz o que gosto de fazer diante do inevitável: abraçar a circunstância sem chorar o perdido e me abrir para o novo.

A primeira coisa que entendemos é que, quando você vai todo dia ao escritório, a cultura te atinge de várias maneiras. O espaço, o comportamento das pessoas, tudo isso vai criando uma energia. Com todos a distância, ou passávamos nossa cultura adiante na base do Zoom e da conversa, ou ela derretia.

Em agosto o Thomás Camargo, um dos novos diretores, sugeriu um town hall com toda a equipe, algo que não fazíamos antes da pandemia. Deu tão certo que passamos a fazer todo mês. Nessas horas, conseguimos sentir a energia do nosso grupo, dividir projetos, trazer pessoas interessantes para conversar com a gente e comemorar o que precisa ser comemorado nesses tempos tão intensos e batalhados. Também chamamos clientes para contar os resultados de algum projeto desenvolvido conosco. Saio energizada desses encontros. Alguma mágica acontece quando as carinhas vão aparecendo na tela, cada uma no seu canto, distantes, mas ao mesmo tempo unidas por algo intangível.

Também recorremos a ferramentas – como Miro, Slack e Notion – para facilitar a cocriação e a colaboração. Os designers gostam do Figma para rabiscar juntos no iPad. Desenhamos fluxos e acompanhamos os projetos online. Outras práticas simples, mas poderosas, têm ajudado a manter a criatividade viva. Procuro usar uma parte das reuniões para bater papo e saber como as pessoas estão. Precisamos lembrar de jogar conversa fora, senão o dia vira só despacho, providência, entrega. E aí é burnout. Todo mundo já sentiu como emendar uma reu­nião em vídeo atrás da outra esgota. Procuro deixar um intervalo de 15 minutos entre uma e outra, sempre que dá. E peço que as câmeras fiquem abertas nas reuniões, para que possamos ver as pessoas.

Aos poucos, alguns hacks vão ajudando as pessoas a se conectarem e a se lembrarem da energia do grupo. Algumas equipes ficam juntas no Zoom enquanto trabalham, mesmo quando não estão em reunião. Outros times optaram pelas happy hours virtuais – que, segundo eles, só são estranhas até a segunda cerveja.
Após um ano de trabalho remoto, vejo muita coisa positiva. Quando pudermos, vamos voltar ao escritório, mas não com a mesma frequência. A transformação que veio para ficar. Somos do setor de serviços, claro, mas conseguimos reinventar nosso jeito de funcionar e o negócio cresceu. Sem o limite do espaço físico do escritório, pude contratar pessoas e aceitar mais trabalhos – a equipe saltou de 52 para 89 pessoas. Quanto à cultura, em 18 anos de empresa, 2020 foi para mim o mais interessante de todos. E, por que não dizer, também em criatividade.

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