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Nunca desperdice uma boa crise

O cenário econômico brasileiro deteriorou-se rapidamente, mas o modelo de crescimento das empresas já não era adequado antes; com a recessão, elas podem reaprender a crescer, agora criando valor por meio do aumento da produtividade

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A palavra “produtividade” entrou no vocabulário do brasileiro nos últimos cinco anos. Entre os diversos indicadores a considerar, o mais divulgado deles, que é a produtividade do trabalho, mostra números alarmantes. Segundo o The Conference Board, em levantamento de 2013, o trabalhador brasileiro tem só 17,2% da produtividade do norte-americano e cerca de metade da do argentino e da do mexicano (na América Latina, só seríamos mais produtivos do que os vizinhos bolivianos). 

Outro estudo, realizado pela Confederação Nacional da Indústria, revela que o índice de produção por hora trabalhada aumentou 6,6% no Brasil em dez anos, entre 2002 e 2012, enquanto, na Coreia do Sul, sobe em média 6,7% e, na economia madura dos EUA, 4,4% anuais. O problema costuma ser atribuído, em coro, às deficiências da educação brasileira e ao chamado custo Brasil – o conjunto de dificuldades estruturais, tributárias e econômicas que encarece qualquer investimento no País. Mas serão esses mesmos os culpados? 

**GESTÃO ANTIQUADA NAS EMPRESAS**

A explicação pode ser mais complexa. Por exemplo, o economista do Insper Naércio Menezes já argumentou, em uma entrevista à revista CEO Brasil, que o grande nó está nas práticas gerenciais atrasadas que permeiam todos os setores. “Pesquisas mostram que a gestão na indústria brasileira está entre as mais antiquadas do mundo; nossas empresas só sobrevivem porque não há concorrência internacional.” Os próprios especialistas em gestão concordam. 

Em artigo publicado na HSM Management em 2014, a professora Carmen Migueles, da FGV-RJ, declarou que a receita de gestão brasileira é a mesma há mais de 25 anos – buscar resultado por pressão, por comando e controle, em vez de investir em inteligência de gestão. “Vemos grandes quantidades de pessoas sobrecarregadas de tarefas competindo por tempo escasso; Taylor já provou que é isso que reduz a produtividade”, escreveu. 

Em vez de fazerem mais com menos, nossas companhias “fazem muito menos com menos”. Para Masao Ukon, sócio do Boston Consulting Group no Brasil, dez anos de bonança agravaram a situação, levando nossas companhias a se apoiarem em um confortável modelo de crescimento impulsionado por vendas fáceis, quando deveriam basear-se em criação de valor por meio de aumento de produtividade. 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/9258f3ba-5297-4e9c-ad98-ac5bc210c2ee.jpeg)

**SIMPLIFICAR É A ORDEM**

Os economistas costumam apontar seis passos fundamentais para um governo aumentar a produtividade de seu país, e três deles têm a ver com a evolução das empresas: (1) promover maior concorrência entre elas nos mercados internos, (2) incentivá-las a ganhar mercados externos e (3) estimular sua capacidade de inovar, aproximando-as das universidades. (Outros passos incluem promover a pesquisa de modo geral, melhorar a qualidade da educação pública e investir em infraestrutura.) Sem o direcionamento do governo, no entanto, o que as empresas podem fazer para ser mais produtivas? No Brasil, muitas têm iniciado processos de cortes de custos com demissões. Ivar Berntz, sócio da área de consultoria da  Deloitte, alerta que essas “podem estar desperdiçando recursos investidos em capacitação de profissionais que farão falta no momento da retomada do crescimento”. O que ele sugere é trocar a simplória abordagem da redução de custos por uma nova perspectiva de gestão – a da simplificação. 

De fato, várias metodologias do mercado recomendadas para aumentar a produtividade empresarial visam simplificar as corporações nas áreas organizacional, operacional, comercial e de capital, desde a matriz das quatro eficiências do Boston Consulting Group [veja figura na página ao lado] até o framework Fit for Growth, da PwC Strategy&. 

As abordagens propostas neste Dossiê, segmentadas também conforme essas quatro eficiências, têm em comum, além da simplificação, uma visão de longo prazo e o foco no valor gerado. Como diz Luiz Vieira, sócio da PwC Strategy&, é necessário que as empresas entendam suas capacitações críticas e seus diferenciais competitivos por meio das contribuições que fazem à geração de valor no médio e longo prazos. 

Vieira vai além: é preciso que, para isso, adotem programas de eficiência que possam “ser desenvolvidos de maneira que os ganhos obtidos nas iniciativas de curto prazo sejam reinvestidos no desenvolvimento de capacitações que reforçarão os diferenciais competitivos no longo prazo”. 

**ENGAJAMENTO DA LIDERANÇA**

Embora todos os entrevistados e colaboradores deste Dossiê destaquem o papel da liderança na mudança em prol da produtividade, é o norte-americano Bob Fifer que o defende com maior veemência. O autor do best-seller Dobre Seus Lucros – conhecido como o “livro de cabeceira” dos produtivos executivos do fundo 3G – afirma que, sem a participação ativa da liderança máxima da organização e de seus subordinados diretos, a virada simplesmente não se concretiza. “Isso explica por que empresas que focam os lucros e os custos ainda são relativamente raras, apesar de o processo de foco ser muito simples”, argumenta ele. 

Envolver-se pessoalmente é um desafio e tanto para os líderes, porque, se permite lidar com algo tão sofisticado como a digitalização, uma das prioridades da busca da produtividade [veja quadro acima] , também implica contato com atividades pouco charmosas. O leitor imagina executivos do alto escalão precisarem importar-se com a consolidação de atividades que tenham redundância ou sobreposição, ou ter de eliminar capacidade ociosa e desperdícios em geral? Não parece um movimento típico de quem faz microgerenciamento? Talvez pareça, porém o fato é que constitui uma iniciativa-chave para mudar a cultura da empresa.

O CEO e seus reports também devem ser persistentes, “abraçando” processos trabalhosos e demorados, como tende a ser, por exemplo, uma transformação na forma de comprar e contratar insumos e materiais. Vieira, da PwC Strategy&, oferece uma degustação de uma longa lista do que precisa ser feito: “gerenciamento proativo dos gastos discricionários, definição clara do papel das áreas de negócios e das de compras, maior centralização (e controle) de compras estratégicas, gerenciamento e revisão da demanda interna de compras e das especificações técnicas requeridas, rediscussão da base de fornecedores etc.”. Detalhe: não basta passar a comprar pelo menor preço; é necessário buscar o fornecedor correto e confirmar se o item em questão é necessário de fato e em qual especificação.

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/3c83024d-a912-4dad-9c27-d622792f972a.jpeg)

**BOAS NOTÍCIAS**

O jogo da produtividade tem várias armadilhas, mas há boas notícias. A primeira é que não faltam medidas eficazes para deixar a empresa mais produtiva, e este Dossiê é pródigo nelas. Mais ainda, as próximas páginas orientam o leitor em sua implantação. Afinal, o mesmo reajuste de preços de 5% pode gerar um aumento de 50% no lucro ou repelir compradores – tudo depende de como for feito. A segunda boa notícia paradoxalmente se liga à crise. Recessões tornam muito mais fáceis as mudanças e os ganhos de eficiência;  a resistência diminui, as negociações fluem. A experiência de Bob Fifer na crise norte-americana de 2008 comprova isso. Como recomenda uma frase atribuída a Winston Churchill na internet (que virou um meme digital),“nunca se desperdiça uma boa crise”.

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