> Vale a leitura porque… …
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> todos se questionam sobre qual seria a tradução B2B da era das redes sociais, que funcionasse como um poderoso marketplace e até mesmo um cluster virtual. … a filial brasileira da Bayer, agindo como um Mark Zuckerberg corporativo, responde, criando uma rede dedicada ao setor de agronegócio que inclui produtores, distribuidores e fornecedores, exemplo a ser seguido por outros setores.
Ao completar 120 anos de presença no Brasil, a Bayer aposta em um projeto que promete revolucionar sua maneira de se relacionar com a comunidade do agrobusiness. É a Rede AgroServices, uma plataforma online de conteúdo interativo lançada em 2015 que inclui um conjunto de ferramentas de comunicação instantânea, fazendo circular notícias e oportunidades de negócios a todos que estejam logados. A AgroServices pretende ser uma espécie de “Facebook do agronegócio”. É um portal em ambiente aberto, com a possibilidade de formação de grupos abertos e fechados.
O objetivo é conectar os diversos elos da cadeia produtiva – indústria, agricultores, pesquisadores, distribuidores, cooperativas, fornecedores, estudantes, jornalistas, entre outros públicos estratégicos – como fontes de informação, de mercado e de tecnologia. O conteúdo do portal traz notícias do campo, economia, legislação, tecnologia, mercado, culturas, iniciativas sustentáveis em cooperativas, cases de sucesso e outros assuntos, acessíveis por vídeos, textos e relatórios.
Os usuários podem seguir pesquisadores e fóruns de discussão sobre temas específicos. A rede possui um grande diferencial: uma moeda própria. Trata-se de um programa de fidelidade pelo acúmulo de pontos (1 real = 1 ponto), que podem ser trocados por produtos Bayer e por serviços de parceiros participantes, como consultorias especializadas, agricultura de precisão (medição do uso de insumos e sementes), projetos de engenharia e cursos. “A Rede AgroServices faz parte de uma visão integradora inédita; é uma inovação no setor”, comenta Eduardo Estrada, presidente da divisão agrícola da Bayer para Brasil e América Latina.
**A INSPIRAÇÃO**
O que leva uma empresa a investir R$ 100 milhões nesse tipo de inovação? A expectativa é, segundo Estrada, que as conexões estabelecidas na rede fortaleçam toda a cadeia de valor, gerando competências que ajudem a atender às necessidades dos agricultores, disseminar tecnologia entre eles e promover a evolução de todo o setor.
Isso é particularmente importante ao lembrar que, dos R$ 10 bilhões em vendas realizadas pela Bayer no ano passado no Brasil, a divisão de agronegócio Crop Science foi responsável por R$ 7,46 bilhões – e por 73% dos resultados. Além disso, o País é o segundo maior mercado de agronegócio da Bayer no mundo; perde só para a filial chinesa – e apenas por causa da desvalorização do real em relação ao euro.
Esse fortalecimento também importa porque a tendência é o Brasil se tornar cada vez mais relevante na cena mundial do agronegócio, atraindo novas ondas de investimentos de indústrias de alimentos e de sementes e das tradings – o País é, com a África, um dos poucos líderes na produção de commodities que não têm limites de área e água, ao contrário da Ásia, Austrália e Europa.
Também se trata, contudo, de dar protagonismo ao principal ator do setor, que é o produtor rural, e de facilitar as inovações. Em primeiro lugar, “o produtor pôde passar a participar ativamente das discussões”, como afirma Estrada. Em segundo, passou a pagar por produtos e serviços com pontos, não desembolsando dinheiro. “Além disso, quando reunimos todos os parceiros em um único espaço, a capacidade de trazer inovação para o mercado se amplia muito”, acrescenta Ivan Moreno, diretor de acesso ao mercado da Crop Science.
