Estratégia e Execução

Nasce um cluster de alta fermentação

Com dez fábricas e uma distribuidora de bebidas, o bairro Anchieta, de Porto Alegre, constitui o mais novo polo de cervejarias artesanais do Brasil

Compartilhar:

Assim como vem acontecendo mundialmente, as cervejarias artesanais se organizam em clusters no Brasil. Um dos casos mais recentes se encontra na capital gaúcha, onde o bairro Anchieta, tradicional reduto de indústrias e armazéns, rapidamente se converte em um dos mais promissores polos cervejeiros do País. 

Lideram essa mudança dez fábricas e uma distribuidora de bebidas, todas concentradas em um raio de apenas quatro quilômetros. O negócio delas ganhou um senhor impulso com o cluster. Juntas, estão ganhando bem mais escala – o que significa aumentar o poder de barganha na cadeia de valor – e se transformando em um player fortalecido da indústria nacional de cervejas. Isso é bem perceptível com a pioneira Seasons, que em 2010 era a menor cervejaria em atividade no Brasil, com uma produção mensal de 700 litros, e hoje faz cerca de 20 mil litros por mês. Com crescimento médio de 110% ao ano, ela já lançou 15 rótulos (alguns descontinuados) e tem outros 15 prontos para serem lançados em breve. 

Além disso, essas cervejarias vêm se inserindo em uma segunda indústria: a do turismo cervejeiro, normalmente associado a destinos europeus como Munique, Bruxelas e Dublin e, no Brasil, a Blumenau (SC). O Anchieta já oferece algumas das melhores variedades artesanais da bebida do País, como a BasiliCow, da Seasons, uma witbier com toque de manjericão que recebeu o prêmio de melhor cerveja de 2015 no último Festival Brasileiro da Cerveja, realizado em março em Blumenau (SC) – o mais importante evento do setor no Brasil. O jovem cluster também abriga a tupiniquim, que foi eleita no mesmo evento a melhor cervejaria do País e no ano passado já havia sido vencedora da South Beer Cup, a “Copa Libertadores da América” dos cervejeiros.

> **Diversidade como vantagem competitiva**
>
> o Brasil conta com aproximadamente 350 cervejarias artesanais, de acordo com a Abracerva, entidade que representa o setor microcervejeiro, e tudo indica que há espaço para mais. Afinal, estima-se que as cervejarias artesanais respondam por algo entre 0,5% e 1% do volume total de cervejas produzidas no País. 
>
> O movimento de buscar uma nova gama de sabores e colorações é visto como uma aposta estratégica inteligente no longo prazo. Primeiro, porque o mercado doméstico tende a repetir o fenômeno ocorrido nos Estados unidos: lá, as pilsens industrializadas, unanimidade até a década de 1990, começaram a ser trocadas por variedades de sabores mais acentuados. Hoje, as fábricas artesanais são responsáveis por 7,8% da produção norte-americana de cervejas e embolsam 14,3% das receitas. Em segundo lugar, porque o consumidor de cerveja especial é mais fiel. “Ele gosta de diversidade e novidade, o que nos diferencia e nos protege da concorrência industrial”, avalia leonardo Sewald, sócio da Cervejaria Seasons. À direita, sinta um pouco do gosto da diversidade no Anchieta, vista em sete de suas fábricas: 
>
> **Baldhead**
>
> uma de suas cervejas é a Kojak, Indian pale ale (iPA) com aroma intenso e amargor equilibrado, produzida com um único tipo de lúpulo.
>
> **Babel**
>
> Em seu portfólio destaca-se a lucky Jack, ale inglesa de amargor moderado com toque de caramelo e leve sabor frutado.
>
> **Irmãos Ferraro**
>
> A Caturripa, de cor amarelada, é uma iPA norte-americana. Parece leve, mas tem sabor marcante. 
>
> **Lagom**
>
> A Mogango Ale, lançada para celebrar o Halloween, tem entre seus ingredientes abóbora, cravo, canela e  noz-moscada.
>
> **Seasons**
>
> A Funhouse, uma Belgian blond, foi a primeira cerveja da marca. No aroma, destaca-se um leve cheiro de laranja.  Tem espuma densa  e cremosa.
>
> **Tavola** 
>
> Feita de malte de cevada e de um blend de lúpulos,  a Tavola Blonde  Ale, de cor  amarelo-clara, é leve e refrescante, com amargor suave. 
>
> **Tupiniquim** 
>
> A Extra Fancy  iPA é forte e tem consistência bem perceptível. Possui cor acobreada e um sabor cítrico que vem do limão, parte da receita.

