Inovação

Normatizando a inovação

A ISO – organização internacional de padronização – chega agora à gestão da inovação. Como essas boas práticas podem ajudar o brasil?

Compartilhar:

oi publicada em julho de 2019, em Genebra, na Suíça, a ISO 56.002, de gestão da inovação. Disponível em inglês e francês, as duas línguas oficiais da Organização Internacional de Padronização (ISO), a nova norma vai ganhar também uma versão em português. O documento ficará aberto para consulta pública a partir de abril, quando sua versão em português deve ser publicada. 

A ISO 56.002 configura-se como um divisor de águas em tempos de tantas transformações advindas das novas tecnologias. Diante de contextos tão efêmeros no mundo dos negócios, a inovação tornou-se uma demanda latente. Empresas de todos os portes e segmentos estão sendo obrigadas a repensar seus produtos, serviços e principalmente seus modelos de negócio a fim de se manterem competitivas. 

Acompanhando todo esse movimento, a ISO, que é uma instituição sem fins lucrativos, fundada em 1947 com o intuito de ajudar na reconstrução das empresas devastadas pela Segunda Guerra Mundial, sentiu a necessidade de buscar as melhores práticas, ferramentas e metodologias de inovação em seus 164 países-membros. 

O início desse processo se deu há 12 anos, em 2008, quando um grupo internacional de estudos foi criado a fim de construir sólidas diretrizes para facilitar o árduo caminho da inovação nas empresas. Ao longo desses anos, muitos países colaboraram ativamente, como foi o caso de França, Canadá, Portugal, Rússia, Espanha, Inglaterra e do próprio Brasil. Por aqui, o processo de compartilhamento de conhecimentos aconteceu por meio de um grupo, do qual tive a honra de participar.

Até o momento, já são oito normas que englobam o sistema de gestão da inovação, compondo um sistema completo, que garante que as empresas criem um modelo baseado nisso. Veja quadro a seguir.

Baseada em oito pilares – abordagem por processos, liderança com foco no futuro, gestão de insights, direção estratégica, resiliência e adaptabilidade, realização de valor, cultura adaptativa e gestão das incertezas –, a ISO defende que uma inovação pode ser um produto, serviço, processo, modelo, método ou a combinação de qualquer um destes. Contudo, o conceito de inovação é caracterizado por novidade e valor. Em suma, isso significa que ideias sem a manifestação de valor não são inovações, e sim invenções.

A terminologia da norma principal com o número dois é um indício de que ela é uma norma de diretrizes e não de requisitos. Ou seja, aponta caminhos, mas entende que não há uma receita única para todas as empresas. Inovação é um campo de estudos muito amplo, vasto e complexo. A ISO entendeu que o que funciona em uma empresa pode não funcionar em outra. Por isso, além de entender profundamente todas essas normas, os profissionais envolvidos no processo de implementação devem ter um profundo conhecimento sobre metodologias e ferramentas de inovação para conquistar resultados realmente efetivos.

**CONTEXTO LOCAL**

Na mesma semana em que a norma foi oficialmente publicada na Suíça, uma empresa brasileira conquistou o posto de primeira indústria certificada na América Latina. A MZF4, indústria de transformação do ramo de náilon, localizada na capital de São Paulo, já tem resultados notáveis: só os produtos criados ao longo de 2019, durante o processo de implementação da norma, já representam 9% do faturamento total da empresa. 

Além do grande impacto financeiro, a empresa alega outros ganhos, como melhora nas relações internacionais, economia nas áreas de operação, suporte e até juros menores em instituições financeiras. Embora ainda não tenha sido mensurado, a empresa relata ainda um grande aumento em seu valor de marca, já que se tornou internacionalmente reconhecida pela ISO 56.002.

Outro ganho significativo ocorreu no clima organizacional e no intercâmbio com o mercado. Os colaboradores se tornaram muito mais engajados e motivados para inovar em seu dia a dia. Isso gerou um incremento da receita com novos projetos nas mais diferentes áreas, incluindo pesquisas de ponta no setor de impressão 3D e em suturas médicas inteligentes, em parceria com universidades e outras instituições. 

E os benefícios estão só no início. A MZF4 pretende investir em novos mercados, pesquisas, uso de novos materiais e novas tecnologias. 

No fundo, o que está por trás de todas essas conquistas é a cultura de inovação, que é capaz de colocar a empresa em outro patamar de desenvolvimento. Por meio de processos bem definidos e executados, empresas de todos os portes e segmentos podem colecionar resultados muito satisfatórios. É uma forma de tornar as empresas brasileiras mais competitivas no mercado interno e externo.

