A participação feminina no mercado de trabalho brasileiro deveria crescer mais do que a masculina até 2030, como indicou o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em junho de 2019.
Contudo, neste mês de setembro, o mesmo instituto divulgou a triste marca da menor participação feminina no mercado de trabalho em 30 anos, desde 1990.
Num mundo pré-pandemia, as apostas estavam nas mudanças culturais, conquista de direitos e em um maior investimento em [educação pelas mulheres](https://revistahsm.com.br/post/sua-empresa-esta-pronta-para-a-revolucao-das-pessoas). A projeção apostava que, com mais anos de estudo e em maioria no ensino superior, nos tornássemos uma mão-de-obra mais qualificada que a masculina.
Hoje, na abertura do século XXI, somos mais mulheres fora do mercado de trabalho que dentro dele.
## Tinha uma pandemia no meio do caminho
A participação feminina que, de fato, vinha em tendência de alta nas últimas três décadas, caiu para apenas 46,3% entre abril de junho de 2020. Em comparação com o mesmo período de 2019, a queda foi de 7 pontos percentuais. A participação dos homens no mercado de trabalho também diminuiu, porém menos: 6 pontos percentuais.
O que nossas “retinas fatigadas” nunca podem deixar de enxergar é o fundamental papel social exercido pela força feminina que, além de invisibilizado e não remunerado, está impactando toda uma geração.
“Um estudo realizado na China, no início da pandemia, revelou que as mulheres atuando na linha de frente enfrentam um risco maior de desenvolver graves problemas de saúde mental, depressão, insônia, ansiedade”, diz Shirin Heidari, presidente fundadora da Gendro, uma ONG sediada em Genebra que apoia a equidade de gênero por meio de pesquisas acadêmicas.
Aqui no Brasil, a maior plataforma corporativa do mundo, o LinkedIn, ouviu dois mil profissionais em home office na segunda quinzena de abril, e indicou que 62% estão mais ansiosos e estressados com o trabalho do que estavam antes.
O mês de setembro é marcado pela campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio, no Brasil, criado em 2015 pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), com a proposta de associar a cor amarela ao mês que marca o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, 10 de setembro.
## Quem olha por nós?
Dados da Organização Mundial da Saúde estimam que, embora as mulheres representem 70% da força de trabalho na área da saúde no mundo, ocupamos apenas 25% das posições de liderança.
Contudo, na contramão do que afirma Winnie Byanyima, diretora-executiva do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (ONU/Aids), para as mulheres brasileiras, a crise da Covid-19 não parece construir um cenário de oportunidades.
Uma análise do grupo Open Democracy constatou que países com mulheres em posições de liderança tiveram seis vezes menos mortes confirmadas por coronavírus do que os governos com líderes do gênero masculino, como já abordei aqui no início da pandemia, o que deveria abrir uma oportunidade para a maior de participação feminina na liderança das políticas globais de saúde e de resposta a emergências.
## Nunca esqueceremos
Movimentos femininos pela conquista de maior representatividade não são assunto novo. Há um século, as sufragistas americanas exigiam o direito das mulheres ao voto, o que no Brasil aconteceu em 1927, dando início a uma longa caminhada pela construção de uma ponte que propõe a conexão entre as duas forças, femininas e masculinas, no universo de oportunidades.
O papel exercido pelas mulheres ainda é invisibilizado e não remunerado. “Metade do trabalho exercido por mulheres no setor da saúde não é remunerado – o que equivale a US$ 1,3 trilhão por ano”(..) “e , se considerarmos o trabalho de assistência social não remunerado, as estimativas chegam a até US$ 10 trilhões”. Roopa Dhatt (Women in Global Health)
Na realidade brasileira, o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Marcos Hecksher, reforça que “elas têm uma carga maior de trabalho não remunerado em casa, esse trabalho aumentou na medida que as escolas ficaram fechadas”.
A pedra que a pandemia coloca na polêmica de reabertura das escolas e creches reverbera ondas que impactam muito além da perda do ano letivo pelos alunos.
Segundo um levantamento da behup, startup de inteligência de dados, com mais de 2,4 mil mães e pais de todo o País, além da sobreposição com o trabalho ou do desafio do desemprego, mães e pais também assumiram a missão importantíssima da educação formal dos filhos.
Desde o início da pandemia, os dados mostram que as mulheres apresentaram índices de preocupação com os aspectos econômicos cerca de 15 pontos acima dos homens.
Durante todo o isolamento, [as mulheres apresentaram mais narrativas de medo](https://revistahsm.com.br/post/trabalho-e-as-barreiras-de-acesso) que os homens e, no que diz respeito ao envolvimento na rotina educacional dos filhos, apesar de 75% mulheres versus 62% homens manifestarem alto envolvimento, 90% das respostas recebidas pela startup foram de mães e apenas 10% de pais.
Com a expectativa de retomada das aulas adiada para outubro no Estado de São Paulo, é necessário que, nos primeiros 14 dias, 80% da população do Estado esteja na fase amarela e nos outros 14 dias atinja os 100%.
Assim como a ascensão das lideranças femininas, esta é uma missão que envolve todos nós.
Vivemos um momento histórico que, somado às questões da divisão de responsabilidades domésticas, a sobrecarga e a tripla jornada de trabalho das mulheres, a invisibilização do trabalho não remunerado, o desgaste e a saúde mental comprometidos e toda uma geração impactada emocional e economicamente pelo isolamento social, nunca esqueceremos que, no meio do caminho, havia uma pandemia.