Dossiê HSM

No novo renascimento humano, a tecnologia será a facilitadora

A accenture vislumbra o futuro que virá do encontro da criatividade e da empatia humanas com as ferramentas digitais
Angela Miguel é editora de conteúdos customizados em HSM Management e MIT Sloan Review Brasil.

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O ano de 2021 vai redefinir o século 21. A afirmação, categórica, está na 14ª edição do Fjord Trends, estudo anual realizado pela rede global de designers e equipes de criação da Accenture Interactive, o primeiro após a pandemia de Covid-19.

O estudo, como é de praxe, mapeou as sete tendências emergentes para o futuro das organizações, do comportamento dos consumidores e da sociedade em geral, mas o futuro mapeado este ano tem particularidades – em especial, o florescimento da criatividade e do aprendizado humanos. Como o Google revelou, desde março de 2020 as buscas por vídeos a partir dos termos “faça você mesmo”, “passo a passo” e “para iniciantes” aumentaram 80%.

Para aprofundar os pontos destacados na pesquisa e aproximá-los da realidade brasileira, HSM Management conversou com Roberta Philadelpho, diretora-executiva de design na Accenture Interactive Brasil, e com Rafael Nunan, gerente de projetos na Accenture Interactive.

## 1. Consumidores Deslocados
O meme em que a Covid-19 é apontada como a razão da aceleração da transformação digital nas empresas se tornou um dos mais compartilhados de 2020. Embora verídica, a piada é incapaz de abarcar todos os impactos acarretados pela pandemia, como, por exemplo, o fortalecimento da tendência de deslocamento coletivo. Essa tendência diz respeito à mudança que todos fizeram para seguir com suas atividades rotineiras durante o distanciamento social, como consumo, trabalho, atividade física, socialização e estudos. Áreas metropolitanas, costumeiramente atrativas devido à concentração de empregos, perderam moradores para bairros periféricos e cidades interioranas em diversos países após o estabelecimento do home office.

Segundo a consultoria, esse deslocamento coletivo não voltará totalmente ao que era antes da pandemia. Ao contrário, deve continuar como importante drive da mudança de comportamento e hábitos da população, forçando companhias a reavaliarem o que sabem (ou pensavam saber) sobre seus clientes e sobre como estes veem a marca. Qual a consequência disso? O futuro provavelmente favorecerá as empresas que criam relações personalizadas com seus clientes.

“As empresas precisarão criar experiências únicas que unam os conceitos de high e low-touch [muito e pouco contato] para esse consumidor deslocado. As tecnologias e a ciência de dados ajudarão as marcas a direcionarem melhor suas ofertas aos clientes ideais, e vice-versa”, projeta Philadelpho. Segundo ela, “também fará cada vez mais sentido buscar replicar a experiência física no digital, talvez com realidade aumentada, com inteligência artificial ou com outros meios que permitam ao consumidor ‘tocar’ os produtos”.

## 2. Inovação do “faça você mesmo”
Se até há pouco tempo era comum que empresas ditassem soluções para facilitar a vida dos clientes, a Covid-19 mostrou que os consumidores são mais do que capazes de “inovar por si mesmos”. Assim, eles admiram companhias que fornecem ferramentas para transformar espaços, hábitos e relações.

Consequência? Ganham espaço negócios que ajudam clientes em suas “gambiarras” caseiras, no melhor sentido da expressão. Como o Google comprovou, está todo mundo se virando como pode.

A criatividade humana aflorou de tal forma no último ano que se tornou a base para os brasileiros exercerem sua profissão a distância, para iniciarem o negócio próprio após uma demissão e para cuidarem dos familiares. Para Philadelpho, a tecnologia assumiu o papel de facilitadora da criatividade, e as empresas precisam entender que não há mais volta, nem limites entre criador e cliente.
“A palavra-chave dos negócios é ‘pessoas’. Nossa missão é abraçar essas mudanças, em vez de resistir a elas, e reimaginar as experiências das pessoas que chamamos de clientes do começo ao fim, praticando uma abordagem holística”, diz a executiva. “O fortalecimento do ‘faça você mesmo’ é especialmente forte no Brasil, pois somos um povo muito criativo e resiliente”, emenda.

## 3. Sweet teams are made of this
Como canta o duo britânico Eurythmics, alguns querem usá-lo, outros querem ser usados por você, há os que abusam e os que são abusados. Embora fale de relações pessoais, a letra também cabe para os acordos de trabalho, afetados drasticamente pela pandemia. Quando a residência se torna o ambiente corporativo, como garantir que os limites sejam respeitados? E quais são esses limites?

