Estamos passando por uma grande ruptura de paradigmas nos negócios, na economia, na sociedade, nos governos e nas organizações. A aceleração do digital, principalmente após a pandemia de covid-19, vem tendo tantas consequências que ainda tentamos compreender novos hábitos de consumo – ao mesmo tempo que desenvolvemos novas práticas de oferta. Criar estratégias de negócios no meio de uma “revolução figital” como esta – em que temos um pé ainda na época da revolução industrial e outro na economia da sociedade do conhecimento – tem, entre outras coisas, nos exigido uma capacidade enorme de enxergar sinais de futuro já no presente.
Detectar esses sinais foi um dos exercícios que fizemos para o Manifesto do Marketing do Futuro, escrito por mim e [o especialista em mundo digital] Silvio Meira. No material, apontamos 13 sinais de mudança que hoje acontecem em caráter experimental e que têm capacidade de ganhar escala no futuro muito próximo. Entre os 13 sinais, elejo um para abordar neste artigo: o fim do marketing de produto e o nascimento do marketing da experiência fluida, que é o marketing do mercado um para um.
De uma forma bem simplista, todos já entendemos que não se compra mais um café, mas a experiência de “tomar um momento de prazer”. Nem se compra mais um tênis, e sim a experiência de correr. O preço (relembrando o antigo 4Ps do marketing) deixou de ser o principal atributo considerado na decisão de compra para ser só um dos atributos, e a experiência assumiu a liderança nas pesquisas dos principais pontos de decisão na compra de produto ou serviço.
O problema é que a experiência não é a mesma de antes. Em um contexto de economia em rede como o emergente, ela necessita ser desenhada a partir de novos conceitos e parâmetros. A saber: compreender os pontos de conexões (conectividade) que fazem parte da nossa estratégia, entender valores e propósitos que contribuirão para a criação de relacionamento, e estabelecer narrativas que serão capazes de promover interações (criando significados que aproximem a marca de comunidades nas quais será desenvolvido todo o projeto de comunicação). Ou seja, criar uma experiência hoje não passa pelo simples fato de criar um ponto de venda e expor seu produto. Ou por que haveria tantas lojas vazias em cidades e shoppings lotados?
Em outras palavras, criar experiência passa por entender o fluxo que percorrem as pessoas que a empresa quer atingir. (Um sinônimo para fluxo é jornada.) E ambientes fluidos assim não cabem em canais. A fluidez é a capacidade de a minha comunicação se modificar a partir do momento que ela impacta você e você interage – engajando-se e reagindo. Em um canal, que obedece a lógica do broadcasting, não há interações de mensagens com a massa. Em um canal, mesmo de redes sociais, minha marca transmite sua mensagem e recebe retorno do consumidor, porém não se modifica a partir do impacto desse retorno. A campanha continuará sendo a mesma, quer eu goste ou não. Omnicanalidade no futuro não existe.
Nesse novo ambiente figital, uma experiência nunca pode ser tratada como pronta, acabada, inalterável. Por exemplo, fazer um apartamento decorado para lançar um prédio e não modificar nada após as pessoas começarem a visitar e fazer seus comentários positivos e negativos sobre ele é desconsiderar o contexto fluido do marketing. A experiência sempre está no modo beta. E isso é uma mudança radical para o marketing.
De onde vem essa mudança? A resposta talvez assuste o leitor, mas ela vem do futuro do marketing. A narrativa tem papel crucial nisso. Ela insere as pessoas em uma realidade futura, que pode até ser fantasiosa, levando-as a fazer parte de um novo contexto figital – ou seja, viver uma mesma experiência nas dimensões física, digital e social. Chega ao ponto de ninguém saber onde fica a transição de uma dimensão para outra.
Compare com as experiências em simuladores que nos “inserem” em um filme ou série de TV; elas nos tornam personagens daquela história por alguns instantes, não é verdade? A experiência fluida é exatamente isso: uma história que emerge do diálogo de pessoas com o mundo ao seu redor – por meio de percepções, ações e reações.
Como colocar em prática
Para tudo isso funcionar de forma assertiva é preciso uma gestão de dados e algoritmos, mais a organização de plataformas capazes de entregar inteligência sobre comportamentos e consumos. Esses serão os insumos para construção de narrativas segmentadas e personalizadas distribuídas em comunidades, incentivando a oferta da experiência.