**NO MUNDO**

Embora a ISO ainda não tenha divulgado números oficiais, estima-se que em torno de 70 empresas já tenham sido certificadas no mundo. A França vem se destacando nesse cenário, tendo já certificado cerca de 15 empresas, entre elas, a gigante Airbus, a indústria petrolífera Total e a Université de Lorraine.

Entre os benefícios esperados da implementação da ISO 56.002 estão o envolvimento de todas as partes interessadas nos projetos de inovação, a contínua geração de ideias, a criação de uma cultura de inovação, além do desenvolvimento de novos produtos e mercados até então não explorados por uma empresa. 

Além de se tornar uma referência em inovação, a maior vantagem do processo de implementação dessa norma é transformar ideias em resultados. Infelizmente, vemos muitas empresas gerarem ótimas ideias, mas, por falta de processos, acabarem nunca saindo dos post-its. Com a ISO 56.002, as ideias são levadas a sério. Colocamos a criatividade para emitir nota fiscal.  

**COMO IMPLEMENTAR**

O processo de implementação é mais simples do que parece. A ISO 56.002 pode ser implementada em empresas de todos os portes e segmentos. É possível fazer a implementação em um único departamento ou na empresa como um todo. Há ainda casos de implementação em várias unidades ao mesmo tempo, inclusive em países diferentes, no caso de multinacionais. 

O primeiro passo é realizar um assessment, que avalia o nível de aderência de uma empresa em relação aos pilares da norma. Depois disso, inicia-se o processo de implementação, que leva de seis a oito meses, dependendo do nível de complexidade e da maturidade da empresa em relação ao tema. 

Quando o sistema de gestão fica pronto, é realizada uma auditoria interna, por um terceiro, a fim de identificar possíveis gaps. Só quando tudo está absolutamente pronto é que uma empresa certificadora faz a auditoria de certificação. Se aprovada, a empresa recebe o atestado de conformidade da ISO 56.002.

**ISO NO BRASIL**

As certificações ISO são muito reconhecidas no Brasil. A mais comum, a ISO 9.001, de gestão da qualidade, foi criada em 1987 na Suíça. Por aqui, chegou em 1993, quando 113 empresas se certificaram. O maior impulso para a busca da certificação veio da indústria automobilística, que passou a exigir esse padrão de qualidade de toda a sua cadeia produtiva. O boom aconteceu em 2011, quando 28.325 empresas estavam certificadas. 

Em 1994, foi publicada a ISO 14.001, de sistema de gestão ambiental. Mais recentemente, em março de 2018, foi publicada a ISO 45.001, de sistema de gestão de saúde e segurança. Muitas empresas combinam as três certificações, no que ficou conhecido como SGI – Sistema de Gestão Integrado. 

Agora, com a chegada da ISO 56.002, a expectativa é que as empresas busquem essa certificação como forma de se prepararem para a gestão do futuro, baseada em novos modelos de negócios e na disrupção advinda das tecnologias exponenciais. A integração com as outras normas é totalmente facilitada, visto que a ISO 56.002 segue a mesma estrutura normativa das demais certificações.

A grande vantagem dessa certificação é que ela compila a visão de 164 países sobre inovação, configurando-se com uma linguagem universal. Para empresas que almejam o comércio internacional, ela se torna uma peça fundamental, uma vez que estabelece parâmetros mínimos para uma gestão saudável em termos de incertezas e instabilidades apresentadas pelo novo contexto de mundo. 

**EXPECTATIVAS**

Por ser uma norma muito recente, ainda é difícil prever o seu futuro. Mas o fato é que ela tem despertado a atenção de empresas de todos os portes e segmentos, que estão em busca de boas práticas para criar uma gestão voltada à inovação. A expectativa é termos algo em torno de 50 empresas certificadas no Brasil até o fim de 2021.

Como norma de diretrizes, demanda conhecimentos muito mais específicos. É preciso ter um amplo e vasto conhecimento sobre o universo da inovação, sua mentalidade, novas tecnologias e modelos de negócios disruptivos. E por não ser uma norma de requisitos, a implementação tende a ser muito mais subjetiva e complexa. Não há um check-list. As ações precisam ser testadas até que se chegue às fórmulas de sucesso particulares de cada empresa.

