É fato que atualmente vivemos o chamado caos da atenção nos pontos de venda, sejam eles físicos, sejam digitais. Nesse ambiente, os produtos se digladiam em meio à batalha de percepções sensoriais para não só chamar a atenção e mostrar seu valor e utilidade, mas também para ocupar espaço na mente dos consumidores por meio de suas marcas.
Todos os anos, bilhões de dólares são investidos no mundo todo em pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços, branding, merchandising, campanhas promocionais, user e customers experience etc., mas 76% dos produtos lançados fracassam e são retirados de circulação antes de completarem um ano. Essa informação foi divulgada no estudo Breakthrough Innovation Report, da empresa de pesquisa de mercado Nielsen, após uma análise de mais de 12 mil produtos de grande consumo, entre 2011 e 2014.
Analisando por essa perspectiva, fica evidente que “algo continua estranho no reino do marketing” – em 1920, já John Wanamaker cunhava uma das frases mais famosas do mundo mercadológico: “metade do dinheiro que gasto em publicidade é desperdiçado, o problema é que não sei qual metade!”. Como se vê, a questão é antiga.
O marketing se posiciona como disciplina baseada em princípios científicos, usando métodos quantitativos, como aplicação de questionários com tabulações estatísticas; e qualitativos, no caso dos grupos de foco, para entender o comportamento dos consumidores. Mas o que pode explicar tamanho gap entre planejamento e pesquisa e desenvolvimento, face a baixa obtenção de resultados?
A resposta pode ser encontrada na Neurociência do Consumidor.
## O conceito
Ao longo do tempo, o avanço do conhecimento sobre a humanidade se deu não só pela capacidade de compreender o entorno, mas também o que se passa na mente de cada indivíduo. Nessa jornada evolutiva pelo saber, talvez um dos maiores desafios do homem esteja na busca pelo entendimento dos mistérios que envolvem o funcionamento de seu órgão mais complexo: o cérebro. Como é formado, como funciona sistemicamente, como os comportamentos são influenciados por ele, e provavelmente a mais intrigante das questões: como o cérebro gera a consciência sobre a mente? Essas e outras questões são estudadas pelas neurociências que, de forma geral, têm como objetivo compreender como os fluxos de sinais elétricos, por meio de circuitos neurais, podem originar a mente – como percebemos, agimos, pensamos, aprendemos e nos lembramos (KANDEL, Eric R. et al, 2014).
No que tange à mente, como Eysenck & Keane (2017) afirmam, para o estudo do cérebro em ação existe uma vertente do conceito geral das neurociências chamada neurociência cognitiva. Ela analisa o cérebro e o comportamento usando técnicas de investigação científica que se baseiam em dois tipos de avaliações.
A primeira se dá em uma linha de tempo e por isso é chamada de temporal. A segunda, em uma resolução espacial, está relacionada à localização das áreas ativadas no cérebro por aumento ou redução de taxas metabólicas ou atividades elétricas.
Assim, é possível inferir correlações entre a ativação de determinadas áreas do cérebro e suas respectivas funções cognitivas. Ainda mais interessante é o fato de se quantificar as oscilações fisiológicas e cognitivas por meio de tecnologias e metodologias neurocientíficas. Em todo esse processo, é possível captar os sinais dessas oscilações e interpretá-los em algoritmos matemáticos para, dentro de certas limitações, estudar o comportamento humano. Quando sua aplicação acadêmica se dá no contexto do consumo, a neurociência cognitiva é conhecida como neurociência do consumidor.
## A aplicação
A neurociência do consumidor surgiu para ajudar profissionais de marketing a evoluir cientificamente o entendimento sobre comportamento humano em situações de consumo, levando em consideração não apenas aspectos comportamentais identificados por observação e análise de relatos, mas também por reações neurológicas e fisiológicas provindas dos consumidores e usuários durante as experiências de consumo, em ambientes físicos ou digitais. Ou seja, o que antes era baseado em feeling e talento pessoal dos gestores de marketing, apoiados por técnicas tradicionais, hoje é potencializado pela neurociência do consumidor.
David Ogilvy, um dos maiores publicitários de todos os tempos, proferiu uma célebre frase que continua atual: “Consumidores não pensam em como se sentem, não dizem o que pensam e não fazem o que dizem que fazem”. É por isso que a neurociência do consumidor se mostra peça fundamental para auxiliar os profissionais de marketing a solucionar algumas das perguntas até então sem respostas no cenário mercadológico.
