Artigo

Nova etiqueta para novos tempos

O ano de 2021 termina com, pelo menos, 21 novas regras de bons modos no trabalho e na vida | por Sandra Regina da Silva e adriana salles gomes
A reportagem é de Adriana Salles Gomes e Sandra Regina da Silva, respectivamente editora-chefe e colaboradora de HSM Management

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Durante a pandemia, Henrique adquiriu o hábito de fazer reuniões andando e agora, na volta ao trabalho presencial, não consegue mais trabalhar sentado. Com seu headphone sem fio, perambula falando alto. As pessoas se incomodam, mas ele não nota, é distraído. Henrique provavelmente entenderá de um jeito doloroso, quando mais gente voltar ao escritório e rejeitá-lo, que está sendo desrespeitoso ao não se importar com quem está no entorno. E para quem pensou “ufa, não sou igual ao Henrique ”, cuidado. É possível ser pior do que ele – ser igual à Maria.

Estamos falando de Mary Mallon, que imigrou da Irlanda para os Estados Unidos em 1883 e infectou 50 pessoas de tifo, três das quais morreram. Primeiro, Mary não sabia o que estava fazendo, pois tinha a bactéria causadora da doença, mas era assintomática. Depois, quando descobriram que era o ponto comum na explosão de casos de tifo em Nova York e a avisaram, ela não obedeceu às restrições assim mesmo. Mudou de nome e voltou a circular, o que significa que voltou a infectar pessoas. O desfecho da história é triste: a irlandesa viveu 26 anos de quarentena, até o dia de sua morte. Esse caso ficou famoso inclusive no Brasil – já ouviu a expressão “Maria Tifoide”? Agora você sabe que Maria Tifoide existiu; era Mary Mallon, e seu erro foi não respeitar as outras pessoas, assim como Henrique.

Esses dois casos, um menos e outro mais radical, ilustram bem o que é etiqueta e o que significa se comportar em sociedade. Não é saber usar os talheres certos para comer lagosta e caranguejo; é respeitar os outros. E requer dois movimentos simples: (1) prestar atenção ao que faz mal aos demais e (2) importar-se com isso e evitar fazê-lo. O que explica por que se fala, cada vez mais, em uma nova etiqueta pós-pandêmica. Se as pessoas ficaram diferentes, o respeito naturalmente tem de incluir as diferenças.

Abordar a pivotagem das boas maneiras em uma revista como HSM Management faz sentido. Embora não se limitem ao ambiente de trabalho, é nele que se vai sentir primeiro seu impacto – muitas vezes, o escritório pode até servir de laboratório de testes da nova etiqueta.

Perceba que etiqueta pós-pandêmica, nesse caso, quer dizer muito mais do que depois da covid-19. Assim como a transformação digital vinha acontecendo e foi acelerada pelo coronavírus, a mudança comportamental estava em curso e se amplificou. Há motivadores sanitários para o fenômeno, mas ele também vem de preocupações ambientais e sociais, e da onipresença da tecnologia.

Com o objetivo de descobrir quais seriam os principais verbetes de um dicionário da nova elegância, HSM Management coletou relatos de situações constrangedoras em entrevistas e nas redes sociais, pesquisou levantamentos internacionais – como os feitos pela SHRM Foundation, que reúne mais de 300 mil profissionais de recursos humanos responsáveis por 115 milhões de funcionários ao redor do mundo – e consultou especialistas brasileiros multisciplinares a respeito.

Foram ouvidos Daniela Diniz, diretora de conteúdo e relações institucionais do Great Place to Work (GPTW), que observa o que acontece nas melhores empresas para trabalhar; Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, médico infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), que também é professor e agente de transformação social; Regina Helena Nogueira, expert em personal rebranding; e Joseph Teperman, consultor de empresas e headhunter, além de empresário, sócio-fundador da Inniti.

Encontramos 21 verbetes de novos bons modos, que aqui aparecem divididos por contexto.

