Sustentabilidade

Novas Pressões Sobre os CEOs (e as Soluções)

Sob pressão dos stakeholders, os líderes das empresas podem recorrer a quatro trunfos para garantir a implementação da estratégia

Compartilhar:

Se as empresas tivessem de eleger um único imperativo imposto pelo atual momento de transformações tecnológicas e demográficas e de instabilidade político-econômica, qual seria? Segundo uma pesquisa com CEOs divulgada pela PwC em 2016, a resposta no Brasil estaria na obrigação de atender, em suas estratégias, às expectativas de uma variedade mais ampla de stakeholders – 96% dos CEOs relatam isso aqui (no mundo, 84%). Alguns chegam a dizer que já passamos, de fato, da “era do valor para o acionista” à “era do valor para o stakeholder”. 

Trata-se de dar igual prioridade ao atendimento de demandas de acionistas, clientes, parceiros, colaboradores, governo e sociedade civil? Em caso afirmativo, é algo muito louvável, porém extremamente difícil de fazer acontecer. 

Eis a nova e desafiadora realidade da execução da estratégia, ainda que a velocidade em reconhecê-la possa variar de empresa para empresa. Quais são as soluções de gestão para essa situação? HSM Management fez a pergunta a CEOs e especialistas em estratégia e as respostas estão a seguir. 

**DIAGNÓSTICO**

O início da boa execução é um diagnóstico profundo, para entender a organização, e não focado em um negócio, como costuma acontecer. “É impressionante quão pouco os executivos – e os donos – realmente conhecem sua organização. Na maioria das vezes, focam o que eu chamo de coreografia da empresa – a área comercial – e esquecem o lado árido. Há uma diferença entre o negócio e a empresa”, afirma o consultor Claudio Galeazzi, ex-presidente da BRF. 

Na visão dele, o diagnóstico deve abordar as unidades de negócios, o footprint industrial, os processos, as despesas, o plantel gerencial e assim por diante – a análise demora de 60 a 90 dias para ser realizada. E não é algo que se faça uma vez só na vida. “Eu acredito muito que toda empresa precisa se repensar constantemente, começando pelo diagnóstico profundo e então planejando-o para poder executar os pontos diagnosticados como necessários para a empresa continuar a crescer.” 

**PRIORIZAR STAKEHOLDERS ATUANDO EM QUATRO FRENTES**

O homem que, no início do século 21, direcionou o foco do mundo empresarial para a execução tem uma opinião bem formada sobre o novo cenário da execução. O consultor Ram Charan, que em 2002 lançou Execution, enfatizando três blocos construtivos (líderes, cultura e pessoas) e três processos (estratégia, operações e recursos humanos), agora sintetiza a execução como a decisão de priorizar um grupo entre todos os stakeholders que pressionam: o dos consumidores. 

“É preciso saber o que os clientes compram, quando compram e como usam seus produtos. É preciso acompanhar o relacionamento deles com a marca do começo ao fim. É preciso realmente conversar com eles, usando as mídias sociais para isso. E é preciso focar a experiência do consumidor para oferecer uma experiência melhor do que a da concorrência”, diz Charan. 

Segundo apurou HSM Management, a melhor experiência do cliente depende de iniciativas em quatro frentes: a dos colaboradores, a da tecnologia que os apoia, a das inovações proporcionadas constantemente aos clientes e a da parceria com a cadeia de fornecimento. 

Charan não tem dúvida de que priorizar o atendimento dos clientes requer priorizar principalmente o relacionamento com os funcionários. “Os colaboradores são a interface entre a empresa e os clientes. E eles precisam estar motivados para compartilhar a estratégia [de priorizar a experiência do consumidor] com clareza.” 

Amos Genish, fundador da GVT e CEO da Telefônica no Brasil até janeiro de 2017, concorda com Charan e ainda enfatiza a autenticidade. “Para executar hoje, é muito importante o ‘walk the talk’, como dizem em inglês – ou seja, tornar esse foco no cliente uma atitude genuína da organização”, diz. Como fazer isso de modo objetivo? Segundo Genish, o caminho é identificar os momentos da verdade que determinam a confiança do cliente na empresa e melhorar a atuação neles. 

Uma vez que implantar iniciativas em momentos da verdade com o cliente depende de colaboradores motivados, o círculo se fecha. “A satisfação das pessoas no trabalho é o ponto mais importante para conseguir executar qualquer estratégia”, afirma Charan. 