Escritórios e fábricas não vão desaparecer, é claro, mas há questionamentos sobre custos e valores para a manutenção das estruturas físicas pré-Covid-19. Então, um futuro híbrido é o que esperam os colaboradores, uma mistura de dias in loco e em casa. O workplace passa a ser uma mentalidade.

Para Nunan, a construção de boas equipes no futuro ainda é incerta, mas vai muito além de softwares que facilitem a conexão; depende de uma cultura que acredita na produtividade remota, no respeito à privacidade dos funcionários, na confiança mútua e no papel empático do líder: “Não podemos mais ver o ser humano como máquina, precisamos enfrentar duas tendências muito perigosas, a ‘always-on’ e a busca pela produtividade máxima. Ou vamos pifar. É preciso equilíbrio”.

## 4. Interação surpreendente
Fechada nas residências, a população global rapidamente se acostumou a interagir por meio de telas. Ao mesmo tempo, com a queda de preços dos equipamentos e plataformas mais intuitivas, todos podem gerar e coproduzir (todo tipo de) conteúdo – o que leva à constatação de uma saturação de telas, uma “mesmice”, causada pelo mesmo estilo de design.

Um importante diferencial para fidelizar consumidores nos próximos anos reside, portanto, na entrega de experiências em telas que surpreendam o usuário, assemelhando-se ainda mais com o mundo real – sem deixar de lado, claro, a abordagem ecologicamente consciente.

O momento é oportuno para incentivar experimentações sobre gamificações, plataformas sociais com novas formas de interações e combinações entre o digital e o presencial para engajar a audiência.

## 5. Infraestrutura líquida
Colada ao deslocamento coletivo, essa tendência está relacionada às cadeias de fornecimento e à pressão persistente que estas sofrem para responder a novas demandas e atender ao alto volume de consumidores em mais localidades com agilidade, preço competitivo e personalização.

Após tantos meses de Covid-19, os compradores digitais esperam ter a mesma satisfação imediata com o e-commerce que tinham nas lojas físicas, um movimento que exige das supply chains o gerenciamento robusto de seus ativos físicos, a oferta de pequenos agrados e a resiliência para enfrentar períodos de incerteza.
Para os próximos anos, a Accenture propõe que o valor das cadeias de fornecimento seja estabelecido por meio da combinação de eficiência, crescimento, flexibilidade e agilidade para a entrega de produtos, serviços e, claro, experiência. “Esse movimento está ligado não só ao que chamamos de ‘business experience’, mas também à sustentabilidade do tipo ESG, pois será impossível ter um futuro sem nos prepararmos para produzir respeitando as condições ambientais, sociais e de governança”, reflete Philadelpho.

## 6. O desafio da empatia
Depois de a pandemia evidenciar desigualdades mundo afora, o consumidor entendeu que as relações dos negócios com pautas sociais (emergentes ou estruturais) devem ser determinantes em sua decisão de compra. E está investigando isso.
Simultaneamente, crises como a de 2020 fizeram surgir novas disparidades, e isso forçou as organizações a tomar posições, em vez de ficar “em cima do muro”. “Posso ilustrar isso com a própria Accenture: somos uma empresa que acredita demais na diversidade. E se isso não agradar a algumas pessoas – é impossível agradar a todos o tempo todo –, seremos transparentes sobre esse valor para nós”, diz Philadelpho.

## 7. Rituais perdidos e achados
O distanciamento, ainda que assimilado por grande parte do mundo, levou ao cancelamento de muitos acontecimentos em grupo, dos mais festivos aos mais dolorosos. Não há como negar o impacto da pandemia na saúde mental coletiva, certo? Pois as marcas podem ocupar o espaço de promotoras da saúde mental para os consumidores. Elas podem fazer isso apoiando a criação de novos rituais, alavancando hábitos mais saudáveis e estreitando o relacionamento comunitário.
O estudo da Accenture prevê que as organizações possam acelerar essas mudanças e criar esse futuro com quatro tipos de rituais, facilitados por tecnologia: (1) rituais como portais, para que as pessoas façam transições para outros “eus”, outras personalidades; (2) rituais que reforcem o sentimento de pertencimento, criando experiências sociais de comunidade; (3) rituais como conforto, ao possibilitar experiências pelas quais as pessoas possam manter o bem-estar físico e mental; e (4) rituais como âncora, em que as empresas ajudem eventos como Natal ou casamentos acontecerem, de maneira significativa, mas respeitando a distância.

Esse futuro pode parecer distante, mas, pelo que vemos, sua construção já é possível.

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