## Em todo e qualquer lugar

__1. Beijinho, só no ombro.__ Gostamos de beijar, abraçar e apertar a mão com força, mas isso deve ficar em suspenso por um bom tempo. Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, médico infectologista do Hospital das Clínicas, diz que beijos no rosto precisam ser evitados mesmo. Mas ele não vê problemas em um cumprimento de mãos, se as pessoas estiverem usando a máscara corretamente e o cumprimento for precedido e seguido de álcool gel ou lavagem das mãos. O headhunter Joseph Teperman alerta que dar a mão e, depois, passar álcool gel pode ser antipático aos olhos de alguns e, portanto, deve ser feito com discrição. Para não haver dúvidas, o mais recomendável, segundo Araújo, é o cumprimento com o punho, já chamado carinhosamente de “soquinho”. Regina Nogueira, especialista em branding, sugere algo prático: perguntar ao outro como ele prefere ser cumprimentado.

__2. Comunicação não competitiva.__ Não erramos, não. Não se trata de comunicação não agressiva, a CNA, mas não competitiva. Isso porque muitos indivíduos voltaram querendo competir com os outros nas histórias que viveu, trágicas ou felizes. Quem tem mais conhecidos mortos por covid-19? Quem ficou trabalhando remotamente
no lugar mais paradisíaco? Até a The Economist, que é chegada numa competição, criticou esta.

__3. Não fale em caixa-alta.__ Baixar o tom de voz é urgente. Pesquisas mostram que, durante o home office, as pessoas subiram o volume em cerca de 15%. Segundo a The Economist, não pega bem parecer um Henrique V discursando na batalha de Agincourt. Nós tropicalizamos: não seja o Ciro Bottini em seu bordão: “Compre! Compre! Compre!”.

__4. Atchim com plateia?__ É de bom tom que, ao menor sinal de resfriado ou febre, você pare de circular. Tossir e espirrar em público causará a alguns a mesma repulsa que se você estivesse passando fio dental. Evaldo Araújo orienta quem tiver sintomas, mesmo que simples, a não trabalhar presencialmente – e a pedir orientação médica. Ah, tomar vacina contra gripe ficará mais chique.

__5. Ser mascarado agora é bom.__ No popular, dizia-se que alguém é mascarado quando é falso, traiçoeiro. Mas, na vida real oficial, agora usar máscara é top. Como observa Araújo, o uso de máscara vai ser bem-vindo em ambientes fechados e na presença de terceiros por um bom tempo ainda, bem como no transporte, compartilhado ou público. Já espaços ao ar livre e com as pessoas mantendo distância não demandam o acessório. Teperman vê muita gente preferindo manter as reuniões pelo Zoom para que, com os rostos descobertos,
as microexpressões de lado a lado contribuam com a comunicação.

## No escritório

__6. Perguntar não ofende.__ “Posso perguntar se o colega está vacinado? Posso pedir o comprovante das duas doses da vacina? Posso pedir para ele colocar a máscara corretamente e/ou se distanciar?” O headhunter Joseph Teperman lembra que “quem não se vacina hoje contra a covid-19 é politicamente incorreto” – e o politicamente correto é um território corporativo. Diniz sugere que a forma como são feitas essas perguntas entrega as razões por trás delas – é apenas para se proteger ou cuidado com o bem – estar coletivo? Nogueira acredita que sempre cabe esse tipo de indagação quando for algo que impacte o coletivo. De qualquer modo, você tem a lei a seu lado e pode exigir que a empresa exija vacina dos colegas e o poupe do estresse.

__7. Um luxo só.__ Celebridades estão usando máscaras com várias estampas, Justin Bieber está usando balaclava (aquele gorro, sabe?), a rainha Elizabeth II tem máscara combinando com a roupa (ops, não, isso foi fake!). Mas a Chanel das máscaras mesmo, o máximo do bom gosto, é a PFF2, descartável – nem precisa da grife 3M. Porém, como ocorre com roupa, é cafona vestir máscara mal-ajambrada, que o deixa desconjuntado. Você passará a ser citado como “a pessoa que veste a máscara como seu nariz” (que é sem cobrir o nariz). Segundo Araújo, a máscara descartável é a ideal no dia a dia – no transporte público, a PFF2 é mandatória –, e, se for de tecido, precisa ter várias camadas e ficar muito bem ajustada.

Quando alguém faz mau uso, como agir? Há dois caminhos, e nenhum deles é se calar. Um é rodear o tema, como propõe Regina Nogueira, falando em primeira pessoa. Você pode recorrer até a uma pitada de humor: “Puxa, como é desconfortável máscara no nariz, né?! Só ponho porque não quero um coronavírus meu saindo de minha narina e indo parar em seu olho”. O outro caminho é direto e reto: você avisa que a máscara está malposta e, se o colega ficar bravo, ficou. O deselegante é ele, lembra Teperman.