A AgroServices é uma cria de Moreno, que traduziu em uma plataforma os programas de relacionamento com diversos públicos-alvo da Bayer de que ele cuida. A rede começou a nascer em 2011, quando a companhia se deu conta de que o setor do agronegócio estava passando por uma reorganização e viu a necessidade de responder a isso. Como conta o executivo, mudavam os papéis dos participantes do setor. Distribuidores que antes compravam da indústria local se tornavam importadores de insumos agrícolas da China e da Índia; produtores rurais que atingiam certa escala começavam a atuar como indústria.
Na distribuição, empresas tradings que antes apenas compravam dos produtores para exportar passavam a também distribuir insumos (fertilizantes e defensivos), e distribuidores internacionais estavam vindo para o Brasil, como a gigante dos fertilizantes canadense Agrium, que em 2012 adquiriu as operações da Utilfertil.
Isso sem contar os fundos de hedge internacionais percorrendo o planeta em busca de boas oportunidades para compra e venda de commodities agrícolas. Em outra frente, a dos exportadores, algumas indústrias de transformação começavam a dispor de áreas de produção próprias, como a de etanol, a de alimentos orgânicos e a de vinhos, produtos que precisam de certificação para se internacionalizar. “Cada player começou a atuar em múltiplos papéis e pontos, e caiu a ficha: o mercado está agora organizado em rede e não mais em cadeia”, diz Moreno.
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**A CONSTRUÇÃO**
O que fez a Bayer? Primeiro, segmentou os produtores: Inovadores – Aderem à tecnologia, são líderes regionais, valorizam marcas e a relação com a indústria. Focados no corte de custos – Têm viés mais financeiro. Demandantes de financiamento – Valorizam pesquisa e inovação, mas precisam de crédito para essas iniciativas.
Voltados para o distribuidor – Com perfil parecido com o dos inovadores, adotam tecnologias e valorizam a pesquisa, mas seu relacionamento não é tanto com a indústria, e sim com distribuidores e cooperativas locais. “Com os quatro segmentos estabelecidos, começamos a construir menus de serviços com o acúmulo de pontos, daí surgiu a ideia da plataforma na internet”, conta Moreno. Na verdade, a Bayer já vinha operando em programas de relacionamento, só que focados em apenas dois segmentos: distribuidores e grandes produtores rurais.
O que houve foi uma expansão disso, com mais segmentos e um número quase infinito de stakeholders. Com grande esforço de comunicação da Bayer (que incluiu um evento de lançamento em Washington), em pouco mais de um ano, a AgroServices movimentou mais de R$ 100 milhões em negócios em pontos. Já tem cadastrados 59 mil produtores pequenos e médios e 450 grandes, 320 distribuidores e 116 cooperativas agrícolas. Além disso,110 prestadores oferecem mais de 250 tipos de serviços dentro da plataforma. Instituições de porte como a consultoria KPMG, o grupo segurador BB/Mapfre e o Banco Santander estão lá.
**CASES DIVERSOS**
Os relacionamentos dentro da Rede AgroServices espelham seus cinco pilares: acesso à informação, ambiente de colaboração, caráter de rede social, marketplace de negócios e prestação de serviços. A plataforma já coleciona dezenas de cases de promoção de relacionamento entre os parceiros. Uma parceria que nasceu ali foi entre a Ticket Car, prestadora de serviço destinado ao pagamento de combustíveis e despesas de assistência de automóveis com cartões e aplicativos, e a Agrofel, empresa de insumos, máquinas e equipamentos do Rio Grande do Sul.
Antônio Carlos Priore, gerente regional de vendas da Ticket Car, explica que a parceria envolveu a troca de pontos dentro do programa de fidelidade da Bayer Crop Science pelo cartão de abastecimento. “Além de ser aceito em uma rede nacional com mais de 14 mil estabelecimentos, nosso cartão permite maior controle de gastos em tempo real de abastecimentos e manutenções da frota”, diz ele.