**ELAS APRENDERAM  A COMPRAR  BRIGA JUNTAS**

no limite de Porto Alegre com outras cidades da região metropolitana e próximo ao aeroporto, o bairro Anchieta tem uma grande qualidade para quem fabrica cervejas sofisticadas: a facilidade logística. Ali simplifica-se a chegada de insumos tanto por rodovias como por avião. Outro aspecto positivo é sua histórica vocação industrial, que facilita a obtenção de licenças e certificações. Quem logo percebeu isso foram Leonardo Sewald e sua esposa, Caroline Bender, fundadores da Seasons, a primeira a se instalar ali, em meados de 2010. 

E a empresa logo começou a chamar a atenção. em pouco tempo, um sócio-investidor entrou na equipe, o que serviu não apenas para fortalecer a marca, mas também para atrair mais empreendedores para as vizinhanças. Uma a uma, outras nove cervejarias se instalaram no Anchieta. naturalmente surgiu a ideia de compartilhar mais do que a mesma rua: hoje, as dez marcas vêm se organizando na forma de um cluster, compartilhando processos e custos na busca de maior eficiência. 

Só ao ratearem o frete para aquisição de garrafas, por exemplo, elas conseguem economias de até 50%. “Compramos juntos muitas brigas: lutamos por redução de custos, melhorias de preço e, agora, negociamos para tornar o transporte mais barato”, explica Sewald. O efeito cluster é evidente. A ascensão meteórica da tupiniquim, instalada no Anchieta desde o final de 2013, é em parte explicada pela rede. 

Comercializa 42 rótulos e produz cerca de 60 mil litros por mês. Cresce tanto que já vê a necessidade de sair do bairro. Sim, em breve, a tupiniquim deve transferir suas operações para o Distrito Industrial de Viamão e Alvorada, também na região metropolitana de Porto Alegre. talvez o cluster das microcervejarias seja posto à prova. Será ele capaz de fazer seus membros ganharem autonomia de voo tão rapidamente?

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

A difícil arte de premiar sem capitular

Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Empreendedorismo
Esse ponto sensível não atinge somente grandes corporações; com o surgimento de novas ferramentas de tecnologias, a falta de profissionais qualificados e preparados alcança também as pequenas e médias empresas, ou seja, o ecossistema de empreendedorismo no país

Hilton Menezes

5 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A Inteligência Artificial Generativa (GenAI) redefine a experiência do cliente ao unir personalização em escala e empatia, transformando interações operacionais em conexões estratégicas, enquanto equilibra inovação, conformidade regulatória e humanização para gerar valor duradouro

Carla Melhado

5 min de leitura
Uncategorized
A inovação vai além das ideias: exige criatividade, execução disciplinada e captação de recursos. Com métodos estruturados, parcerias estratégicas e projetos bem elaborados, é possível transformar visões em impactos reais.

Eline Casasola

0 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A IA é um espelho da humanidade: reflete nossos avanços, mas também nossos vieses e falhas. Enquanto otimiza processos, expõe dilemas éticos profundos, exigindo transparência, educação e responsabilidade para que a tecnologia sirva à sociedade, e não a domine.

Átila Persici

9 min de leitura
ESG

Luiza Caixe Metzner

4 min de leitura
Finanças
A inovação em rede é essencial para impulsionar P&D e enfrentar desafios globais, como a descarbonização, mas exige estratégias claras, governança robusta e integração entre atores para superar mitos e maximizar o impacto dos investimentos em ciência e tecnologia

Clarisse Gomes

8 min de leitura
Empreendedorismo
O empreendedorismo no Brasil avança com 90 milhões de aspirantes, enquanto a advocacia se moderniza com dados e estratégias inovadoras, mostrando que sucesso exige resiliência, visão de longo prazo e preparo para as oportunidades do futuro

André Coura e Antônio Silvério Neto

5 min de leitura
ESG
A atualização da NR-1, que inclui riscos psicossociais a partir de 2025, exige uma gestão de riscos mais estratégica e integrada, abrindo oportunidades para empresas que adotarem tecnologia e prevenção como vantagem competitiva, reduzindo custos e fortalecendo a saúde organizacional.

Rodrigo Tanus

8 min de leitura
ESG
O bem-estar dos colaboradores é prioridade nas empresas pós-pandemia, com benefícios flexíveis e saúde mental no centro das estratégias para reter talentos, aumentar produtividade e reduzir turnover, enquanto o mercado de benefícios cresce globalmente.

Charles Schweitzer

5 min de leitura
Finanças
Com projeções de US$ 525 bilhões até 2030, a Creator Economy busca superar desafios como dependência de algoritmos e desigualdade na monetização, adotando ferramentas financeiras e estratégias inovadoras.

Paulo Robilloti

6 min de leitura