Muitos dos processos cognitivos acontecem em camadas inconscientes do cérebro das pessoas – como o que tange às emoções. Elas desempenham papel fundamental nas tomadas de decisão, mas são muitas vezes imperceptíveis para as metodologias tradicionais de pesquisa. O conceito de emoção ainda é controverso entre os neurocientistas, mas sabe-se de antemão que está relacionado às alterações fisiológicas do corpo e do cérebro, que reagem a determinados estímulos sensoriais físicos ou psicológicos (DAMÁSIO, 2012).
Por essa razão, tem particular relevância quando se trata da aplicação de suas metodologias, que envolvem a investigação de reações fisiológicas e cognitivas, a fim de deduzir e revelar como o indivíduo investigado se sente diante dos estímulos a ele apresentados, ainda que este não tenha consciência sobre o porquê de sua preferência.
## Como funciona
A neurociência do consumidor utiliza metodologias e tecnologias sofisticadas de investigação neurológica para compreender a eficácia do marketing. Algumas das mais utilizadas são:
### Ressonância Magnética Funcional:
analisa a atividade cerebral, mais precisamente, a oxigenação pelo fluxo sanguíneo, para identificar a ativação de regiões específicas.
Reconhecimento de expressões faciais: plataformas que, por meio de câmeras, captam as expressões faciais e, por meio de algoritmos, mapeiam pontos predefinidos na face humana, deduzindo as oscilações entre determinadas partes do rosto em estado basal de expressão, entendido como neutralidade, e expressões emocionais.
### Rastreamento da atividade ocular estimulada:
seu funcionamento resume-se a um feixe de luz infravermelho emitido na retina do usuário e seu reflexo é captado pelo hardware que, a partir desse momento, passa a rastrear os movimentos oculares do entrevistado. Atualmente, existe eye tracker que funciona via webcam e essa modalidade pode escalar seu uso de forma exponencial. A solução hardware-software-algoritmo identifica a movimentação ocular e os pontos de atenção visual do usuário, assim como sua hierarquia atencional. A aferição do rastreamento da atividade ocular estimulada é considerada um indicador de desempenho muito importante na aplicação da neurociência do consumidor (BOJKO, 2013).
### Análise da atividade eletrodérmica:
a atividade eletrodérmica (EDA), também conhecida como resposta galvânica da pele (GSR), reflete a quantidade de secreção de suor das glândulas sudoríparas em nossa pele. O aumento da transpiração resulta em maior condutividade da pele. Quando expostos a estímulos emocionais, nós “suamos emocionalmente” – particularmente em nossa testa, mãos e pés. Assim como a dilatação da pupila, a condutância da pele é controlada subconscientemente, oferecendo, portanto, percepções tremendas sobre a excitação emocional não filtrada e imparcial de uma pessoa (leia mais em: http://bit.ly/galvanic-skin).
### Eletroencefalografia:
é um instrumento importante para as neurociências aplicadas por demonstrar em tempo real a atividade elétrica cortical. Pode apresentar, em forma de algoritmos, aspectos implícitos do indivíduo investigado, como engajamento, foco, interesse, relaxamento, excitação e estresse.
Eletrocardiografia: o instrumento afere a atividade cardíaca, incluindo suas oscilações. Por estar relacionado ao sistema nervoso periférico simpático e parassimpático, oferece uma medida fisiológica relacionada à intensidade emocional.
### Eletromiografia:
o instrumento mede a atividade elétrica das contrações musculares. Quando essa atividade é medida na face humana, ela pode detectar expressões emocionais.
Vale destacar que não se trata de substituir os métodos tradicionais, mas de complementá-los em suas deficiências, o que pode ser feito pela tecnologia e por metodologias neurocientíficas. Essa complementaridade gera um modelo híbrido de análise do comportamento humano, aliando os métodos de questionamento e observação tradicionais ao conhecimento gerado pela extração e pelo tratamento dos dados psicofisiológicos geridos pela neurociência do consumidor.
Dessa forma, surge um novo paradigma sobre o entendimento do comportamento humano e tomadas de decisão em contexto de consumo: analisar o sistema nervoso, assim como as estruturas cerebrais, elencando novos indicadores de desempenho, como a atenção, a cognição, a memória e as emoções dos consumidores e usuários.
É importante destacar que a neurociência do consumidor possui limitações éticas e operacionais. Ela não tem o poder e nem a intenção de descobrir botões de compra ou inserir práticas persuasivas subliminares para manipular pessoas a consumirem sem o seu consentimento. Também não tem a capacidade de controlar as tomadas de decisão ou de ler pensamentos. Nosso papel é medir reações cognitivas e emocionais relacionadas a nossas escolhas, para gerar dados e conhecimento que possam apoiar tomadas de decisão mercadológicas mais assertivas, reduzindo custos e melhorando a satisfação de consumidores e usuários com a criação de produtos, serviços e oferta de experiências memoráveis, e tornando cada investimento em marketing mais eficaz.