Com uma maior capacidade de rastreamento de dados e uso de inteligência artificial, as experiências chegarão ao ponto de ser feitas para uma pessoa específica. Ou seja, não teremos ofertas iguais nem para uma massa nem para grupos de pessoas. Mas isso requer capacidade de escalar.
É preciso colocar efeitos de rede na estratégia da experiência. Todo negócio de plataforma que escala hoje está baseado em efeitos de rede, certo? Lembrando que um efeito de rede ocorre quando um produto ou serviço se torna mais valioso à medida que mais pessoas o utilizam. O exemplo clássico é o telefone: quanto mais pessoas têm telefones, mais valioso é o telefone para quem tem um.
Colocar efeitos de rede na estratégia da experiência é supor que a atração de leads não só acontece por meio de anúncios, mas com a criação de recursos de compartilhamento social que permitam aos clientes se envolver uns com os outros e recomendar a marca. Cada novo usuário pode agregar valor para todos os demais, o que tem sérias implicações para a aquisição e retenção de clientes, como é fácil imaginar.
Outro ponto: em vez de ver os esforços de marketing de uma empresa como ações isoladas, a perspectiva de ecossistema os vê como parte de uma rede maior e interconectada de atividades. Então, participar ativamente desse ecossistema faz as empresas aumentarem sua visibilidade e alcance, potencialmente levando a relacionamentos mais fortes com os clientes e melhores resultados de negócios.
Novo marketing, nova agência
À medida que um produto passa a ser entendido como uma experiência de serviço, o papel dos profissionais de marketing também evolui, com demandas para gerenciar plataformas, entender comportamentos e aproveitar dados em tempo real para fornecer serviços personalizados, fomentando comunidades e incentivando a participação das pessoas.
Essa abordagem evoluída requer primeiro uma compreensão de que o produto não é mais o objetivo final; passa a ser o meio para fornecer um serviço que satisfaça uma necessidade e/ou resolva um problema. Muda tudo: o marketing se torna um processo contínuo de adaptação e melhoria do serviço, em vez de um esforço único para vender um produto.
O desafio é que já sentimos uma demanda por construir experiências ágeis e fluidas, mas continuamos a atuar em contextos internos analógicos e departamentalizados (cada parte da vida do cliente está em um pedaço diferente da organização).
Além disso, muitas vezes, a experiência não está atrelada a uma estratégia de negócios unificada com o marketing, ou vice-versa. É onde corremos o risco de ter uma ação sem retorno que impacte no negócio.
Resolver esse problema passa por uma mudança significativa na maneira como estruturamos e conduzimos o marketing. Não há mais espaço para o marketing ser apenas um departamento da empresa; ele precisa ser um hub estratégico que orquestra, informa e impulsiona todas as atividades de negócios, integrando-se profundamente na estrutura e na cultura da organização. Isso exige uma mudança significativa na forma como as organizações são estruturadas e operam.
As organizações que forem capazes de navegar com sucesso por essa transformação, porém, estarão bem posicionadas para prosperar nessa nova era do marketing figital. No mundo figital, conectado, marketing não é uma função autônoma, mas um aspecto onipresente dos negócios, entrelaçado com todas as facetas, processos e funções, incluindo a inovação. Essa dispersão do marketing em uma organização reflete a rápida evolução do seu papel; ele passa a lidar com todo o ciclo de vida de valor do negócio, da criação à sustentação.
Essa mudança também traz um desafio para as agências que gravitam em torno das organizações; muitas delas terceirizam a operação da experiência para agências. Tentamos entender o papel dessas atuais terceirizadas no marketing do futuro e parece claro que elas estão igualmente a caminho de uma grande transformação.
A migração progressiva para ecossistemas de plataforma que habilitam comunidades interconectadas (onde não cabe um entendimento de mundo como uma série de canais de comunicação fragmentados) obriga essas agências a adaptar, evoluir e transformar suas estratégias, a fim de tratar de comunidades e orquestrar ecossistemas. Agora elas devem criar ambientes em que a jornada do cliente seja livre de obstáculos e o mais simplificada possível.
É provável que o papel das agências, no marketing do futuro, mude para que elas se tornem novas intermediárias e facilitadoras dentro desses ecossistemas, habilitando as empresas a navegar e aproveitar as oportunidades que os novos ambientes oferecem. (Oportunidades que incluem tecnologias emergentes para as quais as agências de marketing ainda não estão preparadas).