Para gerar valor e fazer com que a inovação realmente se torne algo contínuo e não esporádico, as empresas precisam se comprometer não apenas durante o processo de implementação, mas principalmente depois da certificação, a fim de colher frutos realmente satisfatórios. A inovação deve permear a veia central da empresa, bombeando esse espírito para todo o seu ecossistema. Só assim tornaremos as empresas brasileiras mais competitivas em um mundo cada vez mais líquido e globalizado.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Estratégias eficazes para captação de recursos de inovação

Em um mercado cada vez mais competitivo, a inovação se destaca como fator crucial para o crescimento empresarial. Porém, transformar ideias inovadoras em realidade requer compreender as principais fontes de fomento disponíveis no Brasil, como BNDES, FINEP e Embrapii, além de adotar uma abordagem estratégica na elaboração de projetos robustos.

Os 5 maiores mitos sobre IA no RH – e o que realmente importa

Em meio aos mitos sobre IA no RH, empresas que proíbem seu uso enfrentam um paradoxo: funcionários já utilizam ferramentas como ChatGPT por conta própria. Casos práticos mostram que, quando bem implementada, a tecnologia revoluciona desde o onboarding até a gestão de performance.

A IA está no meio de nós

A Inteligência Artificial, impulsionada pelo uso massivo e acessível, avança exponencialmente, destacando-se como uma ferramenta inclusiva e transformadora para o futuro da gestão de pessoas e dos negócios

Paradoxos da liderança

Ao promover autonomia e resultados, líderes se fortalecem, reduzindo estresse e superando o paternalismo para desenvolver equipes mais alinhadas, realizadas e eficazes.

Finanças
Em um mercado cada vez mais competitivo, a inovação se destaca como fator crucial para o crescimento empresarial. Porém, transformar ideias inovadoras em realidade requer compreender as principais fontes de fomento disponíveis no Brasil, como BNDES, FINEP e Embrapii, além de adotar uma abordagem estratégica na elaboração de projetos robustos.

Eline Casalosa

4 min de leitura
Empreendedorismo
A importância de uma cultura organizacional forte para atingir uma transformação de visão e valores reais dentro de uma empresa

Renata Baccarat

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Em meio aos mitos sobre IA no RH, empresas que proíbem seu uso enfrentam um paradoxo: funcionários já utilizam ferramentas como ChatGPT por conta própria. Casos práticos mostram que, quando bem implementada, a tecnologia revoluciona desde o onboarding até a gestão de performance.

Harold Schultz

3 min de leitura
Gestão de Pessoas
Diferente da avaliação anual tradicional, o modelo de feedback contínuo permite um fluxo constante de comunicação entre líderes e colaboradores, fortalecendo o aprendizado, o alinhamento de metas e a resposta rápida a mudanças.

Maria Augusta Orofino

3 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A Inteligência Artificial, impulsionada pelo uso massivo e acessível, avança exponencialmente, destacando-se como uma ferramenta inclusiva e transformadora para o futuro da gestão de pessoas e dos negócios

Marcelo Nóbrega

4 min de leitura
Liderança
Ao promover autonomia e resultados, líderes se fortalecem, reduzindo estresse e superando o paternalismo para desenvolver equipes mais alinhadas, realizadas e eficazes.

Rubens Pimentel

3 min de leitura
Empreendedorismo, Diversidade, Uncategorized
A entrega do Communiqué pelo W20 destaca o compromisso global com a igualdade de gênero, enfatizando a valorização e o fortalecimento da Economia do Cuidado para promover uma sociedade mais justa e produtiva para as mulheres em todo o mundo

Ana Fontes

3 min de leitura
Diversidade
No ambiente corporativo atual, integrar diferentes gerações dentro de uma organização pode ser o diferencial estratégico que define o sucesso. A diversidade de experiências, perspectivas e habilidades entre gerações não apenas enriquece a cultura organizacional, mas também impulsiona inovação e crescimento sustentável.

Marcelo Murilo

21 min de leitura
Finanças
Casos de fraude contábil na Enron e Americanas S.A. revelam falhas em governança corporativa e controles internos, destacando a importância de transparência e auditorias eficazes para a integridade empresarial

Marco Milani

3 min de leitura
Liderança
Valorizar o bem-estar e a saúde emocional dos colaboradores é essencial para um ambiente de trabalho saudável e para impulsionar resultados sólidos, com lideranças empáticas e conectadas sendo fundamentais para o crescimento sustentável das empresas.

Ana Letícia Caressato

6 min de leitura