O “pai” da execução sugere duas medidas muito práticas para garantir a satisfação do funcionário ligada à do cliente. “Uma medida é passar a conceder bônus aos colaboradores de acordo com os resultados de satisfação dos clientes, estendendo isso aos bônus dos executivos – cerca de 20% desses bônus deveriam ser relativos à satisfação dos consumidores. A segunda coisa mais importante é a comunicação – é necessário repetir seus objetivos para a equipe mensalmente.” 

A Telefônica é uma das empresas que já estão fazendo isso. “O Índice de Satisfação do Cliente (ISC), medido todo mês, faz parte de nossos objetivos anuais de resultados, com impacto direto na remuneração variável de executivos e colaboradores”, conta Genish. “Além disso, acompanhamos o engajamento dos colaboradores por meio de uma detalhada pesquisa de clima, que é base para planos de ação elaborados por todos os gestores.” 

A tecnologia pode ser habilitadora dessa confiança. Na Microsoft, por exemplo, há a convicção de que, para o fortalecimento da relação com os stakeholders, a transformação digital é um fator cada vez mais importante. “A transformação digital permite que funcionários tenham acesso a recursos mais avançados para realizar suas tarefas e que clientes, sejam B2B, sejam consumidores finais, sintam- -se mais engajados e satisfeitos”, diz Paula Bellizia, presidente da Microsoft Brasil. 

Bellizia lembra que a tecnologia facilita ouvir clientes e parceiros. No ano fiscal de 2015, a Microsoft ouviu 5 milhões de pessoas no mundo todo para colher feedbacks a respeito do Windows 10. A tecnologia viabiliza o comportamento de empresa aberta a aprender coisas novas, sem verdades preestabelecidas. “E essa é uma atitude que fortalece as relações com o mercado”, diz Bellizia. 

Além da tecnologia, o que mais empresas vêm percebendo é que inovações constantes satisfazem mais os consumidores. No Brasil, o Grupo Boticário oferece muita inovação ao stakeholder cliente – seja o consumidor final, seja o lojista franqueado. Há inovação de marcas (além de O Boticário, quem disse, berenice?, Eudora e The Beauty Box) e de produtos (seu centro de pesquisa e inovação, lançado em 2012, considerado um dos mais avançados do mundo no setor, tem capacidade de desenvolvimento de 2 mil produtos ao mesmo tempo), fora as embalagens. 

A inovação também pode estar no comportamento da organização percebido pelos clientes. “O consumidor brasileiro é sofisticado e já começa a considerar na decisão de compra o item sustentabilidade dos negócios e atuação socialmente responsável da empresa”, diz Genish, acrescentando que a Fundação Telefônica é uma das prioridades da companhia em qualquer país em que atue. “Comprova um compromisso com os stakeholders no longo prazo.” 

Para Bellizia, “as pessoas estão cada vez mais bem informadas sobre as empresas e esperam delas uma atuação correta; a valorização do comportamento das organizações é uma tendência mundial”. É público, por exemplo, o documento de compromisso da Microsoft com o Brasil, que disponibiliza o conhecimento da empresa para apoiar a educação e o empreendedorismo no País. 

Além de pessoas, tecnologia e inovações, a parceria com as cadeias de fornecimento ainda é frequentemente elencada entre os principais fatores habilitadores da capacidade de uma empresa de executar estratégias. Faz sentido: além das pessoas internas à organização, as externas precisam estar preparadas e motivadas para cumprir agilmente a estratégia definida. 

Companhias como Renner e Randon, entre as brasileiras, compreendem especialmente bem o papel de seus fornecedores no êxito da execução, tanto que as duas contribuem para o desenvolvimento do capital humano das empresas fornecedoras, além de compartilhar com elas suas tecnologias e melhores práticas em geral. 

**CRISE E LONGO PRAZO**

Como conciliar o desafio da execução com o momento de crise que o Brasil vive, em que a sobrevivência pode estar seriamente ameaçada? Interrompe-se a estratégia a executar para criar uma estratégia de crise? 

Galeazzi, visto no mercado justamente como um especialista em turnarounds, faz questão de dizer que não há estratégia para crises econômicas, porque estratégia é sempre algo de longo prazo. “Acontece que a estratégia não costuma ser linear; superamos vales e montanhas para conseguir implementá-la.” 