O importante de entender é que o valor de uma agência estará em sua capacidade de ajudar as empresas a navegar no cenário figital em constante mudança, construir relacionamentos significativos com os clientes e se adaptar às tecnologias, sinais e tendências emergentes. Será preciso se concentrar na criação de experiências integradas e personalizadas que respeitem a privacidade do usuário e se alinhem com os valores centrais dos negócios. Isso envolverá um processo constante de aprendizado, adaptação e inovação já que o cenário figital continua a evoluir.
A implementação do marketing do futuro exige, portanto, uma liderança visionária e corajosa e, além disso, uma cultura de colaboração e abertura e um investimento significativo no desenvolvimento de habilidades, competências e tecnologias novas. Para as organizações que estiverem dispostas a enfrentar esse desafio, a recompensa muito provavelmente será uma empresa mais ágil, eficaz e centrada no cliente – e a capacidade de se destacar em um mercado cada vez mais competitivo.
Já temos um caso começando. A Prefeitura da cidade do Recife, de forma pioneira, está apostando nessa mudança e capacitará 50 pequenas empresas do Centro do Recife para usar a metodologia do marketing do futuro em seus negócios. É a gestão pública na velocidade do privado para dinamizar a economia local.
O que a experiência FIGITAL
requer das empresas
Seus elementos-chave são cinco:
Conectividade: com o declínio dos cookies de terceiros, as empresas precisam repensar como usam dados para personalização da experiência. Elas podem se concentrar mais nos dados primários coletados diretamente dos clientes, que geralmente são mais confiáveis e compatíveis com a privacidade. Quando o marketing oferece serviços para ajudar as empresas a coletar, gerenciar e analisar dados primários se torna uma área significativa de crescimento para o negócio.
Relacionamento: em um mundo cada vez mais preocupado com a privacidade, as organizações devem priorizar estratégias que respeitem e protejam os dados do usuário.
Interações: as marcas podem atuar como intermediárias, ajudando a estabelecer e manter relacionamentos dentro de seus ecossistemas de negócios. Elas podem fornecer serviços para ajudar as pessoas a fazerem parte de plataformas, inclusive de outras empresas, promovendo uma experiência mais colaborativa e integrada.
Comunidades: as experiências devem explorar espaços figitais, combinando as dimensões física, digital e social das performances dos negócios e das pessoas. Isso pode envolver a criação de experiências imersivas que abrangem todas as dimensões. Os times de marketing devem ajudar as empresas a alinhar suas estratégias de marketing com seus valores centrais e metas de responsabilidade social. Isso pode envolver ajudar as empresas a comunicar seus valores de maneira eficaz, desenvolver campanhas em torno de questões sociais ou ajudar as empresas a tornar suas operações mais sustentáveis. Isso também faz parte de uma experiência.
Comunicações: à medida que as transações sem atrito se tornam mais relevantes, as marcas podem oferecer serviços focados na melhoria de toda a jornada do cliente. Isso pode envolver a otimização para usabilidade em todas as dimensões do espaço figital, simplificação do processo de compra ou desenvolvimento de estratégias para melhorar o atendimento ao cliente.
O que faz aumentar a aposta no marketing do futuro
Vemos com distinção pelo menos 13 sinais do futuro chegando a essa área.
A valorização da narrativa, que é a rainha do marketing do futuro.
Engajamento se torna métrica cada vez mais relevante.
Estratégias de marketing começam a ser entendidas como fluxos, unindo físico, digital e social.
O marketing do produto vem morrendo aos poucos e nunca se falou tanto em experiência.
O custo com o marketing digital está bem mais caro e pode inviabilizar a atuação de pequenas e médias empresas (PMEs).
Alguns já entendem que o marketing escalável será o único a dar bons retornos às empresas.
As agências do passado já não existem mais.
Efeitos de rede são mais considerados na estratégia de marketing.
Começa-se a falar em declínio dos influenciadores digitais.
O mundo físico cresce em seu protagonismo (pós-pandemia).
Já há jornadas inbound um a um.
O marketing vem se tornando um hub em algumas organizações.
Cogita-se a disciplina de marketing forte em escolas de negócios.
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