Podemos pressionar a empresa para agir também nessa ocasião – e não seremos vistos como dedo-duros. “Se o RH exige o uso de equipamentos de segurança, por que não exigir máscaras?”, pergunta Diniz. O banheiro tem o aviso “Não jogue papel no vaso sanitário” e a firma tem lembretes de “mantenha a distância” e “use máscara” nas paredes – escritos oficialmente ou como um “graffitti”. Importante: a facilidade ou dificuldade que as pessoas sentirem para tratar do assunto vai ser um indicador de um ambiente de alta ou baixa confiança. É um novo KPI para o RH.

__8. Reunião reinventada.__ Marcar reuniões presenciais em um lugar aberto é o podre de chique, e é a recomendação de Joseph Teperman. Uma preocupação particular é com o horário. O ganho de pontualidade do online deve migrar para o presencial – significando que sua agenda deve prever intervalos realistas entre uma coisa e outra. “Respeitar horário é respeitar os outros”, diz Teperman. “Quando alguém chega atrasado a uma reunião, está passando a mensagem que ele é mais importante que os demais que chegaram na hora.” Diniz sugere manter do online também o hábito de mutar o microfone quando outra pessoa fala – ou seja, aprender a ouvir. E, se ficar tentado a aproximar sua cadeira da cadeira alheia, lembre-se do Sting cantando: “Don’t stand so close to me”.

__9. Nova cortesia.__ Ainda vale abrir a porta para uma mulher ou levantar-se quando uma entra na sala ou é sexismo? Regina Nogueira diz que a gentileza respeitosa sempre é bem-vinda. Para você se sentir mais à vontade, pode ter a mesma atitude com outras pessoas, sobretudo as mais velhas. Por exemplo, segure ou abra a porta para quem está atrás de você – isso é higiênico, inclusive, pois poupa a pessoa de tocar na maçaneta.

__10. Sinal exterior de educação.__ Limpe sua mesa como faz na academia – com álcool gel.

__11. O código.__ Há uma mudança rumo a um dress code mais informakl – confecções já estão fazendo roupas que parecem formais, mas são confortáveis. “Já tem calça social com tecido supermacio”, diz Teperman. Diniz observa que cada empresa vai dar sua senha, mas a tendência é o fim da gravata mesmo. “Não pode é ir de chinelo!”

__12. Acessórios na bolsa.__ Além da máscara do rosto e de uma ou duas máscaras substitutas, inclua álcool gel em sua pasta executiva, mesmo que a empresa ofereça álcool aos montes. Recomenda–se ter caneca, canetas, cadernos, notebook e garrafa d’água próprios e carregá-los com você – principalmente, se o lugar marcado foi abolido.

## Comer e beber

__13. Fumódromo.__ Tanto no escritório como em eventos, o coffee break é um dos momentos que mais deram saudade a todo mundo no home office. Só que tomar um café exige ficar sem máscara. O que manda a boa educação? As pessoas devem formar pequenos grupos, manter distância, só falar com máscara. Ao ar livre, é melhor.

__14. Almoço na firma.__ Se não houver barreira física ou distância entre os lugares, evite o refeitório. Você pode pedir comida e comer em sua mesa ou numa praça próxima. A sugestão de Evaldo Araújo é almoçar sozinho, para não se distrair e acabar conversando sem máscara. Eventos precedidos da testagem para detecção de antígeno viral podem ter o relaxamento de máscara para a alimentação.

## Em meios de transporte

__16. Finesse no avião.__ Evitar viagens de avião é o must pelos riscos de contaminação – e, principalmente, evitar aeroportos. Quanto a viagens de trabalho, como lembra Daniela Diniz, cada empresa está criando seu próprio protocolo. E mesmo quando voos não estão liberados, é aceitável que você converse com o RH para explicar a necessidade de fazer determinada viagem e abrir exceção. Regina Nogueira acha que, se a pessoa tomar os devidos cuidados (e é importante todos saberem que ela tomou cuidados), pode voar, porque a vida não pode parar. Evaldo Araújo concorda com isso. Os cuidados são apenas um: usar máscara do tipo PFF2 o tempo todo – o que significa evitar alimentação ou hidratação a bordo da aeronave e em espaços fechados dos aeroportos.