Por sua vez, a rede Agrofel fechou um contrato com a Bayer e a Ticket Car para que os clientes delas possam trocar pontos do programa Crop Science por serviços como revisão e aquisição de máquinas e implementos agrícolas. Empresa do grupo Ferrarin, a Agrofel mantém 32 lojas de insumos e grãos e 10 concessionárias de máquinas New Holland. Roni Ferrarin, diretor-comercial da Agrofel, ainda não tem um número fechado sobre os negócios viabilizados com a troca de pontos desde o final do ano passado, quando a parceria foi estabelecida, mas comemora a conquista de novos clientes com a Rede AgroServices. “Em vez de trocar pontos por aparelho de TV, viagem ou tênis, eles trocam por serviços de que precisam, como manutenção de máquinas, pelos quais pagariam em dinheiro”, comenta.
O potencial de negócios futuros é grande, na visão do diretor da Agrofel. “Recentemente um produtor cliente da Bayer queria uma máquina que só tinha no Paraná; nós trouxemos a máquina e ele pagou com pontos.” Segundo Priore, a campanha gerou uma emissão de mais de 1,6 mil cartões Ticket Car, aproximando ainda mais a empresa dos produtores rurais, o que pode resultar em novos clientes no futuro.
Já Carlos Aguiar, superintendente-executivo de agronegócios do Banco Santander, viu na Rede AgroServices a possibilidade de ampliar seus programas de incentivo à produção agrícola ambientalmente sustentável, que hoje faz parte dos pré-requisitos do banco para qualquer tipo de operação na área rural. “Nós patrocinamos clientes para se adequarem à legislação ambiental”, explica ele, acrescentando que esse “patrocínio” se traduz em apoio financeiro e acesso a parcerias estratégicas que alavancam o negócio.
Um exemplo de patrocínio é o programa “Produzindo Certo”, resultado de uma associação do Santander com a Bayer, a Yara Fertilizantes, a Unilever e a ONG Aliança da Terra que seleciona os produtores e certifica a produção com base em requisitos como manejo ambiental e descarte de resíduos. Além de financiamento subsidiado e gratuidade ou descontos na assistência técnica, os agricultores selecionados ganham bônus em pontos do programa de fidelidade da Bayer e se tornam fornecedores preferenciais da Unilever, com direito a ter o nome da propriedade no rótulo da maionese Hellmann’s. Em outro programa de incentivo à preservação do meio ambiente, cliente do Santander que tira o Certificado de Regularidade Ambiental (CRA) ganha prioridade na liberação de recursos do crédito rural.
Obter o licenciamento exige que o agricultor contrate uma empresa especializada em mapeamento e elaboração de um plano técnico. O documento, que representa uma autodeclaração de conformidade a ser entregue ao Ibama, não é barato, mas, se o produtor é cliente do Santander e usuário da Rede AgroServices, o banco lhe dá a possibilidade de pagá-lo com pontos, e não com dinheiro. “Se o serviço custa 1.000 pontos e o cliente só tem 500, nós damos os outros 500”, explica Aguiar.
O grupo BB/Mapfre, líder em seguro agrícola, deve começar em breve a vender seguros rurais para os produtores pela rede em troca de pontos; está em fase de formatação de apólices e coberturas. Glaucio Toyama, diretor-técnico de seguros rurais da empresa, crê que esse mecanismo é particularmente útil em um momento difícil da economia do País e também tem grande potencial de negócios futuros na área de seguros. Com as restrições orçamentárias impostas pela nova equipe econômica do presidente interino, Michel Temer, a tendência é de corte do volume de subvenções para as próximas safras, e o seguro rural é uma modalidade que depende fortemente de subsídio do Tesouro definido no Orçamento Geral da União. “A entrada na rede é um processo um pouco mais burocrático, porque vender seguro é mais complexo que vender tonelada de fertilizante, mas sabemos que o programa de pontos facilitará ao produtor adquirir seguros”, diz o executivo do BB/Mapfre.