Por isso, o especialista volta a insistir: toda empresa, sem exceção, deve se repensar constantemente e implementar as transformações que esse diagnóstico apontar como necessárias. Ajudar a repensar foi o que ele fez na BRF e no Grupo Pão de Açúcar.

Em outras palavras, Galeazzi diz que não existe estratégia para crises. “Estratégias emergenciais não são estratégias de fato; são muito mais uma reação a uma circunstância que não foi prevista na estratégia geral. Estratégias emergenciais são ainda mais difíceis de implementar, uma vez que você tem de encaixá-las em sua estratégia original.” 

“O exercício de repensar a organização pode até levar a um turnaround, mas o que geralmente faz uma empresa se reestruturar não é uma crise externa; é a gestão”, afirma. Em sua experiência, a alta gerência às vezes vive do passado e acredita que o que sempre deu certo continuará a funcionar. 

**VIVER NO PRESENTE**

Todos concordam: o foco no stakeholder consumidor (ou cliente) é mais que um discurso bonito; habilita a execução, ao impedir a gestão de viver do passado – e no passado. Nas próximas páginas, o leitor verá como as pessoas, a tecnologia, as inovações e o supply chain concretizam esse foco.

Compartilhar:

Artigos relacionados

China

O Legado do Progresso

A celebração dos 120 anos de Deng Xiaoping destaca como suas reformas revolucionaram a China, transformando-a em uma potência global e marcando uma era de crescimento econômico, inovação e avanços sociais sem precedentes.

Calendário

Não, o ano ainda não acabou!

Em meio à letargia de fim de ano, um chamado à consciência: os últimos dias de 2024 são uma oportunidade valiosa de ressignificar trajetórias e construir propósito.

ESG
A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido

Ana Carolina Peuker

4 min de leitura
Gestão de Pessoas
Conheça o conceito de Inteligência Cultural e compreenda os três pilares que vão te ajudar a trazer clareza e compreensão para sua comunicação interpessoal (e talvez internacional)

Angelina Bejgrowicz

4 min de leitura
Liderança
Entenda como construir um ambiente organizacional que prioriza segurança psicológica, engajamento e o desenvolvimento genuíno das equipes.

Athila Machado

6 min de leitura
Empreendedorismo
Após a pandemia, a Geração Z que ingressa no mercado de trabalho aderiu ao movimento do "quiet quitting", realizando apenas o mínimo necessário em seus empregos por falta de satisfação. Pesquisa da Mckinsey mostra que 25% da Geração Z se sentiram mais ansiosos no trabalho, quase o dobro das gerações anteriores. Ambientes tóxicos, falta de reconhecimento e não se sentirem valorizados são alguns dos principais motivos.

Samir Iásbeck

4 min de leitura
Empreendedorismo
Otimizar processos para gerar empregos de melhor qualidade e remuneração, desenvolver produtos e serviços acessíveis para a população de baixa renda e investir em tecnologias disruptivas que possibilitem a criação de novos modelos de negócios inclusivos são peças-chave nessa remontagem da sociedade no mundo

Hilton Menezes

4 min de leitura
Finanças
Em um mercado cada vez mais competitivo, a inovação se destaca como fator crucial para o crescimento empresarial. Porém, transformar ideias inovadoras em realidade requer compreender as principais fontes de fomento disponíveis no Brasil, como BNDES, FINEP e Embrapii, além de adotar uma abordagem estratégica na elaboração de projetos robustos.

Eline Casalosa

4 min de leitura
Empreendedorismo
A importância de uma cultura organizacional forte para atingir uma transformação de visão e valores reais dentro de uma empresa

Renata Baccarat

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Em meio aos mitos sobre IA no RH, empresas que proíbem seu uso enfrentam um paradoxo: funcionários já utilizam ferramentas como ChatGPT por conta própria. Casos práticos mostram que, quando bem implementada, a tecnologia revoluciona desde o onboarding até a gestão de performance.

Harold Schultz

3 min de leitura
Gestão de Pessoas
Diferente da avaliação anual tradicional, o modelo de feedback contínuo permite um fluxo constante de comunicação entre líderes e colaboradores, fortalecendo o aprendizado, o alinhamento de metas e a resposta rápida a mudanças.

Maria Augusta Orofino

3 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A Inteligência Artificial, impulsionada pelo uso massivo e acessível, avança exponencialmente, destacando-se como uma ferramenta inclusiva e transformadora para o futuro da gestão de pessoas e dos negócios

Marcelo Nóbrega

4 min de leitura