__17. Voar com sabedoria.__ O avião não virou o vilão só por causa da covid-19; a crise climática também o associou com o lado escuro da força. Mal sabia Santos Dumont que o uso militar não seria o único problema… Enquanto não houver aviões elétricos – eles já estão na esquina –, a boa etiqueta requer que pensemos em eficiência antes de voar, seja a trabalho ou a lazer. Isso significa tirar o máximo de cada viagem: mais tempo passado no destino, mais reuniões, mais passeios e visitas. É muito fácil repetir com o avião o movimento que houve em torno da rejeição ao canudo de plástico: foi uma boa ação, sem dúvida, mas de impacto mínimo no consumo total de plástico. Um banco pode ter mais impacto climático positivo se limitar as viagens aéreas de seus funcionários ou se conceder crédito só a empresas que afastem de combustíveis fósseis? – costuma perguntar Andrew Winston, coautor de O verde que vale ouro.

__18. On the road.__ Vamos falar de uma situação se-correr-o-bicho-pega-e-se-ficar-o-bicho-come típica: devemos preferir transporte individual ou coletivo (que pode ser em fretado ou compartilhado com colegas, caronas)? A questão sanitária sugere que escolhamos a primeira alternativa. O imperativo climático, a segunda.Evaldo Araújo diz para evitar por ora o transporte coletivo, mas, se não houver jeito, usar máscara PFF2 o tempo todo e janela aberta para renovar o ar. (Ar-condicionado nem pensar.)

__19. No elevador.__ Se tiver muita gente, espere o próximo. Ao entrar, imagine que é um tabuleiro de xadrez e as pessoas, peões – e ocupe-o assim, com uma casa separando um peão do outro. É melhor que a pessoa próxima do painel aperte o botão de seu andar – e, se essa pessoa for você, faça isso com uma das juntas do dedo da mão. Olhe para a frente (se tiver de pigarrear, olhe para uma parede) e não puxe conversa ou fale no celular – se a boca tem máscara e está fechada, é aí que não entra mosquito mesmo. Essas orientações são de Joseph Allen, especialista em saúde pública de Harvard. Quando o elevador para nos andares, as pessoas do meio devem ir para os cantos e as da frente, sair (para voltar depois), criando fluxo. Mas, se você conseguir, escadas são a melhor pedida.

## Na internet

__20. Mensageria.__ Preguiça de digitar o que precisa ser dito no celular – quem nunca? Mas você só deve enviar áudio nos apps de mensagens instantâneas depois de ter pedido autorização ao destinatário. E o que dizer de mandar mensagem de trabalho fora do horário comercial? Joseph Teperman é contra, de modo geral. “O WhatsApp virou um depositário da ansiedade de alguns. Outro dia me mandaram mensagem sem urgência nem importância no domingo à noite, durante um jantar. Eu nem conhecia bem a pessoa. Não tem cabimento.” Regina Nogueira acha que, se for urgente, a mensagem fora de hora é aceitável, mas é prudente se desculpar de antemão: “Perdão pelo horário, mas preciso resolver isso agora”. E, se não for urgente, mas importante, Diniz sugere começar com “fique à vontade para responder no horário que lhe for mais conveniente”. De resto, prefira o e-mail na maioria das vezes (para oferecer algo, por exemplo), nada de fotos de bom-dia e boa-noite ou religiosas, compartilhe com discrição (checando antes se é verdade), leia os avisos dos perfis – alguns dizem “não mande áudio”.

__21. Netiquette.__ A etiqueta da internet não mudou muito, mas o fato é que suas regras não eram tão seguidas quando deveriam: nunca mandar arquivos pesados por e-mail; responder aos e-mails rápido, mesmo que só para confirmar recebimento; atualizar suas informações nas redes; checar tudo antes de repassar etc.

“O MUNDO PRIVILEGIA OS BEM-EDUCADOS.” Essa frase, da especialista em etiqueta Gloria Kalil, tem sido posta bastante à prova nos tempos atuais, mas é daquelas sabedorias ancestrais que vão permanecer, especialmente no trabalho.

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