> Silos-bolsa indicam potencial da rede O leitor conhece os silos-bolsa? Trata-se de um sistema de armazenagem horizontal de grãos secos em sacos gigantes de polietileno com 60 metros de comprimento. Esses produtos ilustram bem o potencial de um “Facebook do agronegócio” como é a Rede AgroServices. No início de 2016, em plena troca do estoque de milho por soja, um produtor de silo-bolsa postou a oferta de seus produtos na plataforma AgroServices. Em dois meses, vendeu mais de 900 silos. “Se considerarmos que o mercado de silos-bolsa é de 30 mil unidades ao ano, a plataforma sozinha foi responsável por 3% do mercado”, observa Ivan Moreno.
A rede pode facilitar uma evolução que Toyama espera acontecer: fazer a indústria de insumos, hoje responsável por um terço do financiamento à produção (o restante é bancado pelo governo e pelo produtor), virar tomadora de riscos agrícolas, o que a ajudaria proteger-se do risco do crédito agrícola. “Esse tipo de relacionamento na rede abre portas para as seguradoras também com a indústria”, diz Toyama. As iniciativas dentro da rede incluem um inusitado modelo de aceleradora de startups no qual todos que tiverem pontos poderão ser investidores-anjos, tornando-se sócios dessas startups – um mix de crowdfunding do tipo Kickstarter com “Uber do agronegócio”, como define Moreno. Por estar ainda em estado embrionário, o executivo preferiu não dar detalhes sobre o projeto.
**O GANHO DA BAYER**
Para investir R$ 100 milhões na plataforma, a Bayer deve vê-la como superação da concorrência, certo? Em termos.
Moreno garante que a AgroServices é uma plataforma aberta e democrática e que abre espaço até para a concorrência. “Se algum concorrente entrar e postar algo contrário a nosso produto, não vamos tirar”, afirma. A mesma abertura, que foi um esforço cultural da empresa, estende-se a artigos acadêmicos e a organizações não governamentais. Como branding business-to-business, a vantagem sobre a concorrência pode ser realmente significativa.
A Bayer, porém, declara esperar principalmente três ganhos com a iniciativa. Em primeiro lugar, a plataforma (com sua moeda própria) leva à fidelização dos produtores e dos parceiros. Em segundo, permite à empresa ter uma percepção mais rápida de quais são as necessidades dos clientes, o que potencialmente lhe dá insights privilegiados sobre produtos e serviços a desenvolver. Em terceiro, a visibilidade da subsidiária brasileira na matriz é impactada. Como Estrada diz, existe a perspectiva de ampliar a rede para outros países, especialmente na América Latina. Trata-se de uma exportação de inovação.
**NO CONTEXTO**
Redes que conectam todos os participantes da cadeia do agronegócio já são relativamente comuns nos Estados Unidos, como a Iowa Agribusiness Network, em Iowa, e a FAN, na Califórnia. São encontradas também na África, onde há a Rede de Mulheres do Agronegócio (conhecida pela sigla Awan), como observa a professora Christiane Leles Rezende De Vita, do Centro de Conhecimento em Agronegócios da Fundação Instituto de Administração (Pensa-FIA). “A AgroServices deve possibilitar a troca de informações, e isso tem valor, pois os agentes estão distantes e muitas vezes seu contato é difícil”, avalia De Vita. Embora tenha demorado a chegar ao Brasil, o Facebook do agronegócio deve deslanchar.
> Você aplica quando…
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> … questiona-se, em seu planejamento estratégico, sobre se faz sentido para seu negócio participar da própria Rede AgroServices ou de uma similar. … investe em uma iniciativa desse tipo, compreendendo os benefícios e os custos envolvidos, que abrangem não só investimento material e esforço de gestão, como uma mudança de cultura corporativa em direção à abertura e à transparência.